Punição a clubes que atrasam é ?pedagógica?, diz presidente de sindicato
Guilherme Costa
Do UOL, em São Paulo
02/06/2017 04h00
A Fenapaf (Federação Nacional de Atletas Profissionais de Futebol) foi responsável por uma denúncia que pode mudar drasticamente a gestão dos clubes brasileiros. Em outubro de 2016, apresentou notícia de infração ao STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) e acusou o Santa Cruz de inadimplência salarial com jogadores e outros funcionários. Na última quinta-feira (01), quase oito meses depois, o time pernambucano recebeu punição inédita em âmbito nacional: perdeu três pontos no Campeonato Brasileiro do ano passado e terá de pagar multa de R$ 30 mil. Foi uma grande vitória para a entidade que representa os jogadores, sobretudo por estabelecer jurisprudência no caso, mas eles não esperam que seja a primeira de muitas.
“Nós não temos interesse de que os clubes percam pontos. Não é interesse de nenhuma entidade de classe. O que esperamos com essas medidas é que sirvam como pedagogia para que eles entendam que não podem atrasar compromissos. O Náutico foi notificado pelo sindicato pernambucano e está realizando esforços para sanar compromissos com seus atletas – alguns de sete meses, até. Quando o sindicato notifica e o clube se compromete a cumprir, não precisamos agir. Se o Náutico está disponível e pagar os atrasados, para a gente é suficiente. Se eles não cumprirem, evidentemente, o caminho vai ser o mesmo”, disse Felipe Augusto Leite, presidente da Fenapaf, em entrevista ao UOL Esporte.
A punição esportiva para atrasos salariais é um mecanismo anunciado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) em 2015. Na época, a entidade que comanda a modalidade no país disse que retiraria três pontos por partida disputada dos clubes que acumulassem inadimplência igual ou superior a 30 dias, lógica que emulava um modelo adotado desde 2012 pela FPF (Federação Paulista de Futebol).
Desde então, contudo, não houve nenhuma punição relacionada a descumprimento de compromissos salariais. Todos os times notificados fizeram acordos ou sanaram as dívidas, o que impediu que as ações fossem adiante. No caso do Santa Cruz, pesou além do atraso o silêncio do clube.
“Quando apresentamos a denúncia houve uma confissão tácita, porque eles não apresentaram nenhum documento que comprovasse adimplência”, ponderou Leite.
Além da punição do STJD, o Santa Cruz pode sofrer sanções relacionadas ao Profut, plano de reestruturação de dívidas fiscais dos clubes brasileiros – a revisão dos déficits também tem um mecanismo que combate atrasos salariais.
No entanto, o que mais chama atenção no episódio é a punição esportiva. Num cenário em que times constantemente buscam brechas de legislação para mudar resultados esportivos, a possibilidade de sanção por atrasos salariais abre um precedente que pode levar a uma enxurrada de denúncias. Principalmente porque a Fenapaf tomou frente na interlocução com o STJD – até esse episódio, jogadores reclamavam da necessidade de reclamarem pessoalmente, o que, no entendimento deles, os expunha demais.
“A gente tem de apoiar a norma imposta a todos. Se você chegar e apostar que clubes vão usar inadimplência para denunciar, quem estiver infringindo a lei vai ter de perder pontos. O objetivo aqui é mudar o futebol brasileiro e impor profissionalismo. Clube que não paga salário e não paga suas obrigações não interessa para a Fenapaf. Isso não é posto de trabalho. Temos de mexer no calendário e ter mais clubes para os atletas, mas clubes sérios. Não dá para aceitar clube que só pague o atleta por dois meses”, disse o presidente da Fenapaf.
Depois do episódio Santa Cruz, a expectativa da entidade que representa os jogadores é que o STJD tenha mais celeridade para julgar casos de atrasos salariais. Segundo essa lógica, é possível que punições sejam definidas ainda com o Campeonato Brasileiro em vigor. A pena imposta ao time pernambucano não influenciou em nada a classificação do ano passado – eles já haviam sido rebaixados e não mudaram sequer a posição na tabela final.
“Falar que o Santa Cruz perdeu ponto no ano passado e isso não tem efeito algum é mero desconhecimento do que foi alcançado. Tem um sentido pedagógico. O torcedor leigo fica sem entender e até alguns atletas também ficam, mas estamos diante de um caso de ineditismo e possível reincidência. Sabemos hoje que o processo durou oito meses, mas isso não vai ocorrer mais. A própria imprensa vai cobrar e as instituições vão ser seguidas. É uma vitória”, finalizou Leite.