Na contramão das principais ligas, Brasil apela a técnicos "velhos" e marginaliza nova geração
José Ricardo Leite
Do Uol, em São Paulo
15/03/2012 06h01
Se juventude é sinônimo de modernidade no futebol, pode-se dizer então que o Brasil está internamente defasado de “professores” e teóricos, os técnicos, quando se comparado a outras potências do esporte.
Isso porque os principais clube do país, que integram a Série A do Campeonato Brasileiro, apostam em treinadores conservadores nesta temporada, o que faz com que os da nova geração estejam marginalizados.
Joel Santana (Flamengo) iniciou a carreira em 1981. Um ano depois, Luiz Felipe Scolari, do Palmeiras, começou a se aventurar nos bancos de reservas. No ano seguinte foi a vez de Vanderlei Luxemburgo, hoje no Grêmio e que há algumas semanas herdou a vaga de Caio Júnior, mais um desempregado da nova geração e que iniciou carreira mais de 20 anos depois de seu sucessor no clube gaúcho.
Abel Braga, do Fluminense (início da carreira em 85), Leão (87), do São Paulo, Waldemar Lemos (86), do Náutico, e Falcão (90), do Bahia, são outros exemplos de treinadores com pelo menos 20 anos de carreira que perambulam na elite nacional.
Apenas seis dos 20 clubes da Série A apostam em técnicos que surgiram pelo menos na última década. Dorival Júnior (Internacional), Gilson Kleina (Ponte Preta), Jorginho (Portuguesa), Branco (Figueirense), Mazola Júnior (Sport) e Marcelo Oliveira (Coritiba).
COMPARE O BRASIL COM OUTRAS LIGAS
País | Tempo médio de carreira do técnico | Nº de técnicos novatos |
Brasil | 16,05 | 6 |
Inglaterra | 15,95 | 8 |
Itália | 15,2 | 10 |
Espanha | 14,89 | 8 |
Argentina | 13,55 | 8 |
Alemanha | 12,9 | 11 |
Caio Júnior, Alexandre Gallo, Adilson Batista e Silas estão à procura de emprego. Já Antônio Carlos Zago perambula pela Série A 2 do Paulista com o Audax. Andrade, campeão brasileiro com o Flamengo em 2009, está no pequeno Boavista-RJ. Paulo César Gusmão vai disputar a Série B pelo Ceará.
Um dos nomes da nova geração "excluída", o ex-goleiro Zetti se cansou e resolveu de não receber chances na elite e encerrou a carreira. "Os dirigentes não querem reciclar. São poucos os que encaram a responsabilidade de segurar um treinador jovem e com ousadia. Aí não seguram a pressão da imprensa e demitem", falou.
"Minha carreira chegou a dar um salto grande, cheguei bem em finais de Estaduais. O que eu precisava fazer para estar na Série A? Aí comecei a me questionar e não queria ficar mais 20 anos fora da Série A e ficar na Série B provando que tinha condições. Tenho vários processos contra times da Série B que não pagam e cansei de gente que não tem proposta de trabalho."
O tempo médio de carreira dos técnicos da Série A do Nacional é de 16,05 anos, a maior se comparada às principais ligas do planeta. A Alemanha tem média de 12,9 anos e 11 treinadores em sua liga que surgiram pelo menos na última década (o Brasil tem só seis). A Espanha tem média de 14,9 e oito treinadores da nova geração. Até a vizinha Argentina está “mais moderna”, com média de 13,55 e oito técnicos novos.
Até Itália e Inglaterra, que tradicionalmente sempre tiveram treinadores mais conservadores, estão mais jovens do que o Brasil em suas ligas. A Itália tem na primeira divisão técnicos com média de 15,2 anos de carreira e dez novatos, e a Inglaterra, a mais próxima do Brasil, 15,95 de média, e com mais novatos, oito no total.
A diferença no tempo de carreira dos técnicos da Série A do Brasileiro até aumenta quando comparada aos dois principais modelos da profissão e os mais badalados do mundo; José Mourinho, do Real Madrid, e Pep Guardiola, do Barcelona.
O primeiro, bicampeão da Liga dos Campeões, tem 12 anos de carreira. Já o segundo, também bicampeão do continental europeu, começou em 2007, com apenas cinco. O tempo médio dos dois como comandantes é 8,5 anos, quase metade da média da Série A nacional.
Mas, de acordo com ex-treinador Zagallo, campeão com o mítico time brasileiro da Copa do Mundo de 1970, os brasileiros nada devem a esses grandes nomes e a exclusão dos novatos em nosso mercado não significa falta de qualidade ou defasagem técnica.
"O que acontece com o Brasil acontece em todo lugar. Se os antigos estão aí é porque mostraram eficiência. É uma coisa normal na vida de técnico. Tem que aproveitar a oportunidade. Eu vim do nada e acabei surgindo", falou.
"Não devemos nada a eles[Mourinho e Guardiola]. Temos condições e competência. Só não temos lá na Europa as mesmas oportunidades que dão para eles [europeus]. Não sei é por causa dá língua, mas não vai. É difícil o brasileiro se destacar lá."
TEMPO DE CARREIRA DOS TÉCNICOS DOS TIMES DA SÉRIE A
Clube | Técnico | Início de carreira | Tempo de carreira |
Atlético-MG | Cuca | 98 | 14 anos |
Bahia | Falcão | 90 | 22 |
Botafogo | Oswaldo Oliveira | 99 | 13 |
Corinthians | Tite | 90 | 22 |
Coritiba | Marcelo Oliveira | 2003 | 9 |
Cruzeiro | Vágner Mancini | 99 | 13 |
Figueirense | Branco | 2012 | Menos de um ano |
Flamengo | Joel Santana | 81 | 31 |
Fluminense | Abel Braga | 85 | 27 |
Grêmio | V. Luxemburgo | 83 | 29 |
Internacional | Dorival Júnior | 2003 | 9 |
Náutico | W. Lemos | 86 | 28 |
Palmeiras | Felipão | 82 | 30 |
Ponte Preta | Gilson Kleina | 2002 | 10 |
Portuguesa | Jorginho | 2007 | 5 |
Santos | Muricy Ramalho | 93 | 19 |
São Paulo | Emerson Leão | 87 | 25 |
Sport | Mazola Júnior | 2009 | 3 |
Vasco | Ricardo Gomes | 96 | 18 |