Fazendas Marinhas

Quem alimenta 8 bilhões? Aumento da população e degradação do solo estimulam criação de peixes e frutos do mar

Jennifer Ann Thomas e Jonne Roriz, do Nosso Impacto* Colaboração para Ecoa de São Paulo (SP) Jonne Roriz/ Nosso Impacto

Em Ilha Grande, Angra dos Reis (RJ), o empresário Carlos Kazuo lidera a Maricultura Costa Verde, empreendimento responsável pelos tanques onde o peixe bijupirá, nativo do Brasil, é produzido. Na mesma estrutura em que ele gerencia a Pousada Nautilus, especializada em turismo de mergulho, sete reservatórios de 1.200 metros cúbicos têm capacidade para produzir oito toneladas de peixe em cada um deles. No período de um ano e meio, a produção gira em torno de 50 toneladas de peixe. "Temos um enorme potencial para a maricultura, mas, em comparação com países como a China e o Chile, estamos atrasados. Ao mesmo tempo, existe uma necessidade global de aumento de produção de proteínas de qualidade", afirmou Kazuo.

No Brasil, apesar dos quase 8.000 quilômetros de extensão de litoral, a maricultura - o cultivo de recursos marinhos no oceano, como peixes, moluscos e algas - está concentrada, majoritariamente, em Santa Catarina, que responde por 95% da produção nacional. O Nordeste se destaca pela carcinicultura, a produção de camarão: em 2020, o cultivo atingiu a marca de 63,2 mil toneladas criadas em cativeiro. Há um incipiente mercado de algas no país, com experiências no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Santa Catarina, além de iniciativas isoladas para a produção de peixe em tanques-rede no mar.

JONNE RORIZ/Nosso Impacto JONNE RORIZ/Nosso Impacto

Proteína, fertilizante e 'pulmão do planeta'

Até 2050, a demanda pela "comida azul" deve dobrar. Segundo dados da agência da ONU para Alimentação e Agricultura, a FAO, o consumo global de alimentos aquáticos, com exceção das algas, aumentou a uma taxa média anual de 3% desde 1961, enquanto a taxa de crescimento populacional foi de 1,6%.

Há um desafio iminente para as lideranças globais: alimentar as populações do presente e do futuro. Em 2022, o planeta alcançou a marca de 8 bilhões de habitantes - até 2050, a expectativa é que sejam quase 10 bilhões de pessoas na Terra. Em 2021, cerca de 828 milhões de pessoas passaram fome, um aumento de 46 milhões de indivíduos em comparação a 2020. Ao mesmo tempo, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), até 40% da área terrestre do planeta está degradada. De acordo com o Banco Mundial, será necessário produzir cerca de 70% a mais de alimentos até 2050 para alimentar mais de 9 bilhões de indivíduos.

A maricultura é uma grande oportunidade econômica. Temos superalimentos no oceano, como as algas, que são a vedete do momento. Algumas espécies têm mais proteína do que carne animal. Paulo Horta, professor de Ecologia e Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

As algas entraram no radar do mercado brasileiro também por causa dos impactos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que evidenciou a dependência do abastecimento de fertilizantes para o setor agrícola - cerca de 85% dos fertilizantes usados no Brasil em 2021 foram importados. Pioneiro na introdução da alga Kappaphycus alvarezii no Brasil, o biólogo marinho e CEO da Seaweed Consulting, Miguel Sepúlveda, mantém uma área de cultivo de algas em Ilha Grande, no Rio de Janeiro.

Versáteis, as algas são usadas no setor de alimentos, em cosméticos e como biofertilizantes. "Por ser um país agrícola, o Brasil ainda não descobriu o potencial que tem no mar para as macroalgas. O grande interesse ainda vai ser despertado, da mesma maneira como já existe em outros países", afirmou. De acordo com a FAO, o cultivo de algas representa cerca de 30% da produção da aquacultura mundial.

Na corrida contra o tempo para encontrar formas de remover CO2 da atmosfera, o cultivo de algas entrou na lista de atividades com potencial para o mercado de créditos de carbono. Estimativas indicam que os ecossistemas com plantas marinhas, como manguezais e macroalgas, podem capturar até 20 vezes mais carbono por hectare do que as florestas terrestres. O cenário é o pano de fundo para o chamado carbono azul, o mercado voltado especificamente para o desenvolvimento de oportunidades de sequestro de carbono em ecossistemas marinhos.

