Qual o papel de uma Kombi na vida de um dos melhores atletas do Brasil?
Rubens Lisboa
Colaboração para o UOL, em São Paulo
24/04/2019 04h00
Há sete anos, seu Moacir Romani dirigia um ônibus de sua empresa de turismo levando idosos para uma excursão quando uma carreta colidiu com o veículo na rodovia Erechim-Concórdia (BR-153). Moacir morreu no local. Darlan Romani, um dos maiores nomes do atletismo brasileiro atualmente, perdeu o pai, mas não o esqueceu.
Mesmo com 1,88m e 155kg, ele se espreme atrás do volante de uma Kombi 1974 que comprou após o acidente. Quem olha para o veículo com Darlan lá dentro questiona como alguém tão grande consegue dirigir o veículo.
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Mas não importa. A Kombi, que Darlan chama de seu xodozinho, é do mesmo modelo que o pai usava.
A ideia era reformar o veículo e deixá-la igual à do pai. Ainda não conseguiu. "Fiz a parte mecânica e ando com ela para cima e para baixo feliz da vida. É uma forma de homenagear o meu pai, cada vez que eu entro na Kombi eu fico olhando, pensando, eu lembro", diz o catarinense.
Ele se diverte pela desconfiança com o carro. "A funilaria está feia. O pessoal olha, o cara que trouxe no guincho ficou olhando... Eu coloquei gasolina, coloquei a bateria. Ele falou 'isso aí não funciona'. Eu comecei a dar risada. Na primeira virada de chave, ela funcionou e ele ficou doido. É Kombi!"
Carro virou atração para atletas
Darlan foi quinto colocado na Olimpíada de 2016 em sua prova. Entre fevereiro e abril de 2019, foi líder do ranking mundial, com um arremesso de 21,83 metros. Hoje, ele é o terceiro melhor atleta do planeta e uma das esperanças de medalha do Brasil no Pan-Americano de Lima, em julho, e para as Olimpíadas de Tóquio, em 2020.
Mesmo entre a intensa rotina de treinos, ele queria retribuir e mostrar o que o esporte fez para sua vida. Queria fazer eventos para ajudar crianças e divulgar o atletismo, mas ao conhecer a burocracia, aderiu ao instituto do ex-atleta Sanderlei Parrela, em Bragança Paulista. Ex-atleta do salto com vara, sua esposa Sara passou a ajudar Sanderlei na administração, enquanto o catarinense auxilia nos eventos.
A instituição faz o "Atletismo na Rua", com atletas como o campeão olímpico Thiago Braz. A caminhonete que usaria para levar o equipamento do evento quebrou. Foi aí que a Kombi entrou em ação. "Todo mundo que trabalhou no evento, os atletas que foram voluntários, todo mundo queria andar na Kombi, queria dirigir".
Tamanho é incomum também fora da Kombi
Darlan não é grande só dentro da Kombi. Fora também. Passear em um shopping decidido a comprar novas roupas não é uma opção. Não é fácil encontrar roupas de seu tamanho para vestir no dia a dia.
"É bem difícil de achar roupa. Eu uso 4G. Quando você vê uma loja que tem, compra. Não tem aquilo de sair para comprar roupa, como a maioria das pessoas fazem. Às vezes você está andando e vê tamanho grande, entra lá e se serviu, tem que levar, né", explica o atleta que mora em Bragança Paulista.
Além disso, não é qualquer peça que ele pode comprar como qualquer pessoa com o corpo menor. Há roupas que ele gostaria de comprar, mas nunca consegue encontrar no seu tamanho: "Um casaco de couro. Até hoje eu não achei um do meu tamanho".
Imagine um gigante de 1,88m e 155kg no avião
As dificuldades para viajar começam no despacho da bagagem até que Darlan consiga comprovar que é atleta. Ao adentrar o avião, o desconforto aumenta a cada hora nas longas viagens. Medindo 1,88 m e pesando 156 kg, o catarinense fica apertado na poltrona a cada voo. E são muitos para competir no esporte que escolheu.
Darlan carrega uma mala só para o material de treino do arremesso de peso. São bolas de ferro que pesam mais de 7 kg. "Sempre tem treta porque é uma bola de ferro pesada. Os caras várias vezes falaram que era bomba", conta Darlan.
"Dia 29, eu estou indo para Doha para fazer a Diamond League e são 17 horas de voo. Eu sou um cara de 155 kg, sou pesado, sou grande, então imagine num banco do avião. Fica extremamente difícil", diz o atleta do Pinheiros.
Temporada e distância da filha
O catarinense compete no dia 28 de abril em Bragança Paulista, no GP Brasil de Atletismo, antes de uma série de viagens que incluem a Liga de Diamante, os Jogos Pan-Americanos de Lima e o Campeonato Mundial em Doha.
Recordista sul-americano com 22 m, Darlan não gosta de falar as metas para o ano e tem uma preocupação: a filha Alice, de 3 anos. "Minha pururuca", brinca.
Não habituada às viagens do pai, ela foi hospitalizada durante a preparação da Rio-2016. "Ela já sofreu bastante, no ano da Olimpíada ficou internada duas vezes com pneumonia, tadinha", revela o atleta.
"Na primeira vez, eu ligava em casa e minha esposa 'não posso falar agora' e desligava o telefone. No terceiro dia eu falei 'quero saber da minha filha', aí ela me mandou uma foto da nenê com negócio no nariz e acesso na mão", lembra.
"Essa é a parte mais difícil eu acho, tanto ela quanto a esposa, você vai e demora para voltar, só por internet e telefone, não é a mesma coisa de você estar junto. Mas tem que fazer, porque a vida de atleta é uma vida curta", finaliza o atual terceiro colocado no ranking mundial da IAAF.