Na raça

Criadora da Feira Preta, Adriana Barbosa estreia coluna sobre empreendedorismo, criatividade e diversidade

Rodrigo Bertolloto De Ecoa, em São Paulo Renato Stockler/Folhapress

"Todo texto que eu escrever vou ligar passado, presente e futuro. Não dá para falar de tendência e inovação, por exemplo, sem falar de construção histórica e sem ter uma visão educativa." Assim a premiada gestora Adriana Barbosa define sua coluna quinzenal em Ecoa, que estreia amanhã (18).

Da cabeça dela surgiu há 18 anos a Feira Preta, que se tornou o maior evento de empreendedorismo e cultura negra do Brasil, movimentando anualmente R$ 4 milhões e se replicando em outros Estados e em outros formatos.

"Quero conversar com o leitor sobre economia criativa, diversidade racial e empreendedorismo na base da pirâmide e de impacto social. Trazer pessoas e trajetórias que sirvam de exemplo, para mostrar práticas e ideias para inspirar. Vou escrever de uma forma simples e informal, mas mostrando uma lógica sistêmica, afinal, nosso movimento é coletivo", conta Adriana.

De tão obstinada e irrequieta, ela foi colecionando prêmios, como ser eleita uma das personalidades negras mais influentes do mundo, recebendo a premiação da comunidade afrodescendente de Nova York (EUA) em 2017. Dois anos depois, foi a única pessoa negra entre os indicados ao Prêmio Empreendedor Social e ganhou o Prêmio Grão, que reconhece líderes que impactam a sociedade.

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Sua história não é diferente de muitos negros, que tiveram que empreender para conseguir sobreviver - isso desde a abolição da escravatura, em 1888. Sua bisavó veio da interiorana cidade de Barretos para São Paulo para trabalhar de cozinheira em uma casa de família abastada, para a qual sua avó começou trabalhando aos 13 anos como empregada doméstica.

Quando faltava dinheiro em casa, a bisavó fazia coxinhas para completar o orçamento. Depois de aposentada, montou um pequeno restaurante na frente da casa. Adriana ia para escola de manhã, e na hora do almoço ajudava a distribuir as marmitas na vizinhança da Praça da Árvore, zona sul de São Paulo.

Aos 15 anos, Adriana começou a trabalhar fora. Passou por rádio, TV e gravadora até ficar desempregada em 2002. Decidiu pegar suas roupas e de amigas e montar um brechó, participando de feiras alternativas em que a maioria dos expositores eram brancos. Mas ela foi colecionando contatos dos poucos negros que encontrava nos estandes e, aproveitando os conhecimentos adquiridos na faculdade de Gestão de Eventos, idealizou a Feira Preta.

Essa caminhada não foi sem solavancos. Um dos empurrões foi um arrastão que seu estande sofreu. No meio da angústia de perder seu estoque, veio o lampejo de criar um evento em que não precisaria ficar disputando espaço entre expositores brancos e em que reunisse a cultura, os produtos e os produtores negros

Outra turbulência veio em 2016, quando a Feira Preta teve baixo movimento, e Adriana se endividou. Ela percebeu que o problema era que o evento estava se repetindo, e, a partir daí, as novidades aumentaram a cada edição para surpreender o público com shows, palestras, oficinas e serviços.

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"Quando comecei, não se falava em 'black money' e não se via o potencial de crescimento. Hoje, todas as grandes empresas querem falar com esse público", relata Adriana.

Sua preocupação é que mercado ajude a crescer esse ambiente de negócios entre produtores, distribuidores, vendedores e consumidores negros. Ainda é um nicho, levando em conta que 56% dos mais de 200 milhões de brasileiros que se declaram negros.

"É uma bolha, ainda estamos na pequena escala. Mas precisamos pensar no longo prazo, para termos os meios de produção, o maquinário e a escala para ganhar mais espaço", argumenta Adriana.

Ações não faltam. Em 2019 surgiu a PretaHub, uma aceleradora que ajuda empreendimentos de pessoas negras. Até o final de 2020 ela quer abrir a Casa PretaHub, mistura de centro cultural e fablab, que vai reunir salas de reunião, estúdios de gravação, livraria, galeria e outros serviços para que ajudem a criar e desenvolver produtos e serviços que valorizem a matriz africana. Além disso, quer colocar no ar uma plataforma de comércio online para os produtos da feira.

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Para Adriana, o empreendedor negro precisa sair da narrativa da sobrevivência, que perdura em um país em que o racismo é estrutural.

"Existem três tipos de perfis: quem está por necessidade, por vocação ou por engajamento. Precisamos fazer a transição da necessidade para a oportunidade, porque a maioria é formada por mulheres negras que ganham pouco. E também fazer a transição de quem está por vocação para o engajamento, porque são os jovens talentosos que necessitam de mais consciência no que fazem, de valorizar a identidade negra", afirma.

Adriana vai escrever para dividir seu conhecimento de duas décadas nessa batalha para ajudar quem está ou quer entrar no empreendedorismo. "A luta é árdua, mas não precisa ser solitária. O caminho é o coletivo. É preciso se fortalecer nos outros, compartilhando e estando disponível."

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