Você não sabe quem ele é

Antônio Carlos Zago fala das brigas dos tempos de atleta e de como é comandar o time que pode desafiar grandes

Ricardo Perrone e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo Flavio Moraes/UOL

Antônio Carlos Zago brigou com quase todo mundo nos tempos em que usava a camisa 3. Mas diz que essa não era sua essência. "Dentro de campo eu cometi alguns erros que talvez não deveria ter cometido, mas tantos outros jogadores também cometeram alguns erros ali dentro de campo..."

É uma coisa repentina que você se arrepende um segundo depois. Não tem um jogador de futebol que não se arrependa de coisas erradas que se faz dentro de campo".

"Às vezes, de colocar a mão na bola você já se arrepende e, principalmente, de coisas assim [as brigas]. Não sou o único a ter feito isso. O importante é o que eu sou na minha vida particular e aquilo que eu tô podendo construir na minha vida novamente."

Agora, Zago e o UOL vão narrar essa reconstrução que ajudou a transformar um zagueiro técnico de temperamento explosivo no treinador que levou o Bragantino, já controlado pela Red Bull, ao título da Série B do Brasileirão —e que sobe de divisão com apetite para incomodar os grandes na elite em 2020.

Uma cotovelada custou a Copa do Mundo

Antônio Carlos foi um dos zagueiros mais habilidosos de sua geração, conquistou títulos pelos quatro grandes clubes de São Paulo e venceu o Campeonato Italiano pela Roma. Mesmo assim, nunca disputou uma Copa do Mundo. Como explicar essa lacuna em sua carreira?

Para pelo menos uma das ausências, nos Estados Unidos, o ex-jogador tem uma resposta na ponta da língua. "Na Copa de 94, tive uma fratura no rosto. No dia da morte do Ayrton Senna, 1º de maio de 1994. Foi um jogo contra o São Paulo. Acabei levando um murro do Válber, que foi um puta de um zagueiro também. Talvez eu teria ido para a Copa de 94", arrisca.

A confusão começou num lance que Zago considera de jogo, normal. "Se eu não me engano, numa bola, ele passou, eu abri os braços, dei uma cotovelada. Eu não lembro, e acabou pegando na boca dele. Ele tinha uma ponte, quebrou e caiu no chão. Foi aí que ele ficou maluco". O bicho pegou pouco depois: "Na hora que eu fui para o escanteio, o Mazinho bateu, ele saiu da bola, o Maurílio fez o gol e (Válber) veio e me deu um murro".

Antônio Carlos só percebeu a potência do golpe desferido pelo adversário quando comemorava. "Eu falei: 'os caras vão me pegar aqui'. Saí correndo e fui abraçar o Mazinho. Na hora que o Mazinho me olhou: 'puta, o que foi aí?'. Eu falei: 'por quê?'. Ele falou: 'tá fundo o teu rosto'. No que eu fiz assim (passando a mão na face) já tinha quebrado tudo por dentro. Eu aguentei até o final do jogo, faltavam dez minutos também, pra ver se eu ia pegar o Válber, pra ver se iria aparecer alguma oportunidade. Não apareceu".

A fratura obrigou Zago a passar por uma operação e tomar sopa com canudinho por 20 dias. Quando se recuperou, ele foi a uma churrascaria, deu de cara com Válber, pediu desculpas caso tivesse feito algo e decretou que tudo ficaria no campo. Nunca mais se viram.

Vidal Cavalcante/Agência Estado Vidal Cavalcante/Agência Estado

Sonho é Copa como técnico

A gente sonha com tudo. Quem sabe um dia treinar a seleção brasileira numa Copa do Mundo, já que eu não tive oportunidade de ir como jogador

Zago

A gente fala, hoje, em treinar um grande clube do futebol brasileiro. Mas eu também estou num clube que está ali perto. Às vezes, é difícil sair daqui

Zago

Flavio Moraes/UOL Flavio Moraes/UOL

Voltar pra Europa. Eu sei que é difícil entrar nos grandes mercados, Espanha, Itália, mas eu joguei na Turquia, dá para entrar pra treinar um time da Turquia, da Ucrânia. Então, a gente tem esses projetos e eu venho trabalhando em cima disso

Zago

Rogério Albuquerque/Folhapress Rogério Albuquerque/Folhapress

Panelinhas e tretas no Palmeiras

Na era Parmalat, na década de 1990, o alviverde dava voltas olímpicas no gramado carregando troféus, mas seus jogadores se estapeavam nos vestiários. Zago, que atuou pelo clube entre 1993 e 1995, lembra daquele elenco como um grupo esfacelado fora de campo, mas unido dentro dele.

