É hora do show?

UFC 249 volta em meio à pandemia e com lutador retirado do card após ser diagnosticado com o novo Coronavírus

Brunno Carvalho Do UOL, em São Paulo Brandon Magnus/Zuffa LLC via Getty Images

O UFC será a primeira grande organização esportiva a retomar suas atividades em meio à pandemia do Coronavírus (Covid-19). Dois cinturões estarão em jogo hoje (9) no UFC 249, em Jacksonville, na Flórida (EUA). Mas polêmicas em relação a essa decisão surgiram antes mesmo de o primeiro lutador subir ao octógono.

Ronaldo Jacaré estava escalado para enfrentar Uriah Hall no card preliminar do evento. Na noite de ontem, porém, o brasileiro e dois membros do seu time foram diagnosticados com Covid-19 e a luta, cancelada. Foi o primeiro caso confirmado da doença entre os atletas selecionados para lutarem na noite de hoje. Todos os outros atletas tiveram seus resultados negativos, segundo o Ultimate.

A notícia não mudou os planos do UFC. A organização seguirá com o evento. A realização do UFC 249 é uma batalha pessoal do presidente Dana White. Durante semanas, ele brigou com os críticos para achar um lugar e fazer sua organização uma pioneira.

"Eu sou o tipo de pessoa que fica se questionando sobre como vamos resolver esse problema em vez de ficar escondido. E acho que resolvemos. Nada é 100% garantido, mas estamos tomando todas as medidas necessárias. Não tenho medo da mídia", disse dias antes de Jacaré ser diagnosticado com Covid-19.

Mesmo com os casos de Coronavírus aumentando nos Estados Unidos, o UFC está de volta. Mas deveria voltar?

Chris Unger/Zuffa LLC via Getty Images

Confirmação mostra que sistema funciona, diz Dana

Ronaldo Jacaré não escondia o medo do Covid-19. Quando conversou com a reportagem antes de viajar para a Flórida, o brasileiro disse que tinha receio de lutar em meio a uma pandemia, mas tratou como um risco que tinha que correr.

"Claro que eu tenho medo do vírus. Todo mundo tem. Mas tenho contas para pagar, tem coisas que eu preciso fazer".

Ele afirmou não ter tido pressão do UFC sobre os atletas para que aceitassem lutar no card. "Só aceitou quem queria lutar mesmo. Durante todo o processo, o Dana White nos deixou abertos para recusarmos as lutas durante a pandemia".

O UFC afirmou que Jacaré estava assintomático e anunciou o isolamento dele e dos membros de sua equipe pouco tempo depois de o resultado dos testes terem sido noticiados. A organização afirmou que o brasileiro e seu time respeitaram os protocolos de segurança durante toda a semana. Mas um vídeo publicado - e mais tarde deletado - por Fabrício Werdum no Instagram mostra Jacaré interagindo a uma distância menor de dois metros.

Em entrevista à ESPN dos Estados Unidos, Dana White afirmou que o caso serviu para mostrar que o sistema de testes do UFC funciona. "Realizamos 1.200 testes essa semana em 300 pessoas. Não é algo inesperado uma pessoa ter seu teste como positivo. O sistema funciona. E o bom disso é que agora que sabemos que Jacaré foi diagnosticado, ele está fazendo o que é preciso e estamos aqui para ajudá-lo no que for preciso".

Ao chegar em Jacksonville, Jacaré avisou o UFC da possibilidade de um membro de sua família ter tido seu teste positivo para Covid-19, de acordo com a "ESPN". Mesmo assim, ele compareceu à pesagem de ontem pela manhã. De máscara e luva, o brasileiro permaneceu longe do rival Uriah Hall na hora da encarada.

Eu sei que é horrível, irmão. Uma pena que você teve que passar por isso. Estou devastado pela oportunidade perdida. Desejo nada além de recuperação para você e sua família.

