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F1 recebeu um choque de segurança após 94. Hoje, só fatalidade mata piloto

Livio Oricchio

Do UOL, em Ímola (ITA)

04/05/2014 06h00

Os 22 pilotos que vão iniciar sexta-feira os primeiros treinos livres do GP da Espanha, no Circuito da Catalunha, em Barcelona, sabem que há, obviamente, riscos em se deslocar a 300 km/h num automóvel. Mas têm consciência, também, que desde os acidentes de Ayrton Senna e Roland Ratzenbeger, no GP de San Marino de 1994, houve um aumento exponencial da segurança na F1. 

O principal engenheiro responsável pelo atual carro da Mercedes, desde já favorito, com Lewis Hamilton e Nico Rosberg, para vencer a corrida na Espanha, Aldo Costa, afirmou com exclusividade ao UOL Esporte, em Ímola, na Itália: "Para termos um novo acidente com morte na F1 é preciso uma fatalidade". Antes de falecer, em 2012, aos 84 anos, o doutor Sid Watkins, coordenador do programa de elevar a segurança na F1, disse: "A morte de Senna e Ratzenberger salvou muitas vidas".

Costa compareceu no Autódromo Enzo e Dino Ferrari, em Ímola, quinta-feira, onde 20 mil fãs de Senna lembraram, emocionados, os 20 anos da sua morte. Antes da passeata pela pista até a curva Tamburello, local do acidente às 14h17 do dia 1º de maio, houve um debate sobre segurança na F1. "Depois de 1994, várias medidas foram tomadas para assegurar maior proteção ao piloto. Uma prova da sua eficiência foi o acidente de Robert Kubica", comentou Costa com o UOL Esporte. O polonês bateu forte no GP do Canadá de 2007, com BMW.

"Basicamente construímos hoje um monocoque, ou como preferem uma célula de sobrevivência, praticamente indestrutível, enquanto tudo o que a cerca é projetado para se romper, a fim de absorver a energia do choque", explicou Costa. "No acidente de Kubica, as peças iam se destruindo a cada toque no muro ou guardrail, enquanto a célula de sobrevivência permaneceu íntegra, salvando sua vida."

Kubica reclamou bastante dos médicos da FIA que não o deixaram disputar a prova seguinte, em Indianápolis, uma semana mais tarde. "Eu não tenho nada. Posso passar pelo exame que desejarem", disse, irritado, o polonês, então com 22 anos. Correu no seu lugar um estreante, um jovem alemão de 19 anos, chamado Sebastian Vettel. Hoje, é o atual tetracampeão do mundo, pela Red Bull-Renault. Acabou na oitava colocação.

Metodologia científica

"A partir de 1994, a segurança começou a ser pensada como um todo. Passamos a estudar como tornar mais seguro o carro, os circuitos e como melhorar a eficiência do serviço de resgate ao piloto acidentado, bem como o atendimento médico", dizia Watkins.

A criação do Instituto da FIA para a Segurança dos Esportes a Motor, dirigido por Wakins, mudou a forma de pensar a segurança. O presidente da FIA, Max Mosley, comentou a esse respeito: "Antes do Instituto, as medidas para tornar o automobilismo mais seguro eram definidas apenas na base da experiência pessoal dos profissionais que as decidiam. Às vezes, funcionavam ao contrário, os riscos cresciam. Depois de criado o Instituto, toda e qualquer alteração nas regras representava o resultado de estudos profundos que garantiam a eficiência da medida".

Foi por isso que Bernie Ecclestone afirmou a esse respeito: "Deixamos de lado o empirismo para trabalhar com o cientificismo". 

Exemplos do que o Instituto aprovou para implantação na F1 depois de 1994: aumento das dimensões mínimas da célula de sobrevivência, para reduzir o estresse do piloto, mais áreas dessa célula de sobrevivência a serem submetidas a testes de resistência, a cada ano mais rigorosos, introdução de material capaz de absorver energia dos impactos nas laterais e atrás do habitáculo do piloto, ou cockpit, a fim de proteger a sua cabeça.

Mais: obrigação do uso de estruturas absorventes de choques na traseira e maior rigor na dianteira, cabo de aço para evitar de as rodas voarem, bico do carro mais baixo. E ainda, dentre outras novidades: o sistema Hans de proteção da coluna cervical do piloto, destinado a conter os movimentos bruscos do capacete para a frente, e uma espécie de caixa preta, semelhante à existente nas aeronaves, concebida para registrar o funcionamento de uma série de sistemas do carro. No caso de acidente se mostra valioso instrumento para esclarecer as causas.

Testes de resistência mais rigorosos

Na conversa com Costa, em Ímola, o técnico lembrou que a cada temporada os testes de resistência da célula de sobrevivência, ou como os engenheiros preferem, o monocoque, se tornam mais rigorosos. "Este ano está em vigor um teste que elevou ainda mais a resistência nos choques laterais". Os monocoques usam revestimento de um material à prova de bala, Zylon, a fim de evitar que componentes, a exemplo de braços da suspensão, os perfurem e atinjam o piloto. 

Esses testes de resistência foram os responsáveis, por exemplo, por Mark Webber, em 2010, decolar com seu Red Bull-Renault, a mais de 200 km/h, no GP da Europa, em Valência, aterrissar de ponta cabeça e não sofrer nada. A carga do impacto no asfalto foi absorvida pela barra anticapotagem, ou santantônio. 

No teste de resistência, um pistão hidráulico aplica nessa barra forças mais elevadas das que sofreria no mais severo dos acidentes. A peça deve suportar sem se romper. Essa elevada resistência não gerou nenhum ferimento em Webber, por suportar o peso do carro no choque no asfalto. 

