Faça o seu

Pedro Pimenta criou novo modelo de negócio para atender pessoas com amputações e financiar atendimentos

Marcos Candido De Ecoa, em Barueri (SP) Pryscilla K./UOL

"Eu percebi o quão importante é a integração entre pessoas amputadas. O negócio que criei é baseado no conceito em inglês de 'suporte entre pares'. A ideia da minha clínica é ampliar não só a integração entre amputados, mas entre familiares. Por exemplo: a mulher de um homem amputado que conhece outra mulher mais experiente e elas se ajudam.

Aqui não é uma ONG, mas tento fazer a preço de custo ou até doar algo para algumas pessoas que recebo. Trabalho para tornar um centro de excelência na América Latina, mas solidariedade é uma maneira de eu não perder minhas raízes no terceiro setor. Eu sempre trabalhei em ONG. No futuro, pretendo criar uma fundação para reabilitar pessoas amputadas.

Simetria. Matemática. Design. Mecânica. Engenharia. Estética. Quando você fala em prótese, você precisa pensar nestas mesmas palavras. É por isso que escolhi o nome Da Vinci, uma pessoa que pensou invenções nesses termos. É um investimento grande pensar no futuro das próteses, com desafios cada vez mais complexos sobre como conectar cada vez mais máquina e cérebro."

Pedro Pimenta é um dos sócios da Da Vinci Clinic, um centro de reabilitação para pessoas amputadas na cidade de Barueri, Grande São Paulo, inaugurado neste ano. Lá, são produzidas próteses, há sessões de fisioterapia e redes de apoio, em que a troca de vivências é um dos diferenciais. Pedro aprendeu o benefício do convívio entre pessoas amputadas fora do país e trouxe a experiência para o Brasil. Ele conhece bem a importância dessa vivência.

Com 18 anos, o empresário teve partes dos braços e das pernas amputados após uma meningite meningocócica, infecção bacteriana conhecida pela agressividade e rapidez. Durante uma semana, Pedro ficou em coma e por mais um mês aguardou até a amputação ser definida como a única alternativa.

A chance de sobreviver ao procedimento era pequena. Foi preciso dar adeus aos pais. Naqueles minutos a caminho da anestesia, ele se perguntava como seria. Se a vista iria escurecer de repente ou aos poucos. Se iria doer ou não. Enfim, se daria certo.

Os móveis, os cômodos e as vozes da sala de cirurgia não foram esquecidos por ele até hoje mas, quando a anestesista fez uma contagem regressiva para anestesiá-lo, aqueles objetos e sons desapareceram lentamente diante dos olhos sem saber se os veria novamente.

Duas semanas depois, Pedro acordou. Tinha sobre si o teto branco do hospital e sentia uma mistura de alívio, tristeza e apreensão. Naquele quarto, os pais e os amigos criaram uma redoma, uma esfera confortável, calorosa. Foram quase seis meses internado em hospitais de São Paulo, mas havia a pergunta: e agora? Pedro sabia que a vida lá fora permanecia a mesma a todos, mas seria diferente para ele.

Hoje, uma década depois e com 30 anos de idade, o agora empresário tem responsabilidades inimagináveis para um então estudante recém-saído do ensino médio.

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Pedro criou o modelo de negócio da Da Vinci durante o curso de economia nos EUA, para onde se mudou após as amputações. No país, participou de clínicas com acesso a novas tecnologias e metodologias, mas havia algo além das novidades técnicas: a interação entre os pacientes.

É comum que atendimentos a pessoas com deficiência ou recém-amputadas sejam feitos em salas fechadas e com horário marcado. Pedro, porém, foi atendido em uma clínica onde conviveu com pessoas com diabetes, ex-soldados, vítimas de acidentes, infecções - gente que sabia muito bem pelo que ele estava passando. Nos EUA, há cerca de 2,6 milhões de pessoas amputadas, de acordo com estudos do governo de 2020.

Entre amigos e mentores, Pedro aprendeu que deveria estudar, trabalhar e socializar como qualquer um. Havia um lema: "faça o seu". O termo traduzido deu novo significado a olhares e comentários curiosos, que sempre foram muitos.

