A carta de Felipe Melo

Volante escreve à torcida do Palmeiras antes da final: 'se for sair, que seja bicampeão da Libertadores'

Felipe Melo Em depoimento a Diego Iwata Lima, do UOL, em Montevidéu (URU) ALEX SILVA/ESTADÃO CONTEÚDO

Quando eu era criança, a única coisa que eu sabia do Palmeiras é que era um clube muito grande. Eu já sabia que era um gigante. Mas nunca tinha passado pela minha cabeça jogar no Palmeiras. Era uma questão regional. Sou do Rio, meu sonho na época era jogar no clube que me formou. E jogar depois na Europa.

Claro que o tempo vai passando e você vai entendendo. Depois, quando me tornei profissional, joguei contra o Palmeiras no estádio antigo. Eu me lembrava da época da Parmalat. Daquele jogo histórico em que o Palmeiras perdeu para o Vasco com três gols do Romário na final da Mercosul. Assim como também me marcou a própria final da Libertadores de 1999. Mas jogar no Palmeiras não era algo que eu tinha como plano, não.

Quando surgiu a oportunidade de jogar no Palmeiras, eu já sabia o que era o Palmeiras. Já sabia o que eu ia encontrar.

Mas eu não sabia que o Palmeiras gerava tanta... Acho que má vontade. Eu vejo que há uma má-fé muito grande quando se fala de Palmeiras.

O Palmeiras joga bem e ganha, dizem que o Palmeiras teve sorte. O Palmeiras ganha a Libertadores, e falam que é a pior final da história. Existe uma má vontade muito grande para falar do Palmeiras. Entendo assim. E com alguns jogadores também é assim. Eu estou no clube certo.

E a verdade é que eu estou cagando para quem tem má vontade comigo ou fala mal de mim. Isso não é nem combustível para mim. Combustível para mim é minha família, meus filhos dentro da minha casa, Deus. Eu sempre pedia saúde a Deus para trabalhar. Com o que as pessoas falam ou deixam de falar, eu já me importei muito. Hoje, pouco me importa.

ALEX SILVA/ESTADÃO CONTEÚDO

"Ali tive certeza de que, se precisasse sair na mão pelo clube de novo, sairia"

Quando cheguei no Palmeiras, eu não amava o Palmeiras. Não tinha sentimento algum. Mas a partir do momento em que assino o contrato, já começo a gostar. É um sentimento por um clube abriu as portas para mim. Muito obrigado, muito obrigado sempre. Mas hoje posso dizer com todas as letras que amo o Palmeiras.

Eu tive problemas no Palmeiras também. Mas eu sempre fui sabedor e tive entendimento do meu potencial. Quando o Cuca me tirou do time, não saí por minha culpa. Eu não fui lá e fiz merda e acabei saindo, pelo contrário. O Cuca é um cara por quem tenho consideração, ele é um grande profissional. Não está no Atlético-MG por acaso, não é o maior técnico do Atlético por acaso.

Felipe Melo e Cuca - Jales Valquer/Fotoarena/Estadão Conteúdo - Jales Valquer/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Imagem: Jales Valquer/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Pelo lado positivo, fiquei cinco, seis jogos sem jogar. E quando voltei, ganhamos cinco ou seis seguidas. Desse momento ruim, eu acabei tirando algo positivo. Por que eu pensava que eu ainda podia ajudar o clube de alguma forma. E é o que vem acontecendo até hoje.

Eu não esperava que a torcida ia me receber daquele jeito quando voltei. Até então, nunca tinha ganhado título pelo Palmeiras. Na hora que me levanto do banco, o Pacaembu vem abaixo, as pessoas comemorando como se fosse gol. Aquilo que foi um marco. Ali tive certeza de que se precisasse sair na mão pelo clube de novo, eu sairia. Porque vi que era querido pelo torcedor, e isso faz muita diferença quando você vai para campo.

REUTERS/Andres Stapff REUTERS/Andres Stapff

"Foi um erro muito grande, grotesco, da minha parte"

Daquela questão com o Peñarol, eu, primeiro de tudo, me lembro com muitos detalhes, foi um erro muito grande, grotesco, da minha parte. Fui mal-interpretado, mas isso só aconteceu porque eu me expressei mal, poderia ter falado de outra forma. Mas eu não iniciei briga. E eles usaram aquela declaração minha como já usaram com outros clubes.

[Nota da edição: em sua apresentação ao Palmeiras, Felipe Melo disse: "Se tiver de dar tapa na cara de uruguaio, vou dar".]

Porque estava tudo bonitinho enquanto eles ganhavam de 2 a 0. Mas quando a gente virou, vinha um "macaco" de lá, "macaquito" de cá. Eu sou ser humano, tenho filho. Não vou ficar tomando tapa na cara, não. Ali, eu tive de me defender. Eu não gosto de me lembrar desse dia, lembro com muito pesar.

