Vai ter protesto?

Pior time do mundo, Íbis faz sucesso zoando suas derrotas. Mas a boa fase do time hoje em dia ameaça "legado"

Marcello De Vicco Colaboração para o UOL, em São Paulo Michael Fotógrafo

"Nada pode ser pior". O lema que o Íbis carrega há tempos pode ter sido real em uma época distante. Atualmente, não condiz mais com a realidade que a equipe pernambucana vive. A brincadeira de se assumir como "o pior time do mundo" vai durar muito — quem sabe até eternamente —, mas o Íbis de hoje é mais do que isso. Nas redes sociais, mais especificamente no Twitter, o clube virou time grande: é o maior do Brasil e o quarto do mundo quando o assunto é engajamento —a avaliação é da consultoria Sportsvalue.

E por que deixar esse sucesso apenas nas redes sociais? O time, hoje, é o vice-líder de seu grupo na A-2 do Pernambucano e está bem perto da classificação para a próxima fase. O acesso e, quem sabe, o título é o primeiro de muitos passos que o Íbis (o nome uma ave de pernas longas, considerada sagrada no Egito antigo) quer dar.

"Eu costumo falar: eu gosto de perder para ser o pior do mundo? Não. Minha época de pior do mundo já foi. Pior do mundo agora é só a brincadeira, o símbolo que a gente tem. Mas trabalhamos para ganhar. A nossa intenção é chegar na primeira divisão, ver se melhoram os caminhos, os patrocínios. A última vez que jogamos na A-1 [do Pernambucano] foi em 2000. Está na hora de voltar", crava o atual presidente e neto do fundador do Íbis, Ozir Ramos Júnior.

Michael Fotógrafo
Divulgação/Instagram@instaibis

A história do Íbis

O Íbis foi fundado em 15 de novembro de 1938, no bairro de Santo Amaro, em Recife (PE), como uma forma de entretenimento para os funcionários da TSAP (Tecelagem de Seda e Algodão de Pernambuco). E o que começou como um simples divertimento foi, aos poucos, virando uma coisa mais séria.

"Eu já nasci dentro do Íbis", brinca Ozir Ramos Júnior. "O clube foi fundado pelo meu avô, Onildo Erasmo Pires Ramos, que era funcionário da TSAP", conta.

"Ele fez um grêmio recreativo e assim surgiu o Íbis. E quando os diretores da fábrica morreram, meu avô tomou conta e levou para dentro de casa. E a família passou a tomar conta do clube. Meu pai, meu irmão, meu sobrinho... Todos já foram presidentes", acrescenta.

Divulgação/Michael_fotógrafo Divulgação/Michael_fotógrafo

E surge o pior time do mundo

Foi só depois de quatro décadas que o Íbis, de fato, ganhou fama mundial. Mas não por motivos que orgulhava seus torcedores. Uma sequência indigesta de maus resultados na virada da década de 1970 para a de 1980 levou o time pernambucano ao "Guinness Book" como o time profissional que ficou mais tempo sem vencer. Foram três anos e 11 meses sem comemorar uma única vitória.

A fama de "pior time do mundo" começou como uma brincadeira de jornalistas da época, mas acabou pegando. Está até na camisa do clube pernambucano.

"Isso veio na década de 80", recorda Ozir, que inclusive fazia parte do elenco junto com o irmão. "A gente se juntava só para treinar à noite, pois éramos profissionais liberais e não tínhamos condições de fazer um plantel de jogadores", recorda o atual presidente.

Repito a frase do meu pai: 'Enquanto vida eu tiver, o Íbis não se acaba'. E já faz duas gestões que sou presidente. Depois é meu sobrinho, meu irmão... Se deixasse na mão de alguém, já tinha se acabado

Ozir Ramos Júnior, presidente do Íbis

Já tiveram 'n' clubes se dizendo pior time, mas isso é fogo de palha, logo se apaga, e o Íbis continua. Hoje, o Íbis não é o pior nem de Pernambuco, quanto mais do mundo

Ozir Ramos Júnior

Divulgação/Facebook

Os ídolos: de Vavá a Mauro Shampoo

Ainda antes de ganhar a alcunha de pior time do mundo, o Íbis já havia deixado seu nome gravado na história, e por motivos muito mais nobres. Foi de lá, por exemplo, que saiu um dos grandes nomes do futebol brasileiro: Vavá, o "Peito de Aço", atacante campeão pela seleção brasileira nas Copas de 1958 e 1962. Rildo, ex-lateral, foi companheiro de Garrincha e Nilton Santos, no Botafogo, e de Pelé, Pepe, Coutinho e Clodoaldo, no Santos, é outra revelação do clube.

