Ameaças ao Hexa: Espanha

Com elenco jovem e vindo de uma revolução às pressas, Espanha quer surpreender na Copa de 2022

Thiago Arantes Colaboração para o UOL, em Barcelona Carlos Rodrigues - UEFA/UEFA via Getty Images

A revolução apressada

Quando a Espanha entrar em campo para enfrentar a Costa Rica, em 23 de novembro, o espectador menos atento ao futebol internacional levará um susto. Quem não acompanhou os espanhóis desde o Mundial da Rússia talvez se pergunte onde estão Piqué, Sergio Ramos, Iniesta, David Silva, Isco ou De Gea.

Os campeões de 2010 chegarão ao Qatar com uma seleção renovada. Mais do que isso, a equipe comandada por Luis Enrique tem os jovens como protagonistas. Pedri (19 anos) e Gavi (18) são titulares do meio-campo, Eric Garcia (21) comanda a defesa, e as últimas convocações tiveram Yeremi Pino (19) e Nico Williams (20) como surpresas.

A ideia do treinador e da comissão técnica era que houvesse um período de transição, e que os jovens fossem pouco a pouco ganhando espaço. Mas as boas atuações pelos clubes e na Eurocopa, em 2021, aceleraram o processo: os jogadores que deveriam liderar a equipe na Copa de 2026 já serão as estrelas no Qatar.

"Acho que a Espanha pode ser uma surpresa agradável. Ainda existem dúvidas sobre como esse grupo tão jovem vai reagir, porque há muitos jogadores jovens", afirma Marcos Senna, que disputou a Copa de 2006 e foi campeão da Eurocopa de 2008 pela seleção espanhola.

O brasileiro aprova o trabalho do técnico Luis Enrique e aposta em uma boa campanha dos espanhóis no Qatar. "Gosto muito do treinador. Ele lembra muito o Luis Aragonés [campeão da Eurocopa-08]. Acho que a Espanha vai chegar longe. Pra mim, é time de semifinal ou até de final".

"A Espanha é, acima de tudo, um time. Não tem grandes estrelas internacionais, mas é uma equipe bem formada e fiel à ideia do seu treinador. Acho que pode chegar longe. Não é favorita, mas pode fazer um bom papel", acrescenta Ferran Martínez, jornalista do Mundo Deportivo.

Desde que Luis Enrique voltou ao comando da seleção, em novembro de 2019, a Espanha disputou três competições - duas Ligas das Nações e a Eurocopa de 2021 - e chegou às semifinais em todas elas.

Carlos Rodrigues - UEFA/UEFA via Getty Images

Como joga a Espanha

Futebol à Espanhola: passe, posse e paciência

Passes curtos, posses de bola que parecem intermináveis, controle do centro do campo e paciência, muita paciência. Os jogadores mudaram, mas a seleção espanhola de 2022 bebe da mesma fonte das equipes que mudaram a história do país com os títulos da Eurocopa (2008 e 2012) e da Copa do Mundo de 2010.

"Luis Enrique conseguiu algo que é muito difícil: manter um padrão de jogo em uma seleção, mesmo com pouco tempo de treinamento. O time tem conceitos muito claros: saída de bola desde atrás, pressão no campo adversário, pontas abertos, laterais que jogam por dentro. A seleção é reconhecida por esta forma de jogar, parecida à de Vicente del Bosque e Luis Aragonés", analisa Lluis Carreras, ex-jogador do Barcelona e atualmente treinador e comentarista.

Durante praticamente todo o ciclo de preparação, a Espanha jogou num sistema 4-3-3. Os atacantes - tanto o centroavante quanto os dois pontas - são os "primeiros defensores" e voltam para ajudar os três meio-campistas. Nesta segunda linha, é provável que Luis Enrique aproveite o entrosamento do trio do Barcelona e utilize Busquets, Pedri e Gavi, todos especialistas no jogo de posse de bola que caracteriza a equipe. Rodri, do Manchester City, e Koke, do Atlético de Madri são outras opções do treinador.

Nas laterais, ainda há dúvidas sobre os veteranos Jordi Alba e Carvajal. Nas últimas partidas, foram testadas opções como José Gayà, o também veterano Cesar Azpilicueta e até Marcos Llorente, volante de origem, que já jogou como lateral-direito no Atlético de Madrid.

Outra característica da equipe é o uso intenso do goleiro nas saídas de bola. "Unai Simon foi uma ótima surpresa. Quando Luis Enrique apostou por ele, houve algumas dúvidas. Mas ele se adaptou muito bem ao jogo com os pés e tem ganhado confiança", explica Ferran Martínez. Na Eurocopa, Unai cometeu um erro grotesco contra a Croácia, ao não dominar um passe de Pedri que acabou em gol contra. Na mesma competição, conseguiu se redimir e ganhou o apoio de Luis Enrique para seguir como titular.

