Nós, terráqueos

Para astrônomo Avi Loeb, achar vida inteligente fora da Terra nos tornará mais humildes - e colaborativos

Ana Prado de Ecoa, em São Paulo (SP) Lotem Loeb

O israelense Avi Loeb é um dos astrônomos mais importantes da atualidade. É chefe do departamento de astronomia da Universidade de Harvard, onde fundou e dirige o maior centro de pesquisa em buracos negros do mundo, e preside, entre outros projetos, a Breakthrough Starshot Initiative, um programa de pesquisa e engenharia fundado por Stephen Hawking, Yuri Milner e Mark Zuckerberg para desenvolver sondas ultraleves capazes de viajar para outros sistemas estelares. Também é membro do conselho consultivo do governo americano para ciência e tecnologia.

Se o seu nome já era amplamente conhecido no mundo científico, o que o fez ficar mais famoso entre o público geral foi sua teoria de que o objeto interestelar 'Oumuamua, que cruzou nosso Sistema Solar em 2017, tem origem artificial. No livro "Extraterrestre" (Intrínseca, 2021), já traduzido para 25 idiomas, ele defende a hipótese de que esse foi um primeiro contato da humanidade com tecnologia extraterrestre, de uma civilização ainda viva ou já extinta - mas, de qualquer forma, uma prova de que não estamos sozinhos no universo e nem somos a raça mais esperta que existe por aí.

Para ele, a evidência de que há (ou houve) vida inteligente fora da Terra poderá ter profundas implicações sobre a forma como os humanos tratam o planeta e também uns aos outros. E isso pode nos dar uma perspectiva de um futuro melhor. "Descobrir uma civilização mais bem-sucedida pode nos motivar a querer nos assemelhar a eles, a aprender com eles formas de agir no sentido de promover nosso bem maior", afirma.

ECOA - O seu livro "Extraterrestre" levanta muitas questões sobre o futuro da nossa civilização. Você escreve, por exemplo, que a humanidade está passando por um grande desafio, que é o de nos tornarmos avançados o bastante para explorar o espaço sem usar a tecnologia para destruir a nós mesmos. Quais são, hoje, as maiores ameaças nesse sentido?

Avi Loeb - Penso que, como civilização tecnológica, estamos desenvolvendo a capacidade de destruir nosso meio ambiente e isso é algo sem precedentes. Nunca tivemos essa capacidade antes — somente no século passado desenvolvemos armas nucleares, por exemplo. Nós também estamos agora brincando com vírus perigosos em laboratórios e estamos mudando o clima com nossas indústrias. Essas são condições nunca antes vistas e talvez não estejamos prontos para uma resposta em tempo hábil [para evitar desastres].

Ao mesmo tempo, também estamos pensando em explorar o espaço. Nós fomos selecionados pela evolução darwiniana para sobreviver na superfície da Terra e podemos não ser capazes de aguentar o bombardeio por raios cósmicos e partículas energéticas do espaço. Não podemos sobreviver por mais do que alguns anos desprotegidos pelo campo magnético e pela atmosfera da Terra.

Loeb Photo Collection Loeb Photo Collection

Então você não acha realista quando as pessoas falam em ir até Marte e se estabelecerem lá?

Isso é defendido por Elon Musk [CEO da Tesla e fundador da SpaceX], por exemplo, ou por Jeff Bezos [fundador da Amazon]. Não acho que sejam realistas. Participei de um fórum na Catedral Nacional de Washington em novembro do ano passado com Jeff Bezos, e ele estava falando em mandar milhões de pessoas ao espaço — talvez até um trilhão de pessoas a longo prazo e disse que a Terra se tornaria como um Parque Nacional ao qual você voltaria de vez em quando.

Acho que estes são sonhos relativamente infantis, quero dizer, ele realmente admitiu que se inspirou em Star Trek. Mas nós temos que amadurecer. Eu nunca fui fascinado por histórias de ficção científica como Star Trek porque o enredo viola as leis da física.

Não há necessidade de enviar humanos para o espaço. Podemos enviar, em vez disso, sistemas de inteligência artificial, que podem processar muito mais dados do que nós e sobreviver por muito mais tempo, mesmo sob as duras condições do espaço.