Mas como no Íbis nada é muito normal, o principal jogador da história não entraria no padrão tradicional dos demais clubes, não é? Bom de bola, habilidoso, dono de gols decisivos e títulos históricos... Esquece, Mauro Shampoo não é nada disso. Até vestiu a cobiçada camisa 10, mas ficou mesmo conhecido por sua cabeleira e pelo seu estilo irreverente. Gol que é bom, nada. Hoje, aos 63 anos e dono de um salão de beleza em Boa Viagem, em Recife, ele garante ter feito um, mas esse não entrou para os registros oficiais.

E quem se importa? Mauro Shampoo não precisa de gols ou títulos para ser ídolo da torcida. Ele precisa ter a cara do Íbis... E isso ele tem, de sobra!

Dilvulgação/Íbis

Maior que o Barcelona. E é sério...

E não é que ser considerado o pior time do mundo tem suas vantagens? Um levantamento feito pela empresa de marketing Sportsvalue colocou o Íbis como quarto maior clube do mundo em engajamento no Twitter. O time pernambucano está à frente, por exemplo, dos gigantes Barcelona, Real Madrid e Juventus.

De acordo com o estudo, que levou em conta os meses de julho, agosto e setembro deste ano, o Íbis alcançou uma média de 11.780 interações em suas postagens. Neste período, foram 29 publicações que atingiram um total de 342 mil pessoas.

Em número de interações, o clube pernambucano fica atrás apenas dos ingleses Arsenal (16.838), Chelsea (15.187) e Manchester United (13.219). O segundo brasileiro da lista, o Flamengo, aparece na sétima colocação, com uma média de 8.942 interações.

O cérebro por trás das redes sociais do Íbis

Dá para acreditar que o Íbis virou esse fenômeno todo nas redes sociais com o trabalho de uma única pessoa? Pois é verdade. O publicitário Nilsinho Filho, apaixonado pelo Íbis, costumava ir ao estádio acompanhar o time e relatava a outros torcedores o resultado dos jogos. Em 2011, passou a fazer isso por meio da internet.

"Ao mesmo tempo que a gente noticiava os resultados dos jogos, eu pensei: 'Ah, vamos fazer o inverso. O Íbis não foi chacota no campo por todos esses anos? Chegou o momento do Íbis se vingar. Então é assim que são os conteúdos do Íbis: zoar, fazer aquela resenha com os times que vão mal no campeonato, que estão sendo rebaixados, com técnicos que estão com péssimas campanhas, ou jogador que perde gol embaixo da barra, e assim por diante", diz Nilsinho.

"Não tenho uma equipe, uma agência, sou eu sozinho, acompanhando o time que amo, as notícias dos times. É futebol de manhã, tarde e noite... Como tem esse foco de pior time do mundo no campo, eu sempre imaginei tentar fazer o Íbis o melhor nas redes sociais. Em que sentido? O melhor no bom humor, no futebol raiz, na resenha. E vem dando muito certo", acrescenta.

Arquivo pessoal/Nilsinho Filho

A fórmula do sucesso

Não tem como explicar o sucesso. Eu almejei tentar fazer o Íbis ser o melhor no humor, na resenha. E futebol é isso. Futebol raiz tem tudo isso. E acho que os conteúdos ajudam. Qual o perfil de time de futebol oficial que torce para que o time perca [risos]?"

Ele garante que o engajamento dos torcedores é maior nas derrotas e que eles esperam que a "auto zoação" nas redes sociais. "Acho que boa parte do sucesso do Íbis é por causa desse tipo de conteúdo. Manter a resenha raiz do Íbis, torcer pela derrota. As pessoas comentam revoltadas quando o Íbis ganha o jogo. E quando eu posto que o Íbis perdeu, torcendo para que o Íbis perca, dá um maior retorno. Todo mundo curte isso".

Outro tipo de postagem que faz sucesso nas redes do Íbis é a zoeira com outros times, mesmo que sejam os gigantes do futebol mundial.