Uriah Hall

Mike Roach/Zuffa LLC Mike Roach/Zuffa LLC

Flórida classifica esportes como "serviço essencial"

Um decreto publicado pelo governador republicano da Flórida, Ron DeSantis, em 9 de abril pavimentou o caminho para que o UFC conseguisse a autorização para voltar, mesmo sem público. A partir daquele dia, os eventos esportivos se tornaram "serviços essenciais" no estado em meio a pandemia.

A mudança na lei permite a atuação de "funcionários de eventos esportivos e mídia com um público nacional - incluindo atletas, artistas, equipe de produção, equipe executiva, equipe de mídia e quaisquer outros necessários para facilitar a inclusão de serviços de apoio a essa produção - somente se o local estiver fechado ao público".

A atitude faz parte de um processo de reabertura da Flórida. A região tem apresentado uma queda no número de mortos, mas ainda é o oitavo estado com mais contágios nos Estados Unidos. Até ontem (8), 39.199 pessoas haviam sido diagnosticadas com covid-19, e 1.669 haviam morrido.

O cenário da pandemia nos Estados Unidos continua preocupante. O país lidera o ranking de contágios no mundo, com quase 1,3 milhão e já soma mais de 77 mil mortes.

"O evento acontecer na Flórida acaba sendo menos pior do que se fosse em outra região com mais casos, com a curva ainda ascendente", alerta o médico infectologista Guilherme Spaziani, do hospital Emílio Ribas, uma das principais trincheiras do combate à doença em São Paulo. "Mas há o perigo de o Estado entrar, em breve, em uma segunda onda de contágios. Mesmo acontecendo sem público, tem todo o mau exemplo que isso pode proporcional, uma vez que um evento esportivo não é uma atividade essencial."

As pessoas pensam que eu falo 'não me importo com o coronavírus e vamos fazer isso de qualquer jeito'. Nós sabemos o quão sério é o coronavírus. Saúde e segurança foram as prioridades nas últimas semanas e sempre foram uma prioridade para nós nesses últimos 20 anos."

Dana White, presidente do UFC

"Estou apavorado, cara"

Josh Hedges/Zuffa LLC via Getty Images Josh Hedges/Zuffa LLC via Getty Images

Greg Hardy é um lutador de quase 2 metros de altura e 120 kg. Mas seu porte físico não o impede de conviver com o medo de lutar em meio a uma pandemia. "Estou apavorado, cara", disse ele em uma entrevista coletiva antes do UFC.

A situação do norte-americano é mais delicada que a dos outros atletas. Asmático, Hardy faz parte do grupo de risco da Covid-19. "Mas isso não vai me impedir de marcar território e garantir que meu chefe tenha a luta mais empolgante do primeiro evento entre todos os esportes. Esse será o maior evento e precisará dos maiores atletas."

O medo não foi a única questão que Hardy precisou enfrentar durante a preparação. Morador de Dallas, no Texas, ele está acostumado a viajar para encontrar a American Top Team, sua equipe na Flórida, distante 2 mil km de sua casa.

Mas com a pandemia e por ser asmático, Hardy preferiu não viajar de avião dessa vez. E teve que dirigir por 19 horas sempre que precisou se juntar a seu time na Flórida. "Eu treinava e dirigia, treinava e dirigia".

Hardy disse não ter pensado em desistir. "Esses caras (do UFC) cuidaram de mim. Eles garantiram que tudo fosse feito de maneira correta, e tudo está sendo feito. Eles cuidaram das minhas necessidades e acho que isso merece lealdade".

Lutadores querem entreter o público na quarentena

Greg Hardy não está sozinho no pensamento de lutar para fazer do UFC um pioneiro. Os atletas ouvidos pela reportagem encaram a oportunidade como uma chance de levar distração ao público que não pode sair de casa. Uma espécie de "missão" que precisa ser cumprida.

"Eu quero lutar não só por mim, mas para poder levar um entretenimento para quem está em casa. Não tem nenhum esporte rolando e a gente vai poder fazer uma luta para os fãs acompanharem alguma coisa", diz Vicente Luque, que enfrentará Niko Price no card preliminar.

A "missão" é compartilhada por Fabrício Werdum. O ex-campeão dos pesados acredita que a iniciativa do UFC pode fazer com que outras modalidades decidam acelerar o retorno. "Fico feliz de ser o nosso esporte a dar o primeiro passo".

