Toda a força de Edu

Atacante recorda o tempo em que contemplou suicídio. Aos 28, faz gols e sorri no Cruzeiro de Ronaldo

Lohanna Lima Do UOL, em Belo Horizonte Thomas Santos/Staff Images

É 8 de agosto de 2020, dia de estreia do Brusque na Série C do Campeonato Brasileiro. Em campo está Edu, grande aposta da equipe catarinense para a disputa do torneio em busca do acesso à Série B. A expectativa em cima do desempenho do atacante tem justificativa: o jogador foi o artilheiro do Campeonato Catarinense, com oito gols.

No entanto, a participação de Edu na Terceira Divisão durou 66 minutos. Ao dominar uma bola aos 18 do segundo tempo, o "Imperador do Vale" prendeu o pé na grama, e seu corpo girou sobre o joelho. Ali começava sua maior batalha.

Afastamento imediato dos gramados, cirurgias, muletas, depressão e o medo de nunca mais poder jogar futebol. Esse medo o paralisava, o atormentava e o fez pensar até mesmo em tirar a própria vida. Para, depois, com ajuda profissional e uma guinada de fé, seguir adiante.

Em meio a tantas provações e clubes modestos no currículo, Edu não poderia imaginar, mas um ano e meio depois ele se tornaria o principal jogador de ataque do Cruzeiro —comprado por Ronaldo— após ser o artilheiro da Série B pelo próprio Brusque, com 17 gols em 2021.

O atacante já fez cinco gols no Campeonato Mineiro deste ano e briga pela artilharia com um astro como Hulk, do Atlético-MG, e com João Diogo, da Caldense. Apesar do pouco tempo de casa, já caiu nas graças do torcedor e faz o Fenômeno sorrir. Mais importante: após 295 dias de reabilitação e dúvidas, ele superou muita coisa e está sorrindo também, aos 28 anos.

Thomas Santos/Staff Images

Em relação à depressão, na minha primeira semana da lesão, eu pensei em me matar, em desistir da vida porque eu sofria muito. Eu morava em um apartamento no sétimo andar e eu pedi para me mudar para o primeiro andar porque eu estava com muito medo do que estava passando na minha cabeça. Aí, eu procurei, por conta própria, ajuda de um psicólogo, lá em Brusque, onde morava. E me ajudou muito"

Edu

Num momento de afirmação, o joelho arrebentado

A camisa do Cruzeiro não é a primeira de clube grande que vestiu em sua caminhada no futebol. Na base, ele passou por Vasco, Botafogo e Flamengo. Como profissional, porém, o currículo era mais modesto: Boavista-RJ, São Gonçalo, Itaboraí, Atlético Tubarão-SC, entre outros.

Foi pelo Brusque, de todo modo, que seu talento começou a emergir. Até que a lesão o tirou de combate até maio de 2021, quando retornou após um longo e difícil tratamento não só do joelho, mas também da mente.

Edu teve rompimento do ligamento cruzado anterior do joelho direito, além de lesão meniscal e dos ligamentos colaterais, na partida contra o Ypiranga-RS. Para se recuperar, precisou fazer um procedimento cirúrgico não só no joelho lesionado. A notícia, com todos seus detalhes, o abalou:

Senti arrebentar todo o meu joelho por dentro. Foi um momento de desespero. Depois, os exames, a ressonância, comprovaram a gravidade da lesão. Na minha segunda consulta, fiquei sabendo que teria que abrir o outro joelho para poder fazer um enxerto no joelho lesionado. Aí, foi a pior notícia da minha vida. Sabia que operar uma lesão de joelho era muito grave e ter que operar os dois é muito mais delicado. Então, foi uma fase difícil, tive depressão, precisei de ajuda"

Edu

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Centro de Valorização da Vida

Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida) e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

Walmir Cirne/AGIF

Um único pedido aos céus

A partir do diagnóstico, Edu temeu não conseguir voltar a andar direito. Sentia que talvez não pudesse mais jogar bola. Muitos sentimentos negativos tomaram a cabeça do atacante, que mergulhou na depressão e contemplou o suicídio.

Foi um período grave, sombrio. Mas hoje Edu olha para trás e joga luz sobre o que enfrentou. Ele fala com clareza e segurança sobre a saúde mental —tema que ainda parece um tabu no meio do futebol. Por conta própria, buscou ajuda de um psicólogo em Brusque. Aos poucos, conseguiu realinhar o pensamento e deu continuidade ao tratamento da lesão.

Em meio ao tratamento da lesão e da mente, o atacante se apegou à fé e, ao fazer suas orações, tinha apenas um pedido: ter a oportunidade de voltar aos gramados, mesmo que não fosse para fazer sucesso. Edu queria apenas jogar, sem projeções de futuro, fama, dinheiro ou qualquer outro ponto almejado anteriormente na carreira.