"Qual time de futebol fica zoando o Barcelona, a Juventus, fica tentando contratar o Messi, o CR7? Então, com o Íbis, funciona bastante. E acho que boa parte da minha dedicação e os conteúdos fazem o time ter esse sucesso nas redes sociais", define Nelsinho.

José Mourinho, CR7 e muito mais...

Foi da cabeça de Nilsinho que saiu a ideia de enviar um contrato a José Mourinho logo depois de o técnico foi demitido do Chelsea, no final de 2015. O clube inglês pode não ter gostado, mas a brincadeira divertiu o mundo do futebol e repercutiu por vários países.

"Ele tinha acabado de ser demitido do Chelsea e veio passar as férias em Porto de Galinha [no município de Ipojuca, Pernambuco]. O que eu fiz? Um contrato que repercutiu em vários países e todos os jornais que você imaginar... E, infelizmente, ele não aceitou a nossa proposta e foi treinar o Manchester United na época [risos]", brinca Nilsinho.

E ai de quem citar o Íbis como exemplo de onde não deve estar. Quem o fez, não foi perdoado. Recentemente, o Cruzeiro, através do presidente Sérgio Rodrigues, citou o time pernambucano ao falar sobre os planos para o futuro: "É crítica falar que a gente mira o Liverpool e o Manchester City. Pô! Vou mirar quem? O Íbis?".

A resposta não demorou: "Avisa pra ele que o nosso time tem menos derrotas que o Cruzeiro em 2020. Se quiser marcar um amistoso valendo o título de Pior Time do Mundo, só chamar".

Michael Fotógrafo

Sonhando alto

Quando a bola rola, a brincadeira fica de lado. E o plano do Íbis é igual ao de qualquer outro time: ser cada vez melhor.

"A galera pode ter o Íbis como pior time do mundo, mas não pode olhar para nós como piores jogadores do mundo, pois nós trabalhamos, temos nossos sonhos e queremos conquistar nossos objetivos. Tem que olhar com mais carinho porque aqui tem muito jogador bom", afirma Romarinho, artilheiro do time atual (terceiro da esquerda para direita na foto acima).

"A torcida pega muito no pé, comenta para eu não fazer gol, mas não passa de uma brincadeira. Acredito que tem muita gente torcendo para gente ir para primeira divisão", acrescenta. E já pensou se isso acontece?

Nilsinho tem a resposta: "Vai ser revolta na internet! Imagina se for campeão? Eu acho que, no fundo, todo mundo quer ver o Íbis campeão! Vai ser demais, hein!"

Tem jogador que não gosta [das brincadeiras]. Mas eles têm que entender. Eles estão vestindo a camisa do Íbis. Quer ganhar, vai jogar no Barcelona. Já teve jogador que não gostou, que me xingou, falando que é errado, mas hoje em dia não, todo mundo leva na esportiva porque sabe que isso ajuda bastante no marketing do time e ajudando no marketing também ajuda a todo mundo ter o salário no bolso, né?

Nilsinho Filho , responsável pelas redes sociais do Íbis

Michael Fotógrafo

Falta patrocínio

A falta de dinheiro, porém, impede o Íbis de crescer e conquistar resultados mais expressivos em campo. "É um clube que não tem recurso financeiro nenhum, pouca ajuda. Amigos que se cotizam para a gente sobreviver. E devo muito aos meus amigos que ajudam o clube sem interesse nenhum, para o clube não morrer", diz Ozir Ramos Júnior.

Por isso, o presidente do clube faz um apelo: "Só está faltando alguém que venha nos ajudar, nos patrocinar. Isso é muito difícil. A gente ter uma marca dessa e não ter um patrocinador master é brincadeira. Mas acredito que vá acontecer".

A uma vitória do hexagonal final

Com dez pontos em sete jogos, sendo três vitórias, um empate e três derrotas, o Íbis ocupa a vice-liderança do grupo A da Série A-2 do Pernambucano. O Pássaro Preto, como também é conhecido, volta a campo neste domingo (22) contra o Cabense. Em caso de vitória, já garante vaga no hexagonal final do Estadual.

Neste hexagonal, os seis times classificados jogam em turno único, sendo que os dois primeiros colocados conquistam o acesso para a elite pernambucana. Para quem quiser acompanhar os jogos do Íbis e ficar na torcida pelo "pior time do mundo", as redes sociais do clube (@ibismania) trazem informações sobre os resultados, além, é claro, daquela resenha que faz do Íbis o — além de o pior — o time mais divertido do mundo.

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