Imagine a cena: superada por um centímetro em uma final olímpica, a russa Tatyana Lebedeva se recusa a aceitar o resultado. Pede a destituição dos árbitros, afirma que a régua que mediu o salto de sua adversária era fraudada, e que, aliás, a campeã nem sequer deveria estar competindo, porque já foi suspensa por doping. Cobra, então, que as forças de segurança do local impeçam que a vencedora ganhe a medalha de ouro para que ela, Tatyana, seja arbitrariamente declarada campeã. Pois foi exatamente isso que fez Maurren Maggi, a saltadora que, por um centímetro, superou a russa na final olímpica do salto em distância de Pequim-2008. Na quarta-feira passada, Maurren foi para frente de um quartel de Exército, em São Paulo, pedir uma "intervenção federal" no país. Sem nenhum argumento verdadeiro, passou a cobrar que a pessoa escolhida para presidir o país seja impedida de governar, pelo simples fato de que ela não aceita o resultado. Na política, Maurren é o que Tatyana é no esporte. A russa comprovadamente não soube competir dentro das quatro linhas. Não fez estardalhaço reclamando de resultados, mas, descobriu-se depois, competiu nos Jogos de Pequim dopada. Julgada, no ano passado perdeu duas medalhas de prata olímpicas, além de um segundo lugar do Mundial. Maurren tentou participar das eleições deste ano, pela terceira vez seguida, mas teve sua candidatura a deputada federal impugnada pela Justiça Eleitoral, pela falta de prestação de contas da eleição de 2018, quando concorreu ao Senado. Como recebeu somente pouco mais de 3 mil votos, não se elegeu independentemente da decisão do TSE. Mas foi quando Bolsonaro, para quem fez intensa campanha no segundo turno, perdeu a eleição, que ela radicalizou. A medalhista que escondeu que havia se aposentado só para continuar ganhando Bolsa Atleta passou a acusar Lula de ser "bandido". Na terça, foi ao Instagram para fazer campanha para que o perfil do Exército ganhe seguidores visando convencer as Forças Armadas a darem um golpe de estado. No dia seguinte, foi repetir esse discurso na porta dos militares. Maurren é má perdedora e, assim, mau exemplo para quem está começando no esporte. Mesmo assim, diante da sua relação umbilical com o bolsonarismo, foi escalada para ser embaixadora dos Jogos Escolares, que tiveram cerimônia de abertura na quinta-feira, no Rio. O evento teve quatro embaixadores, dos quais três têm no histórico condenação por doping: ela, Giba, que já foi suspenso por uso de maconha, e Rafaela Silva, que perdeu os Jogos de Tóquio por suspensão. Nem todas as condenações são justas (eu, pessoalmente, sou contra a proibição de maconha em esportes como o vôlei), todo mundo merece uma segunda chance, e ninguém pode ser resumido a um único momento de sua carreira (Rafaela é uma heroína do país). Mas três de quatro é demais. Que recado é passado aos jovens atletas quando o "ídolo" apresentado a eles é alguém que não sabe perder, alguém que burla as regras do esporte, ou que não paga pensão para os filhos (acusação que paira sobre Giba)? O esporte brasileiro é muito melhor que isso. PUBLICIDADE | | |