Ele fica, mas com ressalvas

Renato Gaúcho pode completar seis anos à frente do Grêmio, superando Telê Santana no São Paulo. Mas...

Jeremias Wernek Do UOL, em Porto Alegre (RS) Lucas Uebel/Getty Images

Grêmio e Renato Gaúcho vão continuar juntos no restante de 2021. A renovação anunciada às vésperas da final da Copa do Brasil (independentemente da conquista do hexacampeonato diante do Palmeiras) mostra que, para a diretoria, Portaluppi é o nome ideal para manter o time no topo, suportar qualquer onda de irritação e liderar o dia a dia tricolor.

Nos próximos meses, enquanto trabalha para devolver a competitividade que o Grêmio pareceu perder na reta final do último Brasileirão, ele ainda terá um recorde a bater. Telê Santana comandou o São Paulo entre outubro de 1990 e janeiro de 1996. Se ficar até o fim do atual contrato (o que é tendência, dada a identificação com o clube e a relação próxima com a cúpula de comando), Portaluppi vai igualar o histórico técnico do Morumbi.

A estátua na esplanada da Arena do Grêmio, as faixas em meio à torcida, as tatuagens em torcedores e o primeiro lugar na lista de técnicos que mais comandaram o Grêmio na história já são dele. Algo digno do tamanho do personagem.

Só que, como o futebol brasileiro é um animal diferente de tudo o que conhecemos, existe um "mas"...Hoje, o tamanho do ídolo ainda é suficiente para suportar as críticas da torcida, mas as contestações estão cada vez maiores. Para lidar com isso, os dirigentes planejam, nesta temporada, dividir as decisões do vestiário. A questão é até quando o treinador, com menos poder e uma relação cada vez mais desgastada com quem o idolatra, vai conseguir manter esses status.

Aí eu pergunto: tá, eu vou embora. Saio do Grêmio. Quantos dias o próximo treinador vai durar? Nem falo em meses, mas em dias. DIAS. Se a cobrança for assim, é difícil. Difícil mesmo."

Lucas Uebel/Getty Images

Uma entrevista com Renato

É sexta-feira, o relógio marca 21h55 e do outro lado da linha está Renato. Em procissão pelos veículos de imprensa do Rio Grande do Sul, o treinador falou ao UOL Esporte sobre a renovação. No bate-papo abaixo, Portaluppi fez revelações sobre Atlético-MG, Luiz Adriano, elenco e até sobre Gabigol.

Lucas Uebel / Grêmio FBPA
Romildo Bolzan, presidente do Grêmio, e Renato no anúncio da renovação

Praticamente todo ano a gente tem mudado o grupo, tem vendido mais do que trazido. Vamos dar sequência no projeto dos garotos da base, me comprometi com o presidente. A gente vem fazendo isso desde 2016 e, se eu sair, isso tem que continuar mesmo. Isso é uma coisa. A outra, falei com o presidente, com o Amodeo [Carlos Humberto Amodeo Neto, CEO do clube] antes de renovar, o que poderiam me dar de contratações. Falamos em três ou quatro contratações. A gente vendeu mais do que comprou e nosso grupo está envelhecendo. Isso é normal também, então é preciso se reforçar. Eu tenho essa promessa por parte do presidente, de trazer três ou quatro reforços."

Sobre o Grêmio que vamos ver em 2021.

O que aconteceu com:

Pedro H. Tesch/AGIF

Pepê

"É uma situação... digamos, delicada. O Pepê eu já tive outros exemplos, e falei ao presidente um tempo atrás, quando estavam definindo a situação dele. No momento que o jogador é vendido, naturalmente a cabeça dele começa a ter outros sonhos, outras ideias. E até acordar para a nova realidade, ele tem um baque. Eu tinha avisado ao presidente que havia grandes chances de o Pepê cair de produção. Infelizmente aconteceu. Mas era uma coisa que tinha de ser feita, ele tinha que ser vendido. E como esse ano é atípico, uma coisa atropelou a outra e ele caiu de rendimento."

Jeferson Guareze/AGIF

Jean Pyerre

"E o Jean... Bom, o Jean é uma coisa que eu insisto. Tenho conversado muito com ele, os próprios colegas também. Ele tem que pisar na área, tem que chutar a gol. Quando ele começa a fugir da área, as responsabilidades aumentam para os nossos atacantes. É muito importante ele se aproximar da área. Ele volta muito para buscar a bola e eu digo que não pode ser assim. Ele chuta para caramba, então pedi para ele chutar mais. Usar isso a favor dele. Pedi para ele entrar na área mesmo. Quando ele recua muito, foge de tudo. Muita gente fala um monte de coisa, várias coisas."