"No Palmeiras, naquela época, a gente tinha quatro, cinco grupinhos, mas o importante é que quando chegava em campo, o Edmundo apanhava lá na frente, eu batia no cara ali atrás. A gente se doía um pelo outro. Não sei se vocês lembram de um episódio. Em um jogo contra o São Paulo, ele [Edmundo] deu um murro no André Luiz e eu fui o primeiro a pegar o Edmundo e tirar ele pro vestiário, senão os caras iam pegar ele mesmo dentro de campo ".

"De vez em quando, saía [porrada]. O Evair com o Edmundo, eu com o Edmundo, alguns empurrões. O Edílson... nossa, saía. Sempre alguma coisa tinha. É difícil você ver uma equipe como aquela, que, quando entrava em campo, esquecia tudo. Tinha um negócio entre o Evair e o Edmundo ali na frente, que um, às vezes, não queria passar a bola pro outro, ou fazia de conta que não via e chutava no gol. Aí tinha reclamação, mas do resto era um time fantástico".

No meio do fogo cruzado entre seus jogadores, ficava Vanderlei Luxemburgo. "O Vanderlei sabia conduzir bem isso aí", relembra Zago. Tantas eram as tretas que uma das mais marcantes para o ex-zagueiro envolve Luxa de forma hilária. "Teve uma, no Morumbi, minha e do Edmundo. A gente chegou no vestiário, se empurrou, um deu um soco, o outro deu um soco e aí chegou a turma do deixa disso. Aí, o Vanderlei: 'Não, solta os caras'".

No momento, entrou um dos integrantes da comissão técnica na briga. "Nós tínhamos o Zé Mário, o preparador de goleiro: 'Pô, Vanderlei'. Aí, os dois começaram a discutir entre eles e a gente teve que entrar e separar os dois. Aquele dia, que eu lembro, teve a maior bagunça dentro do vestiário. Mas fora de campo a gente se respeitava muito. Tanto é que é um clube que marcou uma história sendo bicampeão paulista e bicampeão brasileiro".

Paulo Giandália/Folhapress Paulo Giandália/Folhapress

"Edmundo era um filho da puta. Hoje é meu amigo"

Se em 90 minutos, diante de adversários, o pavio curto de Antônio Carlos provocava explosões de grandes proporções, imagine convivendo diariamente com um companheiro tão estável quanto uma bomba-relógio. Foi o que aconteceu no campeoníssimo Palmeiras da era Parmalat, nos anos 1990. Ele e Edmundo viviam como gato e rato nos vestiários.

"Bem evangélicos éramos nós dois, viu. O Edmundo é uma personalidade, um caráter. Como o meu também. No grupo, no dia a dia. O futebol foi a minha saída, como foi a saída para o Edmundo também. O futebol foi a única saída e a gente brigava por espaço. Não só eu com ele, mas também tinha Roberto Carlos, Edílson..."

De tanto se enroscarem, os dois ficaram anos sem se falar. A amizade só começou quando atuavam na Itália. E a admiração do pai de Zago, seu Carlos, por Edmundo ajudou a quebrar o gelo. "Com o passar do tempo, a gente vai ficando mais velho, vai ficando mais experiente, a gente vai relevando alguma coisa. Eu fiquei, praticamente, seis, sete anos sem falar com o Edmundo". Tudo mudou em duelo Roma x Fiorentina.

