Sou maior do que o meu erro

Andreas Pereira fala como se recuperou após a final da Libertadores: 'Hoje, me sinto mais completo'

Thiago Arantes Colaboração para o UOL, em Londres (Inglaterra) Robbie Jay Barratt - AMA/Getty Images

Na primeira vez que vi o lance, eu estava sozinho.

A primeira coisa que pensei foi que dava pra ter feito diferente. É fácil falar vendo o vídeo. Ali, no jogo, talvez eu estivesse cansado, talvez não devesse ter arriscado ali. Mas é uma bola que... Eu assisti o jogo inteiro, e fiz a mesma coisa três ou quatro vezes, driblando os caras ali na frente.

Talvez se tivesse acontecido com outro jogador, ele não ia conseguir se recuperar, ia se sentir mal, não ia jogar mais. Eu consegui superar. Então, se é pra ter acontecido com alguém, que seja comigo. Eu levo a culpa, tranquilo.

Robbie Jay Barratt - AMA/Getty Images

O erro na final da Libertadores

A decisão da Copa Libertadores de 2021, entre Palmeiras e Flamengo, estava empatada em 1 a 1 quando, já na prorrogação, Andreas Pereira recebeu um passe de David Luiz. Cansado após 90 minutos de um jogo tenso, quatro minutos dentro da prorrogação, o meia não completou um movimento de passe e perdeu a bola.

O gol aconteceu logo em seguida e definiu o título do clube paulista.

Andreas, que estava emprestado pelo Manchester United ao Flamengo, ainda jogou mais sete meses no Flamengo antes de voltar para a Europa. Este relato, em suas palavras, mostra como ele se recuperou.

Nick Potts - PA Images/PA Images via Getty Images

Hoje estou no melhor momento da minha carreira. Dentro e fora de campo. Estou me sentindo bem, à vontade. Isso vem do trabalho que faço há alguns anos, do que fiz no Flamengo. Hoje, eu me sinto mais completo como jogador."

Andreas Pereira, meia do Fulham, ex-Flamengo.

Jorge Rodrigues/AGIF Jorge Rodrigues/AGIF

Treinar para deixar a cabeça leve

Um mês depois da final da Libertadores, eu virei a chave. Eu estava de férias em Londrina com a minha família, e a gente conversava sempre. Eles falavam que não tinha jeito de mudar o que aconteceu, que não dava pra ficar triste e pensando naquilo o tempo todo. Eu precisava dar a volta por cima. Eu sou maior do que o erro que aconteceu.

Meu pai percebeu que eu ainda estava pensando muito naquilo e falou: "Vamos treinar, vamos deixar sua cabeça leve pra não ficar pensando tanto". Todo dia eu saía para treinar, correr, jogar futevôlei, fazer treino com bola. Treinei igual um cavalo. Pensei: vou voltar melhor do que nunca. Eu queria mostrar para o time que queria estar com eles, que queria vencer. Eu queria ser o exemplo. E eu fui!

Quando cheguei no Flamengo para a pré-temporada, eu bati todos os recordes de preparo físico. O David Luiz me usou como exemplo. Ele disse que eu, que deveria ser o mais abalado de todos, voltei mais forte e bem preparado. Virei um modelo para os outros jogadores.

Jorge Rodrigues/AGIF

Adaptação ao Carioca é mais difícil que à Premier League

O corpo estava bem, mas no resto do dia, em casa, eu ainda ficava pensando. Foi nessa volta ao Rio que eu passei a conversar com o Lulinha Tavares, um mental coach que trabalha com vários jogadores. Ele foi fundamental para colocar a minha cabeça no lugar, zerar: "O que passou, passou".

Daí veio o Campeonato Carioca, e foi a adaptação mais difícil que eu tive na carreira. Mais difícil do que jogar na Premier League. Os campos são muito ruins, é um estilo de futebol totalmente diferente... E a gente não jogou no Maracanã, então foi mais complicado. Jogar às 15h em Madureira é difícil. E a torcida ainda pegando no pé, que é normal.

Foi a época mais difícil, o desafio foi grande... mas minha cabeça já estava determinada que eu ia passar por aquilo tudo. E eu estava pronto.

