Rio de esperança

Gabriel Santos criou projeto para preservação do Rio Xingu e resgate da memória ambiental de Altamira

Maiara Marinho Colaboração para Ecoa Gabriel Santos/ Arquivo pessoal

"Minha relação com o meio ambiente começou muito cedo. Nasci em Altamira, no Pará, mas vivi minha primeira infância na BR 230, em uma vicinal, que é uma denominação para essas estradas que se abriram no meio da floresta por causa da Transamazônica. Quando voltei para Altamira vi a questão da violência, uma consequência da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, porque muitas pessoas foram retiradas dos seus territórios e realocadas em assentamentos, em locais dominados por facções, onde já havia tráfico e crime.

Foi em 2019, com as queimadas na Amazônia, que comecei a me envolver com o tema do meio ambiente. Fui pesquisar para entender o que estava causando isso, então comecei a ver o que eu poderia fazer. Comecei pelo meu dia a dia, parei de comer carne, fiz coisas mais nesse sentido, só que eu vi que ainda não era suficiente, que eu precisava fazer numa escala maior, precisava alertar outras pessoas.

Nessa época entrei para o Fridays For Future. No dia 29 de março de 2020, eles promoveram a Greve Global Pelo Clima. Aqui em Altamira, para essa ação, fizemos um cartaz, projetamos em Belém e em vários outros lugares, postamos fotos e várias pessoas começaram a perguntar se a gente era uma organização. Alguns dias depois nasceu o Jovens Pelo Futuro do Xingu, de maneira muito orgânica."

Gabriel Santos/ Arquivo pessoal

Minha infância foi muito perigosa porque os bairros onde as famílias foram assentadas eram dominados por facções. Então o estudo social de Belo Monte para essa distribuição dos reassentados de Altamira foi inexistente, eles fizeram, só que não adiantou de nada, não foi uma coisa efetiva para a distribuição populacional.

Gabriel Santos, criador do grupo Jovens Pelo Futuro do Xingu

Divulgação Divulgação
Divulgação/ Jovens Pelo Futuro do Xingu

Emergência climática estimula ações de cuidado ao meio ambiente

Quando ainda atuava no Forests For Future, Gabriel Santos participou da Greve Global Pelo Clima de 2020, em Altamira (PA), e criou um cartaz, desenhando em uma hortaliça de folha grande as frases "Xingu Livre", "No more empty promises" e "Chega de promessas vazias", com um símbolo do peixe Acari Zebra na ponta da planta.

A ação simbólica resultou na premiação de melhor Cartaz em Manifestação, do Prêmio Megafone de Ativismo, realizado pelo Instituto Socioambiental, Greenpeace, Engajamundo, Pimp My Carroça e outras organizações ambientais.

Foi aí que a história do Jovens Pelo Futuro do Xingu começou. Ao publicar fotos do dia na sua rede social, Gabriel recebeu uma série de mensagens de pessoas da região interessadas em saber se havia alguma organização na cidade, quem ele era e do que se tratava aquela mobilização. Com isso, alguns dias depois, a organização nasceu de maneira espontânea.

As primeiras ações foram direcionadas ao Rio Xingu, que sofre com a poluição instalada com a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. A empresa Norte Energia, responsável pela operação da hidrelétrica, já foi multada algumas vezes por poluir o rio.

No caso do Jovens Pelo Futuro do Xingu, Altamira é quem diz o que é preciso fazer para voltar a respirar. A história da cidade move os passos da juventude na região.

Há muito tempo há a tentativa de instalação da Mina de Ouro a céu aberto de Belo Sun aqui na região do Xingu, que já é uma muito afetada, a gente não tem estrutura social e ambiental para receber outro empreendimento desse.

Gabriel Santos, criador do grupo Jovens Pelo Futuro do Xingu

Divulgação Divulgação
Lilo Clareto/ El País

A cidade das promessas não cumpridas

O município de maior extensão territorial no Brasil abriga pouco mais de 115 mil habitantes. Localizada na orla do Rio Xingu, Altamira é a cidade das promessas não cumpridas. É lá que em 2015 a Usina Hidrelétrica de Belo Monte se instalou, arrastando gente, floresta e animais. Enquanto o fogo subia na Ilha de Arapujá, para abrir espaço para a usina, Gabriel avistava a cena da escola, no Instituto Maria de Mattias, que fica em frente à orla.

"Eu me lembro exatamente dessa cena, muita gente ficou na orla vendo a Ilha ser destruída, os animais atravessando; da janela da minha sala dava para ver a Ilha sendo desmatada", relata Gabriel.

O jovem de 16 anos, hoje cursando o segundo ano do ensino médio na cidade, cresceu sob a sombra dos impactos socioambientais negativos no município. Ali em Arapujá viviam muitas famílias ribeirinhas, indígenas, que tinham a pesca como fonte de renda. Foram expulsas e tiveram como opção um benefício de apenas R$ 20 mil para comprar uma nova moradia ou ir para um RUC, Reassentamento Urbano Coletivo.

Grande parte se deslocou para os reassentamentos, construídos em locais afastados da orla e do centro da cidade, onde havia criminalidade antes de chegarem. Os conflitos se intensificaram e mesmo a esperança de desenvolvimento na cidade foi em vão.

Além da poluição no Rio Xingu, que atravessa o Pará até Mato Grosso, a implantação do sistema de saneamento básico de Altamira, uma condicionante da instalação de Belo Monte, não aconteceu como deveria e, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, com dados de 2019, apenas 32,38% da população em Altamira têm acesso a abastecimento de água e aos serviços de esgotamento sanitário.