"Meu pai era fã do Edmundo, apaixonado pelo Edmundo. Meu pai ficava: 'pô, vocês não conversam'. Eu falava: 'pai, é um filho da puta. Deixa ele pra lá'. Mas o meu pai era fanático. Ele via o Edmundo e dava pra ver que ele se transformava. Nem para mim ele olhava com aqueles olhos que ele olhava para o Edmundo. Aí, foi um jogo no Olímpico. O Edmundo do lado da Fiorentina, eu do lado da Roma. Na Itália, naquela época, entrava junto. Eu nem olhei na cara dele, ele nem olhou na minha. Terminou o primeiro tempo, eu venho saindo de lá, ele vem daqui. Aí, deu certo que a gente foi chegando perto, um olhou pro outro, deu uma risadinha e demos um abraço. Conversamos depois do jogo. Eu acabei indo pra Florença."

Quando jogava no Napoli, Edmundo retribuiu a admiração do pai de Zago sendo seu anfitrião. "Hospedou o meu pai na casa dele, em Nápoles, em um jogo que nós jogamos contra o Napoli, em Nápoles. Meu pai foi pra lá dois dias antes e aí ficou lá na casa do Edmundo. Nós fomos, jogamos no domingo, saímos pra jantar e ali cresceu um puta de um relacionamento que eu tenho com ele".

É uma coisa que não bateu no começo. Não sei, não deu certo, não casou eu e ele no Palmeiras. Mas, de novo, eu sempre considerei o Edmundo um dos melhores jogadores com quem eu joguei e que eu vi jogar em toda a minha vida. Só que não batia. Eram gênios difíceis e a gente não conseguia se relacionar, mas o importante é que hoje, depois de velho, a gente tem uma puta de uma amizade

Zago, sobre Edmundo

Reprodução/Youtube

A cusparada em Simeone

A lista de ex-desafetos de Zago inclui um dos maiores treinadores do mundo. O argentino Diego Simeone, hoje técnico do Atlético de Madri, também tinha um temperamento difícil nos tempos de jogador. Ele e Zago foram os protagonistas de um clássico entre Roma, clube que o brasileiro defendia, e Lazio em 1999.

"A discussão não era nem comigo, era com o Marcos Assunção. Se você pegar o vídeo do jogo direitinho, tá ele brigando com o Marcos Assunção e eu chego no meio dos dois. Ele fala umas coisas pro Assunção e aí eu comecei a discutir. Foi, foi, foi, dei-lhe uma cuspida na cara. Passou tudo na televisão e eu fui julgado. O advogado chegou pra mim e falou: 'Você tem que dar um jeito de falar que foi saliva que saiu da tua boca'. Eu falei: 'Como é que eu vou falar isso aí? Não tem como falar. Eu sei que eu fui me defender no dia do julgamento, mas gaguejei pra caramba. Levei quatro jogos".

O ex-zagueiro coloca o episódio em sua coleção de arrependimentos. Como consolo, tem o fato de ter sido absolvido pela mulher de Simeone. "Eu sempre gostei de filme e toda sexta-feira, na Itália, eu ia no cinema com a minha família. Nesse dia, eu cheguei atrasado e falei pra minha esposa: 'Vai lá comprar as entradas que eu vou comprar a pipoca junto com as crianças'. A hora que eu viro para o lado, Diego Simeone. Eu olhei e do outro lado estava a mulher dele. Eu falei: 'Eu não quero falar nada com você. Eu quero falar com a tua esposa'".

"Eu falei: 'Olha, você me desculpa por tudo aquilo que eu fiz, pelo gesto. Se você quiser, eu ajoelho aqui, agora'. Ela falou: 'Eu conheço você um pouco e eu conheço mais ainda o meu marido. Se você não tivesse feito aquilo nele, ele teria feito em você. Então, pode ficar tranquilo que não tem nada'".

Ricardo Nogueira/Folhapress Ricardo Nogueira/Folhapress

Estudo e promessa de voltar ao Palmeiras

Em 2008, Zago tinha a possibilidade de jogar mais uma temporada pelo Santos. Planejava se aposentar na Vila Belmiro, estudar e tirar licenças de treinador na Europa. Porém, atendeu a um inesperado pedido do amigo Andrés Sanchez para ser dirigente remunerado do Corinthians.