Os dias passaram, fiz minha cirurgia. No primeiro e no segundo mês, a vontade de desistir era grande porque eu sentia muita dor. Eu sofri muito, quis antecipar as coisas. A gente é muito ansioso. A gente quer as coisas no nosso tempo"

Edu

Tive que aprender na pele que não é assim. A única coisa que eu pedi a Deus é que me permitisse jogar bola de novo. Não me vejo sem o futebol, não me vejo sem minha rotina de treino, viagem e jogo. Sou muito apaixonado pelo que eu faço"

Edu

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Vida de aluno, vida de balada, vida de jogador

Sobre desistir do futebol? Na infância e adolescência de Edu, a carreira nunca foi dada como certa, ainda mais vivendo na comunidade do Jardim Miriambi, em São Gonçalo, mas também pela preocupação da família para que avançasse nos estudos. Peguem o primeiro contato dele com o esporte de modo um pouco mais sério, por exemplo. Quando tinha de nove para dez anos de idade, foi fazer um teste no Flamengo e passou. "Fiquei durante alguns meses, mas estava mal na escola, minha mãe acabou me tirando. Eu não pude ir mais para o Flamengo, minha mãe me proibiu".

Próxima parada? Vasco, desde que o boletim escolar também andasse bem. "Melhorei na escola e também passei no Vasco. Fiquei lá por quase cinco anos. Até me mudar para o Botafogo".

Não só melhorou na escola, como, ao concluir o Ensino Médio, Edu decidiu ir para a faculdade. Começou a estudar Educação Física, mas se viu obrigado a trancar a matrícula, devido às andanças da carreira. Na sua cabeça, o plano é terminar o curso quando possível e tentar virar treinador.

Mas, voltemos aos gigantes do Rio de Janeiro, Edu: por que as coisas não aconteceram nesses clubes?

"Foi por minha cabeça. Não tinha a maturidade que tenho hoje, não me cuidava o suficiente para estar em um clube de alto nível. Tinha muito resultado em campo, mas, infelizmente, deixava muito a desejar fora. E a gente sabe que hoje, se você não se cuidar, acaba ficando para trás. Isso que me atrapalhou muito: situação de bebida, de balada, de deslumbrar, de achar que eu já tinha chegado no auge."

Eu vim da favela, de uma região muito sofrida. Já perdi muitos amigos para o crime. Graças a Deus eu nunca me envolvi com esse tipo de situação. Eu sempre vivi muito próximo: era na frente da minha casa, do lado, no campo que jogava bola, amigos que estavam comigo no dia a dia. E eu fui perdendo muito amigo. Mas nunca foi uma opção para minha vida, nunca quis viver aquilo ali. Eu sempre joguei bola, desde novinho. Infelizmente eu perdi muitos amigos que jogavam bola, que tentaram ser jogadores e acabaram escolhendo outra vida."

Edu

Fernando Moreno/AGIF

O Imperador do Vale e sua tatuagem

Quando estava perto de voltar a jogar, Edu decidiu marcar na pele o carinho mútuo da relação com o torcedor do Brusque. Em um clássico contra o Joinville, no ano anterior, pelo estadual, ao marcar um dos gols, Edu foi em direção às câmeras na hora de comemorar e disse: "Deve ser muito ruim morar no Vale e não ser Brusque". A frase deixou a torcida rival enfurecida.

"Aquilo virou uma frase provocativa. Falei em tom de brincadeira, mas virou uma marca. E, quando eu estava prestes a voltar a jogar, resolvi tatuar, para marcar aquele momento. Sem dúvidas o Brusque foi o clube que vivi mais intensamente, até pelo tempo em que eu fiquei lá"

Não só pela quantidade de gols, mas por suas características de força, imposição, a torcida do Brusque decidiu apelidar Edu de "Imperador do Vale", em referência ao ex-atacante do Flamengo e à região onde a cidade se localiza — o chamado "Vale Europeu". Brusque está a pouco mais de 100 km de estrada no caminho de Florianópolis para Blumenau.

A brincadeira surgiu no jogo da Copa do Brasil de 2020, quando o Brusque eliminou o Sport: "O apelido surgiu nessa fase de ascensão. O clube estava muito bem. Eu já tinha feito gol na Recopa Catarinense, contra o Avaí, era artilheiro do estadual, vice-artilheiro do Brasil. Aí levaram um monte de plaquinha: 'Hoje tem gol do Imperador'. E eu fiz gol nesse jogo, e a gente eliminou o Sport. Viralizou o apelido".