Procurado pelo Atlético-MG

"Sim [Atlético-MG me procurou]. Eles me fizeram? Eles ficaram me procurando durante um bom tempo. Eu falei da final da Copa do Brasil. Isso nunca falei a ninguém, mas quando fui ao Rio, para o sorteio da Copa do Brasil, almocei com o presidente e ficamos conversando, conversando. Naquele dia, naquela tarde, o presidente falou: 'Vamos renovar agora'. Pedi calma. Mas ali dei minha palavra. Pedi para não falar do contrato, mas dei minha palavra. E quando tive a procura do Atlético, falei para ele."

Admitindo a sondagem

A primeira procura do Atlético-MG tem [Renato pausa e fica pensando em voz alta, contando os dias desde o contato], tem umas três semanas, quase um mês... Falei que ficava feliz, pelo investimento, por ser um grande clube, mas dei minha palavra aqui. 'Se quiserem esperar, esperem. Mas eu não garanto nada'. E eles ficaram me esperando até pouco tempo atrás."

Explicando a conversa

Se fosse por dinheiro, eu teria ido para o Atlético-MG. Eu tive uma oferta milionária de Dubai também. Eu fiquei por ser gremista e para dar sequência no projeto."

Revelando uma terceira proposta

Ricardo Rimoli/AGIF

Sondagem a Gabigol (quando ele ainda estava no Santos)

Eu falei para ele: 'Quer ir para o Grêmio?' [em meio a um jogo entre Santos e Grêmio, na Vila Belmiro]. Mas é aquilo que eu falo... O Pedro esteve nas nossas mãos. Mas aí barrou onde? No dinheiro. Quando pega um Palmeiras, um Flamengo, um Atlético-MG, fica difícil. O Pedro, pô, o Pedro a gente ia trazer... Antes do Flamengo ir, a gente se mexeu. Falei aqui, mas quando a gente foi, o Flamengo entrou na parada e aí complicou."

Críticas e cobranças

Fernando Alves/AGIF

"Às vezes eu fico com saco cheio de algumas coisas. Entramos numa fila de 15 anos, ganhamos sete títulos depois disso. E aí, quando a gente sai de uma competição? A gente não quer sair, mas quem investe tem mais chances de ganhar."

Lucas Uebel/Grêmio

"A gente vendeu, a gente envelheceu o elenco e? As pessoas olham só os últimos jogos, mas tem que olhar o todo. De 2016 para cá, tenho só 3 jogadores [que ficaram no elenco]: Maicon, Kannemann e Geromel. E o tempo passa. O tempo passa?"

Jorge Rodrigues/AGIF

"Olha quantas mudanças, quantos jogadores saíram. Pensam que o Grêmio tem um elenco nível Barcelona. Não. A cobrança é válida, mas dentro de parâmetros. Uma cobrança que poderia ser grande é com o Atlético-MG. Quanto investiu? R$ 200 milhões. Ganhou o quê? Nada!"

Cesar Greco

Luiz Adriano no Grêmio

Conversei com ele, acho um p* jogador. Mas não deu. Ó, não falo em nomes, mas tô dizendo aqui por já ter acontecido. Já passou, não vou falar do que pode acontecer ainda, beleza? De outros jogadores, no caso. Outros nomes que a gente já está tentando trazer."

Lucas Uebel/Grêmio FBPA Lucas Uebel/Grêmio FBPA

Oito finais e sete títulos

Essa é a terceira passagem de Renato Portaluppi como treinador do Grêmio. E a mais vitoriosa, repleta de conquistas e marcas históricas. Se entre 2010 e 2011 houve perda de Gauchão em casa, para o Inter, nas últimas temporadas veio tricampeonato estadual —algo que o Grêmio não conseguia há 30 anos.

Em 2013, na segunda era Renato, o melhor desempenho foi segundo lugar no Brasileirão. Em 2016, com poucas semanas à frente do time após saída de Roger Machado, o jejum de grandes conquistas do clube acabou. A Copa do Brasil abriu caminho para uma era dourada no bairro Humaitá, na zona norte de Porto Alegre. Quem estava no elenco resume: Portaluppi injetou confiança, tirou a pressão da fila sem taças e fez ajustes decisivos.