Antes de virar jogador profissional, Zago ralou num depósito de verduras no Mato Grosso do Sul carregando caixas com os produtos. Acordava às 3h para descarregar caminhão. Para se divertir, jogava na várzea. Depois, morou dois anos em Campinas, onde trabalhou com seu pai no Ceasa. Nessa época, virou amigo de Andrés.

"Eu conheci o Andrés quando ele vendia plástico e eu carregava caixa no Ceasa, em Campinas. O Andrés foi um dos primeiros a me incentivar a conciliar o trabalho com o futebol. Teve uma época que eu vinha treinar no Corinthians. O Andrés tinha um tio que era diretor da base, chamava Zé Maria. Eu cheguei a fazer um teste. Não fiquei porque o treinador falou que eu era muito magro e acabou me descartando", lembra.

Como ser cartola não era sua intenção, a carreira de dirigente foi breve. Em 2009, já estava treinando o São Caetano e, em 2010, deu o grande salto, assumindo o Palmeiras. Viajando no tempo, diz que não deveria ter aceitado o convite. "Se fosse hoje, não teria aceitado. Até pelo momento que vivia o clube e pela pouca experiência que eu tinha naquela oportunidade. Tudo é aprendizado, tudo é lição de vida. Você tem que ir sempre procurando tirar as coisas boas e foi isso que eu fiz a minha vida inteira".

Os desvios de rota fizeram com que o ex-zagueiro só participasse dos cursos na Europa que tinha planejado fazer por volta de 2012 e 2013. Ele tem as licenças exigidas pela UEFA e, na entrevista, contou que pretendia começar a fazer os cursos da CBF neste mês -as aulas começaram na semana passada. O objetivo é obter a licença para trabalhar como treinador também no Brasil.

Nota da redação: na negociação da entrevista, Antônio Carlos disse que não falaria sobre os incidentes envolvendo Ronaldo Fenômeno e o Corinthians, que culminaram na sua saída do clube.

Saí dali e prometi que um dia voltaria pro Palmeiras pra terminar aquele trabalho que comecei. Está de pé. Eu pretendo, um dia, dirigir o Palmeiras. Porque é uma das grandes equipes do futebol brasileiro, porque metade da minha família é palmeirense e porque não engoli aquela história. Então, é uma coisa que eu carrego ainda e isso aí vai acontecer. Não sei quando, mas vai acontecer

Antônio Carlos Zago

A história é de 2010: Antônio Carlos ficou apenas três meses no comando do Palmeiras. Em recente entrevista para a ESPN, ele falou em ter levado "uma facada" nas costas" no alviverde. "Porque eu fiquei sabendo que eles já tinham contatado o Felipão antes de me contratarem. Então, acho que foi uma sacanagem comigo, que tem uma história linda dentro do Palmeiras. Foi feito por pessoas que eu conhecia desde a minha época de jogador. Foi um negócio chato".

"Não é que foi uma facada. Acho que foi um modo de dizer, mas eu fiquei chateado com tudo aquilo que aconteceu, até porque você não faz esse tipo de coisas com pessoas que estão marcadas na história do clube". Pouco depois da saída do ex-zagueiro, Scolari foi contratado.

Na ocasião, chegou a ser noticiado que Zago foi demitido por conta de uma suposta briga com o atacante Robert, que defendia o alviverde. "Do Robert, nós estávamos no Rio, empatamos 0 a 0 com o Vasco. Aí, o pessoal da igreja pediu pra voltar pra São Paulo logo após o jogo. Eles compraram passagem, tinha um culto lá em São Paulo. Não tinha lugar no voo pra voltarmos todos. O pessoal da igreja, cinco, seis jogadores, pediu pra voltar e eu liberei, não tinha problema. Aqueles que ficaram pediram pra sair e eu liberei, até porque nós tínhamos jogo só no final de semana seguinte".