Ponto forte

Um comandante vencedor

A seleção espanhola de 2022 tem outra característica que a torna parecida com as gerações vencedoras das últimas décadas: a falta de um supercraque midiático. Quem procura por um jogador da grandeza de Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar ou Mbappé no elenco ficará frustrado.

"A estrela do time é o treinador. Luis Enrique é quem concentra o foco das atenções", afirma Lluis Carreras. Para o jornalista Ferran Martínez, a força do treinador sobre o elenco fica evidente ao analisar as convocações desde 2019. "Ele deu espaço para jogadores que muitas vezes estavam fora do radar", explica.

Algumas opções pouco comuns de Luis Enrique chamam a atenção à distância, mas fazem parte do plano de jogo do técnico. O centroavante Álvaro Morata, por exemplo, foi escolhido não apenas pelos gols, mas pela dedicação defensiva. Jordi Alba, que atualmente é apenas a terceira opção da lateral-esquerda no Barcelona, também deve ir ao Mundial porque ajuda na construção de jogadas, outro requisito básico para a posição no sistema de Luis Enrique.

A fidelidade dos jogadores ao técnico se explica por dois fatores principais. O primeiro é a confiança depositada em cada um deles: há jogadores sem tanto espaço nos clubes, mas que na seleção encontram um ambiente favorável, como Pablo Sarabia, reserva do PSG, ou Ferran Torres, que sofre para se firmar no Barcelona. O segundo fator, não menos importante, é o currículo de Luis Enrique - os títulos como jogador e treinador conferem ao comandante uma autoridade que poucos conseguem ter.

"Esse elenco sem uma grande estrela faz com que os jogadores se dediquem mais taticamente, e o Luis Enrique consegue gerenciar isso muito bem", explica Marcos Senna, lembrando que nas conquistas anteriores da Espanha a fórmula era semelhante. "O Iniesta em 2010 até mereceu ganhar a Bola de Ouro, mas era um jogador muito mais coletivo que outros craques da época".

"É interessante que os jogadores vindos da Real Sociedad, do Athletic, do Real Madrid ou do Atlético de Madrid gostam de jogar desta forma. Eles gostam desse DNA, mesmo que em seus clubes joguem de uma forma totalmente diferente", acrescenta Lluis Carreras. "Isso é um mérito enorme do treinador", conclui.

KAI PFAFFENBACH KAI PFAFFENBACH

Ponto fraco

Falta qualidade e experiência comando do ataque

Poucas seleções no mundo conseguem dominar tanto suas partidas quanto a Espanha. Com uma posse de bola quase sempre superior aos 65%, os espanhóis dão poucas chances para que os rivais possam atacar. Mas, mesmo com tamanho domínio, a equipe de Luis Enrique tem um problema grave no setor ofensivo.

"É uma seleção que cria muito, mas não faz tantos gols pelo número de chances que tem. Tem o controle do jogo, mas esse controle não se traduz em oportunidades de gol", analisa Lluis Carreras.

Os números corroboram essa preocupação. Nas últimas 4 partidas - três vitórias e um derrota - a seleção espanhola teve uma média de 70% de posse de bola, mas chutou menos de seis vezes a gol por partida (5,75). Os rivais, mesmo tendo menos a bola, chutaram 6 vezes a gol, em média.

O trio que deve começar jogando no Qatar também preocupa por outro motivo: a falta de minutos de jogo em seus clubes. Morata é titular do Atlético de Madrid, mas Pablo Sarabia e Ferran Torres são reservas no PSG e no Barcelona. Outras opções para o setor, como Marco Asensio (Real Madrid) e Ansu Fati (Barcelona) passam pelo mesmo problema.

Nos torneios em que construiu sua fama internacional nos últimos anos, a Espanha contava com atacantes de primeiro nível do futebol mundial, como Fernando Torres e David Villa. No Qatar, a história será diferente.

Carlos Rodrigues - UEFA/UEFA via Getty Images Carlos Rodrigues - UEFA/UEFA via Getty Images
NurPhoto/NurPhoto via Getty Images

O craque

Pedri (Barcelona)

Pedro González López tem apenas 19 anos, mas é o dono do meio-campo no Barcelona e na seleção espanhola. Aclamado por sua qualidade técnica, pela leitura tática e pela postura que o faz parecer um veterano, ele convive desde cedo com uma enxurrada de elogios e comparações.

"Não há talento maior no mundo", já disse Xavi, treinador do fenômeno no Barcelona e profundo conhecedor da posição em que Pedri conquista cada vez mais espaço no futebol europeu. O talento do jovem de Tenerife já rendeu comparações com Andrés Iniesta, herói do único título mundial da Espanha e considerado por muitos o melhor jogador da história do país.

A comparação não vem apenas dos torcedores e dos setores mais apaixonados da imprensa. Dani Alves, que jogou com o espanhol no Barcelona, engrossa o coro. "Ele é um veterano no corpo de um jovem. A calma e a inteligência com que ele joga? É uma mistura de Iniesta e Zidane: a elegância, os passes, a condução de bola. Não gosto de comparações, mas vejo ele jogando e tem elementos desses dois jogadores".