O entusiasmo pode reverberar na criação de empregos. Em 2020, ao redor do mundo, 58,5 milhões de pessoas estavam empregadas no setor primário de pesca e aquicultura. Nos empregos diretos, aproximadamente 21% eram mulheres, taxa que chega a 50% quando se considera os empregos de tempo integral em toda a cadeia de valor aquático, incluindo atividades pós-colheita. Ao incluir os dependentes de cada família, estima-se que cerca de 600 milhões de pessoas dependem do setor pesqueiro e da aquacultura para sobreviver.

Todavia, 35% dos estoques pesqueiros estão impactados pela sobrepesca, de acordo com dados da FAO. No caso do Brasil, o último boletim com dados sobre a pesca nacional foi publicado em 2011. Para o pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) Felipe Matarazzo Suplicy, a maricultura é uma forma de oferecer outras oportunidades de trabalho para os pescadores que não têm mais os mesmos ganhos com a pesca.

Com a geração de emprego e renda, os nativos da ilha não vão precisar buscar oportunidades no continente e o modo de viver do caiçara será preservado

Carlos Kazuo, Maricultura Costa Verde

Jonne Roriz/ Nosso Impacto Jonne Roriz/ Nosso Impacto

'Não é bala de prata'

Da mesma maneira como a agropecuária se tornou vetor de destruição para as florestas, a maricultura pode comprometer o bioma caso ela não seja estruturada de maneira que respeite o meio ambiente. Para a engenheira de pesca, doutora em ecologia marinha e diretora do Instituto Talanoa, Ana Paula Prates, parte dos exemplos existentes de produção marinha não são bons casos a serem replicados.

"A criação de camarões, por exemplo, geralmente é feita em cima dos manguezais, prática que degrada o habitat que é um dos maiores responsáveis por ser berçário dos recursos naturais pesqueiros", disse Prates. Além disso, a espécie exótica vannamei, cultivada no Nordeste, vazou para o ambiente natural e hoje pode ser pescada fora de tanques. "Para a maricultura ser sustentável, ela deveria ser feita com espécies nativas.", disse.

Segundo Dias, da Oceana Brasil, é preciso avaliar a situação com equilíbrio. "É fato que a maricultura tem potencial para crescer e se tornar uma opção de proteína animal. Mas ao olharmos a pegada ambiental da atividade como um todo, ela não é a bala de prata, nem a solução para os sistemas alimentares, especialmente se a produção for de peixes grandes e carnívoros".

Jonne Roriz/ Nosso Impacto Jonne Roriz/ Nosso Impacto

Ostras por um mundo melhor

Entre os tipos possíveis de cultivo para a produção de proteína animal, a criação de ostras e mexilhões desponta como a que tem menor impacto ambiental negativo. Animais filtradores, os moluscos prestam importantes serviços ecossistêmicos pela habilidade de despoluir ambientes contaminados. Em média, uma ostra adulta é capaz de filtrar 200 litros de água por dia. Em Santa Catarina, 95% da maricultura corresponde a esse tipo de produção.

Em Florianópolis, mais de 700 produtores dependem da atividade, mercado que atinge cerca de 12.000 toneladas de mexilhão e 2.000 toneladas de ostra por ano. No caso do mexilhão, não há necessidade de uso de sementes. Para o cultivo de ostras, o êxito de Santa Catarina é resultado de um projeto bem-sucedido com a UFSC e a Epagri, pois as "sementes" que abastecem as fazendas marinhas saem do laboratório da universidade. Ambas as espécies dispensam a necessidade de ração: por serem filtradores, elas se alimentam do fitoplâncton que está no mar.

"A principal importância dos moluscos é a ecológica", afirma Vinícius Ramos, empresário e dono da Paraíso das Ostras. "Se desenvolvida de forma responsável, a maricultura contribui para o beneficiamento dos ecossistemas marinhos, além do seu enorme potencial para a promoção do desenvolvimento econômico".

*O Nosso Impacto é uma plataforma de comunicação sobre a relação entre as pessoas e o meio ambiente. Esta matéria foi originalmente publicada no site do Nosso Impacto.

Esta reportagem foi produzida com apoio do edital Conexão Oceano de Comunicação Ambiental da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

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