Nesse dia, porém, alguns altetas atrasaram. "Eles tinham que chegar um horário, não chegaram e eu fui falar com o Robert e com mais... não lembro quem era o outro jogador. Aí, o Robert, verbalmente, quis falar alguma coisa, falou: 'ah, mas você liberou os outros pra ir pra São Paulo e não me liberou'. Eu cortei por ali o assunto. Saiu na imprensa que eu tinha discutido com ele. Quem falou isso foi o Sérgio do Prado, tá no Guarani hoje. Foi uma das maiores invenções que tiveram no futebol. A gente não tem o que esconder daquilo que aconteceu quando a gente foi jogador e quando foi treinador também. Foi tudo mentira. Tudo, talvez, alguma coisa armada pra que o Palmeiras me mandasse embora depois".

A lembrança de Sérgio do Prado é um pouco diferente sobre o que aconteceu. O atual gerente de futebol do Guarani conta a seguir a sua versão da história. "A diretoria de futebol queria segurar ele o Dr. Cipullo [Gilberto Cipullo], que era o homem forte do futebol, ele não queria mandar ele embora de jeito nenhum. Foi o Beluzzo quem mandou e ele saiu, e ficou escancarando que eu vazei para a imprensa. Não é verdade, a verdade é que não teve briga entre ele e o Robert. E não foi por causa da briga que ele foi mandado embora do Palmeiras. Ele foi mandado embora porque o Robert foi xingando ele do hotel em Copacabana até o aeroporto e ele não reagiu. O Robert estava alterado, visivelmente alterado. A verdade é curta. Eu não vazei para a imprensa nada, isso é uma grande idiotice, pode pôr essa palavra: ele foi mandado embora do Palmeiras, sim, através de mim, sim, pelo Dr. Belluzzo, sim, porque ele foi xingado do hotel até ao aeroporto e não reagiu."

Flavio Moraes/UOL Flavio Moraes/UOL

Red Bull Bragantino: "É totalmente diferente de um grande clube"

A relação é totalmente diferente de um grande clube porque você não tem os conselheiros do dia a dia. Você tem mais tranquilidade pra desenvolver o seu trabalho e aqui tem toda a estrutura de uma grande empresa. Você tem parte dentária, plano de saúde, pagamento duas vezes por mês, tudo aquilo que você precisa os caras estão dispostos a te auxiliar. Eu acredito que sim [Red Bull Bragantino é mais organizado que a média dos clubes brasileiros] porque é, como eu disse antes, tem poucas pessoas que comandam mesmo

Zago, sobre A diferença entre trabalhar em um clube-empresa e numa agremiação tradicional

Flavio Moraes/UOL Flavio Moraes/UOL

O principal objetivo no ano que vem é nós nos mantermos na Série A. Esse é o primeiro objetivo mesmo, foi aquilo que nós conversamos. Aí, se der pra brigar por uma Sul-Americana a gente vai tentar, até porque seria importantíssimo logo no primeiro ano de Série A você jogar uma Sul-Americana

Zago, sobre os objetivos do clube em 2020

Tem a previsão da construção de um centro de treinamento no próximo ano, de o estádio aqui virar uma arena, então, o clube vai crescendo. E precisa de estrutura. Aqui é o que a gente espera. Colocar cada vez mais o Bragantino no topo, quem sabe, junto com as grandes equipes do futebol brasileiro

Zago, sobre o que ainda precisa melhorar

Por incrível que pareça, todas as vezes falam que o Bragantino tem a maior folha salarial da Série B [de 2019], e não é. Nós somos a terceira ou a quarta, se eu não me engano. Atrás do Coritiba, do Sport, acho que tem mais um time ainda na nossa frente, não sei se é o Vitória. Eu acho que [a união entre Red Bull e Bragantino] contribuiu mais em termos de estrutura. Uniu o útil ao agradável: a estrutura que tinha o Red Bull com a cidade de Bragança, com o torcedor. Uma casa que nós temos. Na maioria dos jogos em casa a gente jogou com estádio lotado. Não perdemos nenhum jogo dentro de casa ainda