Alexandre Loureiro/Getty Images

Com Paulo Sousa, não deu clique

Foram meses difíceis. O Paulo Sousa é um ótimo profissional, mas minhas ideias de futebol não batiam com as dele. Não deu aquele "clique". Eu já não podia fazer o que queria em campo. Tive que começar a fazer coisas que não sabia, ou que não era tão bom em fazer. Eu saía da minha zona de conforto para agradar ao treinador, mas não jogava meu melhor futebol. Era um conflito comigo mesmo.

Decidi falar com ele. Disse que não me sentia à vontade para jogar daquele jeito. Ele entendeu meu lado. Também falava com o David Luiz todos os dias, ele foi um paizão para mim. Ele me dizia: "Tenta fazer algumas coisas do seu jeito, mas aceita". Eu tentava, mas estava fazendo coisas que não sabia fazer. Não estava me sentindo bem.

Eu sou um segundo volante que gosta de avançar com a bola, criar chances. Minha função era deixar o De Arrascaeta e o Everton Ribeiro mais livres, para eles criarem chances de gol. Não sou um meio-campista que domina e toca, que só faz o simples, que defende. Eu sou mais criativo. Ele tirava um pouco dessa criatividade de mim.

Daí comecei a jogar algumas partidas e decidi que ia fazer o que eu sei, do meu jeito. Isso foi no jogo contra o Fluminense. Eu me senti bem em campo. Mas era tarde demais. Ele saiu logo depois.

Buda Mendes/Getty Images Buda Mendes/Getty Images

"Você sabe jogar bola, sabe o que tem de fazer"

Quando o Dorival chegou, eu me perguntava como seria. Não o conhecia. Perguntei para o Gabigol: "Fica tranquilo, Andreas. Agora você vai jogar bem de novo. Você vai se sentir bem, ele deixa todo mundo bem, todo mundo leve, o grupo fica feliz".

Antes do primeiro jogo, contra o Internacional, o Dorival veio falar comigo no hotel. "Andreas, não se preocupe, não vou pedir nada pra você. Você sabe jogar bola, você sabe o que tem que fazer". Ali, saiu um peso das minhas costas, fiquei leve na hora. Liguei pros meus pais: "Acho que agora vai encaixar o time". A gente perdeu aquele jogo, mas eu fiz um gol e me senti totalmente diferente.

Eu estava me sentindo muito bem com o Dorival. Gostaria muito de ter continuado e acabado o ano com ele. Mas ele chegou no final do meu empréstimo e ficou mais difícil negociar com o Manchester United pra ficar no Flamengo. Foi nessa época que o Marco Silva apareceu e me mostrou o projeto do Fulham.

Alex Pantling/Getty Images Alex Pantling/Getty Images

"Andreas, vem pra cá. Eu preciso de você"

Ele me ligou duas ou três vezes. Na segunda vez, falou assim: "Andreas, vem pra cá. Eu preciso de você". E explicou como queria que o time jogasse. Era exatamente o que eu penso sobre futebol. Foi uma coisa incrível. Eu estava com o coração dividido, porque gostava de morar no Rio, gostava do clube, das pessoas, queria acabar o ano, o time estava voando...

Mas era uma oportunidade de jogar na Premier League, o maior campeonato do mundo. Seria uma chance de dar a volta por cima na Europa. Então aceitei o desafio.

Mesmo de longe, eu ainda me sentia parte do grupo do Flamengo. Falava com eles todos os dias, falava com o Dorival. A gente estava sempre em contato. Durante a Copa do Mundo, eu estive no Brasil e mandaram as medalhas da Copa do Brasil e da Libertadores. Fiquei muito feliz.

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"Um dia eu vou voltar para o Mengão"

Hoje, no Fulham, eu já tenho uma relação muito boa com a torcida. Eu percebo isso dentro de campo, sei que eles gostam quando eu peço pra se agitarem. É uma torcida diferente do Brasil, mas eu gosto muito. O que aconteceu nesses oito meses foi uma coisa inexplicável. É surreal. O Fulham está bem na Premier League, eu estou entre os líderes de assistências... Eu me preparei pra vir aqui, batalhar e fazer no segundo ano o que já estou fazendo no primeiro.

Tenho que agradecer a Deus e a todos que me ajudaram no Flamengo: o Renato, o Dorival, todo mundo. Jogar no Brasil foi um desafio grande. Fui pra lá com minha mulher grávida de 8 meses. Mas eu queria me conectar com o povo, com o país, ficar perto da minha família. Eu sempre tive essa vontade de jogar no Brasil. Quando me despedi, eu falei pro Dorival: "Um dia eu vou voltar pro Mengão".

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