Para Lluis Carreras, Pedri tem um conjunto de virtudes que o transforma em um jogador completo. "Ele entende muito bem todos os conceitos do jogo, tanto ofensivos quanto defensivos. Fala-se muito da qualidade dele com a bola o pé, mas ele também é um dos jogadores que mais desarma na seleção. Ele joga bem com os dois pés, tem chegada no ataque, faz gols? Ele já é uma realidade. O futuro é dele".

Octavio Passos/Getty Images

Promessa

Nico Williams (Athletic)

Um furacão surgiu no futebol espanhol às portas da Copa do Mundo. Aos 20 anos, Nico Williams deixou de ser "o irmão de Iñaki Williams" para se tornar uma das esperanças de que o ataque da seleção espanhola possa finalmente funcionar bem. O jogador do Athletic Club só foi convocado pela primeira vez em setembro, mas já encantou.

"É um jogador ousado, corajoso, que quer conquistar o mundo. Ele vai pra cima, encara os adversários e pode criar jogadas com os atacantes ou aproveitar-se dos espaços que Morata pode criar", afirma Toni Padilla, comentarista da Movistar.

Quando Nico foi chamado pela primeira vez, parte da imprensa disse que a convocação era apenas para "garantir" que ele serviria à seleção espanhola -o irmão mais velho, Iñaki, aceitou a convocação para a seleção de Gana, país em que a família viveu antes de chegar à Espanha. Bastaram 44 minutos -27 contra a Suíça e 17 contra Portugal- para se tornar uma peça importante no sistema ofensivo.

"Ele está em ótima forma, ao contrário de outros da mesma posição, como Ferran Torres, Sarabia ou Dani Olmo. Nico dá uma eletricidade incrível para o ataque e este ano começou a marcar mais gols. A Espanha precisa desses gols", conclui Padilla.

Na atual temporada, Nico disputou 9 partidas com o Athletic Club, com 3 gols marcados e 2 assistências. As 5 participações em gols já superam as 4 que ele conseguiu em 40 jogos durante toda a temporada 2021/22.

PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP

O que a Espanha pensa do Brasil?

Por Mario Cortegana, repórter do Marca

"A seleção brasileira chega como maior favorita para conquistar a Copa do Mundo no Qatar. Na Espanha, parte da imprensa e dos torcedores ainda têm algumas dúvidas, mas elas ficam sempre no clichê de "será que vão jogar coletivamente com tantos craques"? Como alguém que acompanhou os últimos amistosos, eu posso dizer: o clima entre os jogadores é extraordinário.

O Brasil chega ao Mundial em um momento muito positivo, tanto pelos resultado quanto pela qualidade do futebol, e isso é fruto de um grande trabalho de Tite e sua comissão técnica. Estatisticamente, não há muito o que dizer: os números falam por si. Além disso, há uma variação tática interessante: na última Data Fifa, foram testados dois sistemas, um deles com um superataque, e isso foi muito comentado.

O ponto forte desta seleção brasileira é a quantidade de jogadores que, além de serem muito bons, já passaram por situações de exigência máxima. Por exemplo: se o Brasil jogar com Alisson; Militão, Thiago Silva, Marquinhos e Telles; Bruno Guimarães e Casemiro; Raphinha, Neymar, Vinícius e Richarlison, esse time tem sete jogadores que disputaram finais de Champions League. E no banco ainda tem vários jogadores do mais alto nível, como Rodrygo por exemplo.

O único setor em que a seleção brasileira é mais fraca é nas laterais. Na esquerda, nenhuma das opções me convence, e acho que Tite poderia ter dado uma chance a Caio Henrique (do Mônaco). Na direita, o possível titular será Danilo, mas Militão mostrou em Le Havre (contra Gana) que pode fazer bem essa função.

Apesar desta fragilidade, o Brasil chega à Copa como maior favorito. A França é a única que chega em um nível parecido, mas deve perder jogadores por problemas físicos, e Mbappé parece estar pouco focado. Em um segundo nível, estariam Argentina, Portugal, Inglaterra e a Espanha, que tem um ótimo técnico e um elenco que tem se mostrado muito competitivo nas últimas competições e eliminatórias".

Lucas Figueiredo/CBF Lucas Figueiredo/CBF

+ Copa

NurPhoto/NurPhoto via Getty Images

Ameaças ao Hexa: França

França chegará ao Qatar como favorita, mas enfrenta turbulência dentro e fora de campo

Ler mais
Cesar Greco/SE Palmeiras

Weverton

"Por que sempre que volto ao Acre eu treino na lama? É para não esquecer de onde vim', diz o goleiro, a 3 meses da Copa.

Ler mais
Craig Mercer/Getty Images

Raphinha

"Perninha rápida" de Tite recusou caminho errado na infância e pediu comida na rua por sonhos no futebol e hoje joga no Barça.

Ler mais
Topo