Zago, sobre o que o Red Bull ganhou com a junção com o Bragantino -- oficialmente, o clube disputou a Série B como Bragantino. A partir de 2020, o nome será Red Bull Bragantino, já que a empresa comprou a agremiação. Zago era treinador do Red Bull Brasil

Flavio Moraes/UOL

Dizer que o Flamengo atual supera o de 1981 é "bater no Zico"

Zago considera Jorge Jesus e Jorge Sampaoli dois grandes técnicos. Avalia que o argentino fez um trabalho melhor no Santos do que o português no rubro-negro por não ter jogadores do mesmo nível dos que o colega campeão da Libertadores. Porém, vê exageros nos comentários da imprensa sobre treinadores de fora que atuam no Brasil.

"A imprensa talvez tenha um pouco mais de paciência para analisar os estrangeiros. E não tem essa paciência para analisar os brasileiros. Dos estrangeiros, o cara fala: 'ah, o Jesus abriu não sei quem, colocou não sei quem pra dentro'. Aí, quando um brasileiro faz isso, não fica marcado, as pessoas não falam. Só falam das coisas ruins que acontecem. Então, acho que tem que ter a mesma análise em relação aos estrangeiros também."

Mas o que embrulha o estômago do ex-zagueiro é dizer que Flamengo atual joga mais bola do que o time rubro-negro campeão da Libertadores e mundial em 1981. "Eu vi um programa esses dias aí dizendo que esse Flamengo de hoje joga melhor do que o Flamengo de 81. Aí os caras estão querendo bater no Zico, no Adílio, no Andrade, no Leandro, que foi um dos melhores laterais que teve no futebol brasileiro".

"Os zagueiros na época eram Marinho e Mozer. Na lateral-esquerda tinha o Júnior, Júlio César [que saiu do clube antes das duas conquistas] na frente... O Nunes todo mundo falava que era um caneludo, mas fazia gol como ninguém. Depois, teve Tita, depois veio Bebeto, então, a gente não pode pisar na história de um clube como fizeram algum tempo atrás. Eu acho que você tem que olhar bem aquilo que esses jogadores faziam pra poder comparar com os jogadores de hoje".

E quem joga mais o fino da bola, o Flamengo, vencedor da atual Libertadores, ou o Palmeiras bicampeão brasileiro (1993/94), do qual ele fez parte?

"É uma briga boa. Talvez naquele Palmeiras de 93, 94 sobressaía um pouco mais a individualidade, não era tanto o jogo coletivo, como, talvez, tive no São Paulo, em 91 e 92. Era um jogo mais coletivo. Você não tinha tantos jogadores bons individualmente, mas coletivamente o São Paulo tinha um jogo mais bonito. No Palmeiras de 93 nós tínhamos o Edmundo, que não tem comparação com os jogadores que tem no Flamengo, hoje".

"O Edmundo, na minha opinião, foi um dos dez melhores jogadores que nós tivemos aí nos últimos anos. O que ele fazia era brincadeira. Nós tínhamos o Evair como centroavante, que marcou uma época, o Edílson, depois tinha o Rivaldo, que chegou no ano seguinte. Então, é difícil você fazer uma comparação. Eu sei que as duas equipes marcaram história, cada uma dentro do seu período. Antigamente, as outras equipes ofereciam uma maior dificuldade para você, porque nós tínhamos melhores jogadores aqui no futebol brasileiro e em geral. Aquele Palmeiras apresentava um futebol bonito, como o Flamengo de hoje apresenta".

Flavio Moraes/UOL Flavio Moraes/UOL

Início como jogador foi no ataque, com gol em zaga lendária

Você já sabe como Zago virou técnico. Mas como ele foi parar na zaga do São Paulo? Aconteceu quase por acaso. Depois de não dar sorte na base corintiana (episódio que ele narrou acima), Zago foi reprovado em testes em outros clubes, como Guarani e Ponte Preta. Passou na Portuguesa, mas seu tio não gostou do alojamento e não o deixou ficar. Então, ele voltou para o Mato Grosso do Sul para trabalhar e brincar na várzea. Acabou aprovado no juvenil do Ubiratan-MS. Aos 17 anos, já estava no profissional. Um ano depois, como atacante, foi artilheiro do campeonato sul-mato-grossense. Então, o São Paulo entrou em sua vida.