Ao longo das temporadas seguintes, o dedo do treinador apareceu cada vez mais. E a estrela também. O Grêmio de Renato chegou a oito finais antes de encontrar o Palmeiras no atual duelo do mata-mata da CBF, e ganhou sete títulos. A única derrota em jogos decisivos foi para o Real Madrid, no Mundial de Clubes da Fifa.

Para quem convive no dia a dia, esse não é um número ao acaso. O técnico prefere mata-mata aos pontos corridos porque é viciado no ambiente de decisão. Nos dias prévios a um confronto direto, tem até ritual: concentração antecipada, show particular de humorista gaúcho e premiação turbinada —inclusive para destaques individuais. Na decisão por pênaltis do Gauchão de 2019, por exemplo, Paulo Victor pegou três pênaltis e ganhou R$ 50 mil.

José Cordeiro/AE
Telê Santana e Muricy Ramalho, então seu auxiliar, durante o período no São Paulo

Renato x Telê

Apesar da chance de igualar Telê Santana em tempo de permanência, Renato precisará aumentar o ritmo para chegar ao patamar de conquistas do ícone são-paulino. Aquele São Paulo ganhou dez títulos: duas Libertadores (1992 e 1993), dois Mundiais de Clubes (1992 e 1993), uma Supercopa da Libertadores (1993), duas Recopas Sul-Americanas (1993 e 1994), um Campeonato Brasileiro (1991) e duas edições do Campeonato Paulista (1991 e 1992).

Portaluppi tem sete taças à frente do Grêmio (Copa do Brasil, Libertadores, Recopa Sul-Americana, Recopa Gaúcha e três vezes o Gauchão). Só Felipão tem mais troféus pelo Grêmio do que ele. O maior ídolo gremista, porém, tem outro dado que conta muito: foram mais de dois anos sem perder para o Inter.

O Grêmio ficou 11 clássicos sem perder para o rival. E esse período deu fôlego ao trabalho de Renato quando surgiram críticas. A sequência entre 2018 e 2020 só fica atrás da obtida entre 1999 e 2003, quando foram 13 duelos contra o Internacional sem derrota. Quando o olhar é só para Portaluppi, a estatística é ainda mais impactante. Somando a segunda e a terceira passagens como treinador, foram 13 encontros Gre-Nal sem derrota. O ídolo gremista sabe a importância da rivalidade como ninguém. E também lidar com elas.

Isso é uma hora muito grande. O Telê foi um p... treinador, aprendi muito com ele. Eu não agiria com um jogador meu como ele agiu comigo, mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Ele é um enorme de um treinador, dispensa comentários."

Lembrando que, na seleção brasileira de 1986, ele foi cortado por pular muro da concentração e sair do regime de véspera de um jogo

Reprodução
Telê Santana e os troféus dos Mundiais do São Paulo

Sobre os seis anos de Telê

Durante a entrevista, o próprio Renato perguntou sobre o recorde de Telê Santana: "Acho que não foi tudo isso". A reportagem perguntou, então, a um representante do arquivo histórico do São Paulo sobre o período. Segundo o clube, Telê não costumava assinar contratos. Eram compromissos verbais renovados ou não a cada seis meses. Entre outubro de 1990 e janeiro de 1996 foi assim. Durante o período, ele tirou algumas férias curtas e não dirigiu o time em alguns jogos. Mas, para o São Paulo, ele sempre foi o treinador declarado do time.

Fernando Alves/AGIF

Brasileiro é ponto fraco

Se os mata-matas renderam sete títulos ao Grêmio de Renato, o Campeonato Brasileiro é um ponto fraco. Desde 2017, o treinador deixou os pontos corridos de lado e sempre recebeu apoio dos dirigentes pra fazer isso. Além da conta simples, de caminho mais curto para taças, a cúpula apoiou a escolha do ídolo por conta das premiações.

A decisão gerou críticas fortes da opinião pública e fez Portaluppi proferir a mesma frase por quatro anos. "O Grêmio não abriu mão do Brasileirão", porém, nunca encontrou significado na classificação dos campeonatos. Em várias rodadas, na maioria das vezes longe de Porto Alegre, o time titular foi preservado. Reservas e jovens do time de transição jogaram no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, em Salvador, no Recife...