[Nota da edição: na partida em Montevidéu, com ambiente conturbado, o meio-campista foi perseguido por uruguaios no gramado ao final da partida e acertou um soco em Matías Mier. Houve uma confusão generalizada dentro e fora de campo.]

Muitas pessoas se espelham em mim e não é isso que queremos passar. O mundo já vive uma guerra muito grande. Mas ali eu tive que me defender. E, nesse caso, jamais pensaria duas vezes em fazer de novo.

Briga Peñarol x Palmeiras - REUTERS/Andres Stapff - REUTERS/Andres Stapff
Imagem: REUTERS/Andres Stapff

"Vai chegando a idade, e a gente vai amadurecendo"

Vai chegando a idade, e a gente vai amadurecendo. Nunca é tarde para melhorar e amadurecer, tem gente que amadurece mais tarde, ou cedo. Eu entendo que amadureci no momento certo. Eu sigo um Deus que é o Senhor do tempo. Ele sabe qual é o momento, e o momento certo chegou para mim.

As pessoas que dizem que estou no meu melhor momento técnico ou físico são pessoas que não entendem bulhufas de futebol. Eu sempre tive uma regularidade muito grande na carreira, sobretudo no Palmeiras. Avaliam muito o resultado.

Fala-se que joguei muito bem contra o Atlético-MG na Libertadores. E eu já fiz muitas partidas muito melhores em campo do que essa. No jogo contra o Atlético, eu jogo pouco, tenho que marcar, fazer leitura de jogo. Até correr eu corro pouco, porque tenho que estar bem posicionado.

E essas mesmas pessoas falam que eu fiz uma das melhores partidas no Palmeiras contra o Atlético são as que falam: "O Felipe não consegue mais correr".

É por isso que eu não ligo se as pessoas falam mal ou bem de mim. Porque sei quando eu vou bem ou mal. E poucas vezes vou mal. Assim como poucas vezes sou nota 10.

Kely Pereira/AGIF  Kely Pereira/AGIF

"Eu sou o capitão e faço questão disso"

Quando a gente joga a final da Libertadores, quando acaba o jogo, eu vou lá e levanto o troféu junto com o Gómez. E eu vi tanta gente falar tanta besteira, como pode ter dois capitães, coisas assim.

Eu vi o Flamengo ser campeão de tudo com três capitães, e acharam a coisa mais linda do mundo. Não sei se vou jogar a final, se vou estar bem para isso. Mas não tenho dúvida alguma de que se Deus nos abençoar com uma conquista, estarei lá com a faixa de capitão para levantar a taça. Porque o capitão não é só aquele que entra para jogar. Eu sou capitão porque faço muitas coisas.

Quando perdemos para o São Paulo no Paulista, tivemos um problema e eu fui para o vestiário. E começaram com aquilo: "Como é que pode isso, ele não pegou taça..."

Eu nunca vi capitão levantar ou buscar taça de vice. O capitão do Santos levou uma taça ao perder a Libertadores? E o capitão do Grêmio, quando perdeu a Copa do Brasil? Eu não vi. Eu nem sabia que ia ter taça de segundo lugar.

E isso virou um pandemônio. Então, já para as pessoas entenderem, eu espero jogar, ajudar em campo. Mas se não acontecer e vencermos, estarei lá levantando o troféu, podem ter certeza. E com a faixa de capitão, porque eu sou o capitão e faço questão disso.

Ricardo Moraes/Getty Images Ricardo Moraes/Getty Images

"E se eu tiver que sair do Palmeiras, que eu saia bicampeão da Libertadores"

É muito simples: o torcedor que não acredita no próprio time pode procurar outro. Não tem mais nada para falar. Se o torcedor do Palmeiras não acredita que o atual campeão da Libertadores pode se tornar bicampeão da Libertadores, eu convido, de repente, a torcer para outro time.

Eu não estava aqui, mas pelo que se fala, em 2015, o Santos era o grande favorito. E quem ganhou? Essa final é um jogo só. O Flamengo tem um ótimo time? Para mim, tem um dos três melhores das Américas e com grande diferença para os demais. Mas que o torcedor tenha uma certeza: nós vamos dar a vida dentro de campo, e tudo pode acontecer.

Eu só estou pensando nesse troféu, não estou pensando nos próximos anos. O que quero é viver esse momento em que posso me tornar bicampeão da América. Em um ano só, levantar esse troféu duas vezes para esse clube maravilhoso que é o Palmeiras.

O que sei é que vou jogar mais dois anos de futebol. E se eu tiver que sair do Palmeiras, que eu saia bicampeão da Libertadores. Esse é o meu foco.

[Nota da edição: o contrato de Felipe Melo com o Palmeiras vence ao final da temporada.]

Pedro H. Tesch/AGIF Pedro H. Tesch/AGIF
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