"Meu único medo foi acertar uma árvore no meu voo. Sabia que se caísse na pista provavelmente não iria me ferir", comentou o australiano, demonstrando confiança na segurança de chamar a atenção.

Em Ímola, o ex-piloto Jarno Trulli também falou com o UOL Esporte sobre segurança. Em 2004, no GP da Grã-Bretanha, sofreu o acidente mais impressionante da sua longa carreira de 252 GPs e uma vitória, em Mônaco, em 2004, com Renault. Na saída da veloz curva Bridge, em Silverstone, seu carro derrapou de traseira, colidiu no guardrail e iniciou uma série de capotagens. 

"Eu não sofri absolutamente nada. Não tive uma única dor depois. Foi como se nada tivesse acontecido", disse, rindo, ao repórter do UOL Esporte. A não ser o motor e parte dos componentes da transmissão, nada foi reaproveitado do Renault, diante da sua destruição generalizada. "O monocoque estava intacto. Me salvou", afirmou Trulli.

Não é preciso entender da área técnica, lembrou Costa, para ver que os carros estão bem mais seguros que em 1994. "É só comparar uma foto do piloto no carro naquela época e hoje. Eles corriam com parte do ombro de fora da célula de sobrevivência, sua cabeça ficava bem mais alta, estava bem mais exposta. Atualmente o piloto está bem mais envolvido no cockpit."

Ainda há dois calcanhares de Aquiles

Sempre haverá, no entanto, o que fazer para tornar a F1 mais segura. "Duas áreas que ainda estudamos é a maior proteção para a cabeça do piloto, que permanece exposta, e a redução de no caso de toque com as rodas do adversário o carro decolar", explica Costa. "Medidas não foram adotadas, ainda, porque no caso do cockpit fechado há problemas com a visibilidade, mas as pesquisas prosseguem”.

Esteve em Ímola também um engenheiro que é a própria história da Ferrari, Mauro Forghieri, e o maior construtor de carros de corrida do mundo, Gianpaolo Dallara, com veículos em muitas categorias. Os carros de Forghieri para a Ferrari venceram os campeonatos de 1964, com John Surtees, 1975 e 1977, Niki Lauda, e 1979, Jody Scheckter, além de oito títulos de construtores.

Forghieri falava com o UOL Esporte enquanto ria: "Pouco se fala que os métodos de projetar um carro, hoje, permitem que o engenheiro simule, com precisão, as forças que vão atuar nos componentes. E a partir daí concebê-lo sabendo quanto tem de suportar". E afirma, com energia nas palavras: "É por isso que apesar de todas as mudanças radicais no regulamento, este ano, tivemos alguns abandonos na Austrália e na última etapa, na China, apenas duas. Como estamos apenas na quarta corrida da temporada, vamos terminar o ano sem quebras também, como era no ano passado”.

Essa maior resistência dos componentes dos carros, permitida pela introdução da informática nas técnicas de projeção, são responsáveis não apenas pela maior longevidade das peças. "Mas principalmente pela elevação significativa da segurança, por quase não mais haver quebras", complementa Forghieri.

"No nosso tempo nós tínhamos uma ideia, apenas, das forças que atuavam nas peças. E precisávamos confiar na nossa intuição e experiência."

Segurança ativa também cresceu muito

Todas essas iniciativas de melhorar o carro compõem o conjunto da segurança passiva da F1. Na área da segurança ativa o progresso foi igualmente enorme. "Desde 2000, todos os pilotos utilizam um sistema único de banco, padronizado pelo Instituto", dizia Watkins. "E todas as equipes de resgate, no mundo todo, receberam treinamento para padronizar o serviço de retirada de um piloto acidentado. Na quinta-feira de cada GP, realizamos sempre o mesmo simulado para verificar se aquela equipe continua apta ao serviço".

Se o piloto não tem uma deficiência respiratória ou não há sinais de uma hemorragia importante, ele é imobilizado dentro do cockpit antes da extração. "É uma forma de garantir a integridade de sua coluna cervical, por exemplo, e os tecidos nervosos que poderiam lhe gerar sequelas para o resto da vida", explicava Watkins, cuja especialidade era a neurocirurgia.

O renomado médico brasileiro Dino Altmann, diretor médico do GP do Brasil e membro do quadro da FIA, diz ser muito importante, da mesma forma, a integração da equipe de assistência na pista com os médicos do hospital do autódromo. "E até mesmo a comunicação com o grupo de plantão no hospital no caso de transporte do acidentado por helicóptero. Antes de o piloto chegar lá, os médicos já são informados do quadro do paciente e o tratamento que já foi iniciado."

Autódromos, quem te viu, quem te vê

Uma viagem pelos autódromos do calendário de 2014 e os de 1994 provocaria um choque do observador. "As diferenças são grandes", disse ao UOL Esporte, no Bahrein, o delegado de segurança da FIA desde 1995, o inglês Charlie Whiting. "A maior diferença, contudo, está na área de escape das curvas. Antes de haver um impacto nos muros ou grades de proteção os pilotos dispõem de largas áreas para reduzir a velocidade."

Falou mais: "Mudamos em muitos casos a brita na área de escape por asfalto, para permitir que o piloto consiga frear, não danificar o carro e regressar à competição”.

Os circuitos da última geração foram projetados levando em conta os conceitos mais modernos de segurança. Representam 50% das pistas do Mundial: Sepang, na Malásia; Sakhir, Bahrein; Xangai, China; Red Bull Ring, Áustria; Silverstone, Grã-Bretanha; Hockenheim, Alemanha; Sochi, Russia; Das Américas, em Austin, Estados Unidos; e Yas Marina, Abu Dabi. 

Ficou mais fácil, agora, entender a razão de os pilotos sentirem-se seguros nos seus carros. Embora, conscientes de que fatalidades, apesar de raras, acontecem.

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