Por mais que o Grêmio tenha terminado (na maioria das vezes) em quarto lugar, a sensação em todas as temporadas foi de que era possível ver o Grêmio mais perto do topo da tabela. Em 2020, por exemplo, os comandados de Renato chegaram a bater recorde de empates.

Nem mesmo o longo jejum tricolor no Brasileirão mudou essa visão. O primeiro título do torneio do Grêmio foi em 1981, meses antes de Renato ser promovido ao time principal. O segundo, em 1996, quando o ídolo brilhava pelo Fluminense. Mesmo sabendo que a taça dos pontos corridos possa completar a lista de títulos do próprio técnico, a ambição para isso nunca se mostrou forte —seja nos bastidores ou nos microfones.

Lucas Uebel/Grêmio
Arthur e Luan: o primeiro, o Grêmio vendeu. O segundo, Renato ajudou a transformar em melhor da Libertadores

R$ 500 milhões com jovens

Renato entrou em um carro em movimento, pegando velocidade, e encontrou atalhos. O ritmo foi sempre intenso, principalmente quando o assunto foi dar espaço para atletas das categorias de base. Ao longo dos últimos anos, sempre houve alguém formado no Grêmio entre os titulares.

De 2016 até março deste ano, o Grêmio arrecadou R$ 522,3 milhões com negociações de jogadores formados no clube. Everton Cebolinha e Arthur, atualmente em Benfica e Juventus, lideram a lista. Jailson, Pedro Rocha e Pepê também estão na relação. Assim como Diego Rosa e Tetê —mas estes sequer estrearem entre os profissionais. O volante foi negociado com o Grupo City, do Manchester City, e o meia-atacante fechou com o Shakhtar Donetsk, da Ucrânia. Em 2021, o treinador se comprometeu a dar mais espaço para os guris.

Ainda assim, há crítica: paira sobre Portaluppi a reclamação de que o número poderia ser ainda maior. Ele garante que não e usa números das negociações para se defender. A maioria dos talentos promovidos foi negociada. E, para ele, entraram em campo aqueles que confirmaram o talento no dia a dia.

Fernando Alves/AGIF Fernando Alves/AGIF

#ForaRenato?

As críticas ao trabalho de Renato cresceram nos últimos meses. A derrota por 4 a 1 para o Santos nas quartas de final da Copa Libertadores foi estopim para aumentar o tom. Dentro da diretoria, uma ala se levantou questionando decisões e métodos, mas não teve força para colocar realmente em xeque o novo contrato.

Nas redes sociais, houve até campanha com hashtag pela saída de Portaluppi. O #ForaRenato apareceu até nas transmissões oficiais do Grêmio no YouTube, mas nunca foi visto pelo próprio (que se mantém sem redes sociais e WhatsApp). E é preciso dizer: em vários momentos, ao longo dos últimos quatro anos, Renato conseguiu resultados na hora exata em que o clima poderia ter esquentado.

Agora, no começo de 2021, vale o mesmo. A aposta é que a grandeza do personagem vai ajudar a blindar o time em momentos de turbulência. A relação direta com Romildo Bolzan Jr., presidente do Grêmio desde 2015, é um dos alicerces da aposta. Os dois mantêm contato frequente e formam o núcleo forte de todas as decisões do clube voltadas ao futebol. Contratações, de chegada e saída, estrutura do departamento de futebol — desde profissionais a serem buscados e trocados até áreas físicas mesmo.

Neste mundo particular, entre o dirigente e o treinador, as críticas existem. De lado a lado. Renato cobra mais investimentos. Romildo, mais jovens no time. Mas como nas vezes em que a torcida pegou pesado, sempre acontece algo que acalma o ambiente.

Renato, como você vê as críticas da torcida?

Eu respeito. Respeito as críticas da imprensa e da torcida. Às vezes o cara está p... pelo jogo, por não termos vencido, mas é preciso analisar por que não ganhou. Tem que ver o que ganhamos também, um todo."

Se defendendo das críticas

Em quase 5 anos, ganhamos 7 títulos. E pergunto: o Internacional não ganha um título há quanto tempo? Não vejo cobrança grande lá. Aqui é grande. Como que pode? Só pegar quantos treinadores passaram lá enquanto estou aqui. Isso também diz muita coisa."

Jogando a responsabilidade para o outro lado

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