Pessoas com deficiência e amputados costumam ser tratados como "guerreiros", "vencedores", "heróis", rótulos que podem parecer estranhos a quem apenas vive a própria vida. Pedro foi se ajustando. Compreendeu que despertaria curiosidade, mas que também poderia ser uma referência. "Não existe anonimato para mim, e tudo bem. Muitos amigos da época escolar me tratam com curiosidade, ficam felizes em me ver. Crianças me desenham. É super legal", diz.

Por outro lado, brinca com certos tratamentos: "muita gente acha que eu sou o desproblematizador geral da República. Alguém me vê e sente que tem menos problemas", ri.não

No fim das contas, ele não se considera um guerreiro. É um empresário que entendeu a importância em trabalhar, dar visibilidade e ajudar cada vez mais pessoas a "fazerem o seu".

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Pedro Pimenta em clínica criada em Barueri para pessoas com amputações; modelo é inspirado em clínicas norte-americanas

A clínica possui um salão espaçoso e aberto para fisioterapia. A ausência de barreiras estimula a interação entre as pessoas atendidas. A administradora Karla Karolina, 41, veio de Brasília para São Paulo renovar a prótese no local. "Aqui tem um calor humano", diz. A própria sala de Pedro é rodeada por paredes de vidro onde é possível vê-lo trabalhar próximo a um quadro dos Beatles.

O negócio não é uma ONG, mas Pedro equilibra as contas para manter a a acessibilidade. Uma das estratégias são as vaquinhas online, onde o público financia o tratamento e a clínica facilita o processo a quem não pode pagar. Desde a inauguração, cerca de 50 pessoas são atendidas.

No futuro, Pedro pretende criar uma fundação exclusiva para o terceiro setor. Não à toa, próteses nem sempre são acessíveis pelo Sistema Único de Saúde e medicina privada e podem custar de R$ 7 mil a mais de R$ 100 mil, como as "mãos biônicas".

Como um sapato, uma prótese pode lacear e é preciso trocá-la. Cada uma é exclusiva e considera a amputação, a musculatura, altura, peso e atividade física da pessoas. São feitas de materiais como madeira e fibra de carbono. A fabricação mistura alfaiataria, anatomia, oficina mecânica e escultura. E ainda é preciso fisioterapia.

"A prótese não faz nada sozinha e precisa ser pensada para as características de cada pessoa", explica o diretor técnico Leandro Silva. Ex-office-boy em Porto Alegre, ele se formou em fisioterapia há 25 anos e chefia a produção na Da Vinci. Segundo Pedro, hoje é uma das maiores referências sobre próteses no país.

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João Everton (foto), 32, teve parte do tratamento e da prótese de uma perna custeados pela clínica. Após sete anos usando muletas, o motorista por aplicativo teve dores musculares. Mas a dor não foi o único incentivo. Há cinco meses, ele se tornou pai. "Queria segurar no colo com segurança e ajudar mais a minha mulher em casa", diz. Há ainda muitas pessoas como eles.

No Brasil, os dados sobre amputações não são precisos, mas estimativas da FioCruz com base em dados do SUS calculam mais de 100 mil cirurgias de amputação entre 2011 e 2016.

Nem todo amputado sofreu um acidente, como é comum se pensar. O diabetes promove cerca de 43 amputações diárias no Brasil, de acordo com estimativas de 2020 da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Há ainda infecções virais, doenças do coração e circulação que podem causar a amputação de algum membro do corpo.

Pedro sabe que é preciso de agilidade e criatividade para ir em busca de tanta gente. O nome Da Vinci, inspirado no gênio italiano, tem esse propósito. Para o empresário, é preciso continuar aprimorando próteses em busca de simetria, de uma beleza estética inspiradora que também facilite a vida da humanidade. É o caso das próteses que utiliza: um cabo na região das costas e ombros dobra articulações dos braços e dedos. Nas pernas, há um tipo de válvula. "É uma forma de arte", conclui o empresário.

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