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Kit para recém-nascidos garante início de vida igualitário na Finlândia

Itens incluídos no pacote de maternidade finlandês de 2016 Imagem: Annika Söderblom/Kela

Juliana Domingos de Lima

De Ecoa, em São Paulo (SP)

01/04/2022 06h00

Montar um enxoval e arcar com as despesas de alimentação, higiene e com outras necessidades básicas de um recém-nascido pode custar caro.

Levando em conta esses gastos e a desigualdade de renda entre famílias, o Estado finlandês concede gratuitamente a todas as futuras mães, desde 1938, uma caixa com itens como vestuário, artigos de higiene e roupas de cama e banho. Ela também vem com um pequeno colchão que, colocado dentro da própria caixa, a transforma no primeiro berço de praticamente todo finlandês.

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O objetivo da política é garantir um início de vida mais igualitário para os bebês nascidos no país. Ela surgiu para atender famílias de baixa renda, mas foi estendida a partir de 1949 a todas as gestantes finlandesas, com a única condição de que realizassem o pré-natal.

Nos anos 1930, quando as caixas começaram a ser distribuídas, a Finlândia ainda não era um país rico e as taxas de mortalidade infantil eram altas — 65 óbitos de bebês a cada mil nascidos vivos. Hoje, o país tem uma das taxas mais baixas do mundo, em torno de dois óbitos a cada mil nascidos vivos. No Brasil, o número está em torno de 13 a cada mil.

Ao longo das décadas, os itens do kit também foram adaptados para atender melhor às necessidades das mães e se adequar às mudanças na sociedade finlandesa. De acordo com a BBC, tecidos e materiais de costura que costumavam vir na caixa foram substituídos por roupas prontas nos anos 1950; já em 1969, as fraldas descartáveis substituíram as de pano.

Nos anos 1970, quando mais mulheres finlandesas entraram no mercado de trabalho, roupas de bebê com estampas coloridas e um tecido mais fácil de lavar substituíram as brancas. Mais recentemente, em 2006, fraldas de pano foram reintroduzidas por serem mais sustentáveis e as mamadeiras deixaram de integrar a caixa para incentivar a amamentação.

A caixa ganha o mundo

Na última década, o pacote de maternidade do governo finlandês ganhou atenção internacional e passou a ser replicado por empresas e governos ao redor do mundo. Um trio de pais finlandeses fundou, em 2014, a Finnish Baby Box, empreendimento que vende caixas semelhantes para famílias do continente europeu.

Bebê na caixa com os itens do pacote de maternidade da Finlândia Imagem: Annika Söderblom/Kela

No ano seguinte, a caixa inspirou a criação do Cunas CDMX, projeto piloto do governo da Cidade do México que distribuiu dezenas de milhares de caixas-berço com itens básicos de cuidado para os bebês nascidos na cidade. O piloto se transformou em programa social e em lei nos anos seguintes, sendo implementado em vários outros estados mexicanos.

Em 2017, o governo da Escócia também incorporou a distribuição das caixas como um programa que atende a todas as mães do país. Projetos mais pontuais baseados na política finlandesa surgiram ainda na África do Sul, na Índia e num hospital de Londres. Um estudo sobre as caixas para bebês realizado em 2020 pelo órgão de seguridade social da Finlândia, o Kela, menciona a presença da invenção finlandesa em mais de 60 países.

A controvérsia sobre o benefício à saúde

Há quem ligue a queda da mortalidade infantil na Finlândia ao pacote de maternidade, em parte pela crença de que o uso das caixas como berço ajuda a prevenir a síndrome da morte súbita em bebês.

Mas, com a disseminação das caixas em diferentes países, pesquisadores britânicos levantaram dúvidas sobre o benefício delas à saúde dos recém-nascidos. Estudos mostram que a diminuição nos índices de mortalidade na Finlândia esteve relacionada a uma conjunção de fatores, que também envolve o padrão de vida alto e o bom nível educacional das mães finlandesas, serviços de saúde materno-infantil bem organizados e os avanços nos cuidados obstétricos e neonatais, que se tornaram mais disponíveis e regionalizados.

Para os pesquisadores, mais estudos sobre as formas como os pais têm usado as caixas de bebê ainda são necessários para determinar em quais circunstâncias e contextos elas podem ser benéficas e mesmo se são as caixas em si ou os programas em torno delas que têm impacto positivo sobre as famílias.

Programas no Brasil

Por aqui, uma versão inspirada na caixa finlandesa foi lançada pela cozinheira e apresentadora Bela Gil. Com uma proposta de enxoval sustentável, a Bela Baby Box tem preço variável (de cerca de R$ 200 a R$ 2.000) de acordo com a quantidade de itens. Ela decidiu trazer o produto para o país depois de ter usado a caixa, comprada no exterior, com o filho Nino.

Embora sem oferecer a caixa, existem programas municipais e estaduais de atenção materna que oferecem enxovais gratuitos pelo SUS, com itens como roupas, fraldas, cobertor, termômetro, produtos de higiene e orientações básicas sobre os cuidados iniciais do bebê. Mas, por não se tratar de uma política nacional, não há exigência para que todo município ofereça esses itens às gestantes.

"Seria muito importante que essa política fosse disseminada, principalmente para as famílias mais vulnerabilizadas", diz a médica de família e comunidade e colunista de Ecoa, Júlia Rocha. "Isso pode, sim, fazer uma diferença concreta no início da vida das crianças".

Segundo Júlia, a garantia de um enxoval básico pode até impactar positivamente a relação entre a mãe e o bebê.

Uma mãe em privação que recebe esse aconchego, esse abraço do poder público a partir da garantia desse direito, tem um respiro pra poder lidar com as outras demandas da criança, sabendo que o enxovalzinho está garantido.

Júlia Rocha, médica de família e comunidade e colunista de Ecoa

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