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Malas prontas para BH: hora de se testar em um gigante

O fato de ter sido o artilheiro da Série B em 2021, com 17 gols, fez com que Edu despertasse interesse em outros clubes para a atual temporada. No entanto, nenhum chegou perto de instigá-lo como o Cruzeiro.

Quando foi anunciado, o Cruzeiro ainda estava sob o comando da gestão antiga. Poucos dias depois, Ronaldo comprou o clube, e muitas interrogações surgiram: afinal, vários reforços anunciados tiveram que rediscutir contratos. Edu confessa que a apreensão tomou conta: sentiu medo de o negócio não ir para frente. Porém, de forma tranquila e até mesmo rápida, tudo se resolveu.

"Quando chegou a proposta do Cruzeiro, estava disposto. Eu tenho um sonho muito grande de jogar a Série A. Quando ele falou do Cruzeiro, mesmo sabendo que está na Série B, aceitei na mesma hora porque sei da grandeza. Mas aí começaram a sair notícias sobre quem ia ficar, quem ia se apresentar. Fiquei desesperado durante uma semana", recorda, até receber um presente de Natal.

"No dia 25 de dezembro, meu empresário me ligou e disse que já tinha se reunido com a nova gestão do Cruzeiro e que estava tudo certo. Eu curti meu Natal e o Ano-Novo, mas estava muito ansioso para me apresentar. E, na segunda semana de clube, o Ronaldo apareceu."

Fernando Moreno/AGIF
Ronaldo, na arquibancada do URT, para ver Edu marcar contra a URT

De nove para nove, de uma lesão à outra

Ronaldo é obviamente uma das principais referências da posição para jogadores do mundo inteiro, e para Edu não poderia ser diferente. Ainda que rapidamente, o jogador teve seu primeiro contato com o Fenômeno na pré-temporada e pôde marcar seu primeiro gol com a camisa celeste também sob os olhares do dono do clube, que acompanhou a partida da estreia cruzeirense na temporada, diante da URT, no Independência, no fim de janeiro.

"Eu ainda não tive a oportunidade de conversar com ele por muito tempo, mas quero ter essa oportunidade um dia. Sou muito grato pelos comentários que ele faz sobre mim nas lives dele. Em 2002 eu estava na minha rua, pintando a rua, soltando bomba, torcendo pelo Brasil, acordando de madrugada para assistir aos jogos [da Copa do Mundo no Japão e na Coreia do Sul], e ele nos deu o título contra a Alemanha. E hoje eu estou aqui, do nada ele aparece, aperta minha mão, me dá bom dia, toma café no mesmo ambiente que eu, e é patrão do clube que eu trabalho", comemora Edu.

E o que Edu e Ronaldo podem ter em comum? No primeiro contato com o Fenômeno, Edu recebeu o carinho de quem sabe o que é enfrentar uma séria lesão e ter sua capacidade de retomada na carreira questionada, com cicatrizes.

A cena que não sai da minha cabeça foi quando ele entrou no clube o primeiro dia. Eu estava deitado na maca porque estava com a lombar travada. Aquele dia eu não treinei. Ele viu minhas cicatrizes no joelho, passou a mão no meu joelho e disse: 'Essa é braba, né?'. Eu disse que sim. Aquela cena nunca mais vai sair da minha cabeça. Eu acho que na mente dele veio a lesão dele, de quando ele teve que enfrentar tudo aquilo. E a cirurgia de joelho da gravidade que a gente teve não é fácil de superar e muito menos voltar a jogar em alto nível"

Edu

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"O Cruzeiro é a grande chance da minha vida"

Durante a entrevista, Edu não se cansou de repetir a frase acima, em referência a esse início de trabalho na Toca da Raposa. Desde os primeiros jogos com a camisa celeste, o jogador demonstra uma intensidade não só em campo, mas na construção da relação com o torcedor do Cruzeiro.

"Além de ser uma grande chance para mim, é uma grande chance de mostrar para as pessoas como a gente é capaz de chegar onde sonha. Eu vim de um lugar muito sofrido, onde a primeira opção das crianças e adolescentes, infelizmente, é a proximidade com o tráfico."

Também me incomodavam muito os comentários das pessoas. Infelizmente, eu não tinha jogado ainda em um clube de grande expressão como o Cruzeiro. E eu tive sucesso no Brusque, e escutava todo dia: 'É jogador de time pequeno', 'quando chegar no Cruzeiro, não vai ser a mesma coisa'. Por isso digo tanto essa frase, de estar vivendo o grande sonho, a grande oportunidade da minha vida é por tudo que eu já passei para estar aqui e porque eu quero servir de inspiração e de motivação para outros jovens que querem estar aqui também."

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