No distanciamento social, treino online vira solução

Mike Roach/Zuffa LLC via Getty Images

Werdum

"Levei minha família para Big Bear, a duas horas e meia de Los Angeles. Meu irmão ficou comigo o tempo inteiro me ajudando no treino, e o Rafael Cordeiro (treinador) foi algumas vezes. Tivemos dificuldade para reunir todo mundo, mas deu para fazer o treinamento online. O primeiro da minha carreira."

Mike Roach/Zuffa LLC

Luque

"A situação não chegou a atrapalhar, mas foi diferente. Tive que adaptar algumas coisas do meu treino. Meus treinadores me ligavam por vídeo e passavam o que eu tinha que fazer e me davam as instruções. Mas a maior parte do meu treino foi feito em casa, focado na parte física. Corri muito na rua para manter o gás."

As medidas tomadas pelo UFC para evitar contágio

O UFC tomou medidas na tentativa de diminuir o risco de contágio na semana prévia ao evento. O tradicional treino aberto, que sempre conta com a presença de público, foi cancelado. Já as entrevistas com os atletas foram feitas por chamada de vídeo.

Antes mesmo de chegarem ao hotel em Jacksonville, os atletas receberam um e-mail do UFC com orientações sobre o protocolo que seria adotado durante a semana. Cada atleta teve uma sala individual para exercícios. Outra medida era a testagem de Covid-19 em todos os lutadores e membros de suas equipes.

Para o médico infectologista Guilherme Spaziani, por mais que o UFC faça os testes em seus atletas, não há garantia de que eles realmente não estejam com a doença. A dúvida se explica pela chamada "janela imunológica".

"Isso acontece porque leva um tempo até o vírus entrar na corrente sanguínea, se espalhar pelo corpo e o sistema imunológico começar a produzir os anticorpos. Esse teste vai dar positivo apenas quando a concentração de anticorpos no sangue estiver bem alta, que costuma ser entre sete e dez dias do início dos sintomas".

No dia da pesagem, apenas lutadores e suas equipes permaneceram no local. Todos de máscara. A balança utilizada para conferir o peso era frequentemente higienizada por um membro da organização. O tradicional evento das encaradas foi substituído por um encontro mais discreto na própria sala do hotel.

Mike Roach/Zuffa LLC Mike Roach/Zuffa LLC

UFC faz maratona para aproveitar brecha na lei

O UFC 249 será um teste decisivo para os planos da organização. A ideia de Dana White é realizar mais dois eventos em oito dias em Jacksonville, o que incluiria uma rara edição no meio da semana. A maratona é chance de aproveitar a brecha na lei da Flórida e fazer a roda girar.

Assim que as luzes do UFC 249 se apagarem, a organização já começará a planejar o evento da quarta-feira (13), que terá o brasileiro Glover Teixeira na luta principal, contra o norte-americano Anthony Smith.

Três dias depois, o UFC se despede de Jacksonville com seu terceiro evento. Alistair Overeem e Walt Harris farão a luta que fechará as cortinas da passagem da organização pela cidade.

O UFC terá voltado.

UFC 249
9 de maio de 2020, em Jacksonville (EUA)
Transmissão: Canal Combate

Card Principal (23h, horário de Brasília):

Peso-leve: Tony Ferguson x Justin Gaethje
Peso-galo: Henry Cejudo x Dominick Cruz
Peso-pesado: Francis Ngannou x Jairzinho Rozenstruik
Peso-pena: Jeremy Stephens x Calvin Kattar
Peso-pesado: Greg Hardy x Yorgan De Castro

Card Preliminar (19h30, horário de Brasília):

Peso-leve: Donald Cerrone x Anthony Pettis
Peso-pesado: Alexey Oleynik x Fabricio Werdum
Peso-palha: Carla Esparza x Michelle Waterson
Peso-meio-médio: Vicente Luque x Niko Price
Peso-pena: Charles Rosa x Bryce Mitchell
Peso-meio-pesado: Ryan Spann x Sam Alvey

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