As crianças que estão crescendo hoje em Altamira, na faixa até os 10 anos, estão crescendo após Belo Monte, estão nascendo dentro dos RUCs e não sabem de onde vieram, como eram suas casas antes, como era Altamira antes de todo esse ciclo de violência e de destruição ambiental. Então o Escola Pelo Futuro tem como objetivo resgatar a memória dessas crianças.

Gabriel Santos, criador do grupo Jovens Pelo Futuro do Xingu

Ações buscam resgatar memória e impactar população

A primeira ação do grupo foi em 2020, o Xingu Limpo, que resultou em uma parceria com uma cooperativa da cidade.

"Primeiro a gente faz o trabalho de formiguinha que é a retirada de resíduos sólidos do Rio Xingu. A gente se divide em duas equipes, os que ficam no caiaque juntando o lixo, e os que ficam na beira da orla, puxando a cestinha", conta Gabriel.

Após esse processo, o lixo reciclável é separado e levado para a cooperativa Eco Xingu, um projeto de estudantes do Campus de Altamira da Universidade Federal do Pará (UFPA), reconhecido pela ONU como uma das melhores iniciativas de boas práticas no mundo. Ao todo, a ação do Xingu Limpo já coletou mais de 11 mil litros de resíduos do rio.

Além dessa intervenção, o Jovens Pelo Futuro do Xingu desenvolveu esse ano, em consonância com a mobilização nacional pela retirada do título eleitoral, o projeto Cada Voto Conta. Nele, mais de 1500 jovens foram impactados por meio do auxílio na solicitação online, com explicação de dúvidas e na entrega de panfletos em escolas para conscientizar sobre a importância da participação política da juventude.

Em parceria com o SOS Amazônia e com a Fundação Amazônia Sustentável, o grupo vai realizar, até o final de junho, o projeto Agrocestas do Xingu, que se trata da compra de alimentos orgânicos da reserva de extrativistas locais para distribuir esses alimentos nos bairros mais periféricos de Altamira. "Com esse projeto a gente vai conseguir distribuir quase três toneladas de alimentos", conta Gabriel.

Outra ação prevista para ter início no próximo semestre é o Escolas Pelo Futuro, de formação socioambiental com estudantes de ensino fundamental e médio com ênfase na história de Altamira, a fim de resgatar a memória sobre a atuação de grandes empreendimentos no município.

Estamos impactando diretamente na autoestima da juventude e também na disseminação de conhecimentos. Quando a gente dissemina uma ideia, não tem como a gente calcular qual o impacto daquilo, mas, por sermos jovens, por estarmos no ambiente escolar, acho que impacta de forma geral a sociedade, pois somos a próxima geração que vai viver as consequências das ações socioambientais.

Gabriel Santos, criador do grupo Jovens Pelo Futuro do Xingu

Expandindo horizontes

Com faixa etária entre 15 e 25 anos, e com 22 membros em Altamira, o Jovens Pelo Futuro do Xingu está em processo de expansão. Já foram criados o Jovens Pelo Futuro da Amazônia e o Jovens Pelo Futuro de Belém. Todos têm o símbolo do Acari Zebra, a fim de criar uma identidade entre eles.

O objetivo é, até o final do ano, oficializar o Jovens Pelo Futuro do Xingu a fim de arrecadar fundos para dar continuidade às ações em Altamira, atingindo um número maior de pessoas para causar maior impacto social, econômico e ambiental positivo.

Enquanto isso, o presente tem sido construído de maneira muito eficaz, em várias frentes de atuação. "Agora a gente está se envolvendo numa outra campanha chamada Amazônia de Pé, um Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP), que está sendo lançado com mais de 100 organizações do Brasil e a gente é um dos signatários."

Segundo Gabriel, uma das principais missões do grupo é engajar os jovens, mobilizar a esperança e a indignação em torno de atividades para preservar o Rio Xingu, defender o território de comunidades tradicionais e evitar o avanço do desmatamento.

@mostratuaarte/ Divulgação @mostratuaarte/ Divulgação

'Todos precisam de um planeta vivo, verde e sustentável'

Emily Araújo é uma cidadã altamirense. Passou alguns anos fora da cidade e retornou recentemente. Formada em gastronomia, coloca em prática o cuidado com a natureza através de uma loja artesanal que criou e usa resina epóxi como matéria-prima.

Aos 20 anos, também é uma das participantes ativas e permanentes do Jovens Pelo Futuro do Xingu. "Conheci o coletivo através de uma amiga e aos poucos fui me envolvendo. Hoje me sinto feliz fazendo parte de algo tão importante, com o incentivo que todos recebem, os diálogos realizados, os projetos que agregam ao nosso desenvolvimento", comenta.

Mesmo sabendo das dificuldades de construir um mundo melhor, Emily fala que as atividades diárias, construídas "nos dias de sol e nos dias de chuva", são fundamentais para um novo amanhã.

Para ela, gerar empatia é um dos principais movimentos para se ter "um planeta vivo, verde e sustentável para que essa geração e as próximas tenham perspectiva''.

O que diz a Norte Energia

Em nota, a Norte Energia, empresa privada concessionária da Usina Hidrelétrica Belo Monte, nega as acusações, diz que 20 mil pessoas foram beneficiadas pelo projeto dos Reassentamentos Urbano Coletivos (RUCs), tendo esse processo de reassentamento e indenizações obedecido "a critérios de elegibilidade, que levaram em conta a realidade de cada pessoa, considerando o local em que morava e o estado e condições do imóvel". Além de negar que a Hidrelétrica Belo Monte esteja ligada a poluição no Rio Xingu e a violência em Altamira.

"Por fim, a Norte Energia reitera que vem cumprindo as condicionantes do licenciamento ambiental do empreendimento, e reafirma o seu compromisso com a transparência, o respeito às pessoas e ao meio ambiente, bem como com o desenvolvimento sustentável da região onde a hidrelétrica está instalada".

Divulgação Divulgação

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