"O seu Pupo Gimenez [ex-treinador, já morto] foi assistir a dois jogos nossos e acabou me levando para o São Paulo, para um período de testes, junto com o Cilinho, que faleceu recentemente. Fiquei no São Paulo (dessa vez) um mês".

Para chegar ao clube paulista, Antônio Carlos encarou uma desgastante viagem de carro. "Cheguei no São Paulo de Brasília [o automóvel]. Dourados/São Paulo de Brasília. Saímos às 17h, fomos chegar no outro dia às 10h no Morumbi. À tarde, já teve um coletivo. Quando eu cheguei no São Paulo, a dupla era Oscar e Dario Pereyra [formação lendária na zaga tricolor]. O time era Zé Teodoro, Oscar, Dario Pereyra e Nelsinho; Bernardo, Pita; Silas, Müller, Careca e Edivaldo ou Sidney que jogava. Logo no primeiro treino, eu já treinei à tarde, o seu Cilinho me colocou no time de baixo. Eu acabei fazendo dois gols. Um de cabeça, no meio do Oscar e do Dario Pereyra. Era impossível você fazer um gol no meio dos dois de cabeça. O outro foi de esquerda, que eu acertei na gaveta. Aí os caras começaram a falar de mim e acabei ficando. Foram me trazendo pra trás e fiquei ali na zaga".

Matuiti Mayezo/Folhapress

Os ensinamentos de Cilinho e Telê Santana

Da defesa, Antônio Carlos acumulou títulos e também experiências. Principalmente olhando para dois de seus primeiros treinadores, Cilinho e Telê Santana. Ele próprio explica a importância da dupla.

"O Cilinho, no dia a dia, em relação a treinos, talvez fosse melhor que o Telê. Desde aquela época, dava treino campo reduzido. As tabelas, as triangulações que os treinadores fazem hoje, perto da grande área, ele já fazia. Eu cheguei no São Paulo e tinha Careca e Müller e eu via os caras treinarem. Era brincadeira.

Primeiro, ele dava o treino invisível, em que você não tinha nada. Você jogava a bola, aí o cara tinha que fazer de conta que pegava e jogava pro outro. Depois, ele te dava a bola. Você pegava e jogava. Um dia, a bola veio pra mim, eu dei dois passos e fiz um passe, não lembro pra quem foi. Ele falou: 'Antônio Carlos, você era carteiro lá na sua cidade?'. Eu falei: 'não, seu Cilinho, por quê?'. 'Não entrega a domicílio. Faz o passe de longe. Não tem que dar dois passos'. Então, são histórias que ficam. Eu fiquei muito triste com o falecimento do seu Cilinho. Foi o cara que me segurou no São Paulo.

Do Telê, algumas coisas que ficaram é o que ele falava sobre domínio e passe. Dizia que isso é tudo dentro do futebol. Quando você recupera uma bola de uma pressão, tem de tirar rápido e jogar do lado contrário, porque tá todo mundo concentrado desse lado. São coisas que acontecem no futebol e que você trabalha muito em cima.

O Telê era um pouco cansativo em relação a coletivo. Ele dava dois coletivos por semana. Às vezes, a coisa não ia bem e no sábado ele dava outro coletivo. Era uma coisa da época. Fora de campo, os ensinamentos eram em relação a dinheiro, a educação. Eu acredito que quem ouviu o Telê, quem teve vontade pra aprender junto com o Telê, venceu na vida depois que foi para outros lugares. E depois que encerraram as suas carreiras também."

Esses dias eu estava conversando com uma pessoa: 'Puta, eu não imaginava que você era assim'. Eu falei: 'Cara, apaga aquilo que eu era dentro de campo. Você tá conhecendo uma pessoa nova hoje'

Antônio Carlos Zago

Flavio Moraes/UOL Flavio Moraes/UOL

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