Lotem Loeb Lotem Loeb

Considerando como as coisas estão indo agora, com mudanças climáticas, conflitos entre países e coisas do gênero, você acha que somos capazes de superar esses desafios como espécie humana? Aliás: você nos considera uma espécie inteligente sob um ponto de vista cósmico?

Essa é uma excelente pergunta, porque acredito que exista um comitê na Via Láctea tentando decidir se existe inteligência no nosso Sistema Solar. Recentemente começamos a desenvolver tecnologias que podem ser vistas de longe como representando avanços, mas quando consideramos nossa política, nossas interações sociais, não estamos agindo sabiamente no sentido de promover nosso bem maior para o futuro.

Estamos agindo por considerações de curto prazo a maior parte do tempo e não olhando globalmente para a sobrevivência da humanidade como nossa prioridade. Estamos desperdiçando muitos recursos e lutando uns contra os outros e nos protegendo uns dos outros.

Você sabe que uma das belezas de se fazer ciência é que é um jogo de soma infinita. É assim que eu chamo. Não é um jogo de soma 0 como na economia, em que se alguém se beneficia, então outra pessoa perde porque há uma quantidade fixa de mercadorias ou de valor sobre os ativos. Na ciência, quanto mais aprendemos, mais todos se beneficiam, e isso significa que precisamos trabalhar juntos.

Olivia Falcigno

Você defende que a comunidade científica olhe com menos descaso para a possibilidade de haver vida inteligente em outros planetas. Qual seria o impacto de uma descoberta dessas para a sociedade humana?

Você sabe que, antes de Galileu e Copérnico, pensávamos que estávamos no centro do universo. Acabamos descobrindo que não estamos, e deveríamos buscar evidências antes de dizer que a possibilidade de civilizações tecnológicas extraterrestres é algo extraordinário. Devemos assumir que é extraordinário pensar o contrário, na verdade. Nós existimos, enviamos equipamentos para o espaço. Ora, então vamos procurar equipamentos que outros possam ter enviado para o espaço. Por que isso é extraordinário?

Se encontrarmos evidências de que existem 'crianças' mais inteligentes em nosso quarteirão cósmico, isso vai mudar imediatamente nossa perspectiva e talvez mude nossos planos em relação ao planeta. Podemos perceber que alguém encontrou uma solução em que não pensamos para manter nosso futuro, nossa longevidade. Ver evidências de uma civilização mais bem-sucedida pode nos motivar a querer nos assemelhar a eles, a aprender com eles.

Essa descoberta dará um golpe em nosso ego. Esse ego elevado [como espécie humana] não é justificado. Sempre pensamos que estamos no centro da ação, que tudo é sobre nós. Mas nosso sistema solar terrestre é típico, não é especial ou único. A maneira como devemos abordar este assunto é com modéstia. Vamos só olhar para fora e ver o que encontramos. Será um grande marco em nosso desenvolvimento quando percebermos que havia coisas que já eram muito mais sofisticadas do que nós, talvez até mesmo um bilhão de anos atrás.

Nós precisamos trabalhar juntos como humanidade para ter um futuro melhor. Precisamos desenvolver a ciência de forma colaborativa, para que todos se beneficiem juntos.

Avi Loeb

Você acha que esse senso de modéstia poderia inspirar as pessoas a cuidarem melhor do nosso planeta?

Ah sim, os nossos problemas são de arrogância. E eu diria que a arrogância é muito mais comum entre os homens (risos). Mas ainda é verdade para todos, e é realmente lamentável.

Me incomoda ver, ao longo da história humana, um grupo de pessoas tentando se sentir superior em relação às outras. O melhor exemplo é o regime nazista, que provocou a morte de 75 milhões de pessoas. Isso era 3% da população mundial em 1940, e é 10 vezes mais do que a covid matou até agora. E só porque um grupo de pessoas decidiu se sentir superior.

E se encontrarmos seres mais espertos no espaço, isso talvez implique para todos nós que as diferenças que encontramos entre os humanos são completamente sem sentido e que devemos tratar uns aos outros com respeito como membros iguais da espécie humana.

O universo começou há 13,8 bilhões de anos com o Big Bang e nós só chegamos agora. Portanto, claramente a história não é sobre nós, e a melhor maneira de descobrir o seu significado é procurando outros atores que estão nela.

Avi Loeb

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