Viajar de elétrico é viável?

Com o Porsche Taycan Turbo tentamos entender se é viável viajar de carro elétrico pelo Brasil

José Antonio Leme do UOL, em São Paulo (SP) José Antonio Leme/UOL

Uma das questões que ainda são muito discutidas quando se fala de carros elétricos é em relação autonomia e pontos de recarga.

Como carros a combustão, os elétricos também sofrem os efeitos da topografia, de quantas pessoas ou carga carregam e do pé do motorista para atingir a autonomia declarada.

O problema em relação ao carro a combustão é que se leva mais do que os cerca de 5 minutos para encher o "tanque". Hoje, alguns carros elétricos podem ser completamente carregados em 40 minutos em uma estação de recargar ultrarrápida, como é o caso do Porsche Taycan, primeiro 100% elétrico da marca alemã.

Com preço de R$ 909 mil, o Taycan Turbo foi a nossa cobaia para entender como funcionaria uma viagem com um carro elétrico. A versão Turbo tem dois motores elétricos que entregam 625 cv e até 86,6 mkgf.

Mas afinal, é possível viajar com um carro elétrico? Sim, é, mas existe uma série de ressalvas a serem consideradas e é o que UOL Carros quer mostrar aqui.

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Trajeto

O primeiro ponto de debate era qual trajeto escolher. Não importava o caminho, teria que ser um trajeto dentro dos 383 km de autonomia divulgados pela marca, sem carregar, ou pelo menos tentar.

A segunda exigência era que no trajeto houvesse ao menos um carregador no meio ou no fim, caso fosse necessário. Descer para o litoral seria bastante óbvio, já que a descida ajudaria na recarga do carro, mas optamos por dificuldades maiores.

A escolha foi por Campos do Jordão, cidade serrana, que está a 1.628 m acima do nível do mar e pouco mais que o dobro de São Paulo, que está a 760 m acima do mar.

De acordo com a Porsche, o Taycan Turbo tem até 383 km de autonomia com um carga no mundo real e até 453 km se utilizar o tempo todo o modo Range, que desabilita diversas funções e comodidades, incluindo o ar-condicionado.

O trajeto mais rápido entre São Paulo e Campos do Jordão, saindo da concessionária na Zona Sul, onde carregamos o carro até 100% da carga dá 384 km. Ou seja, seria apertado, mas no papel seria possível conseguir.

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Métrica

A ideia decidida na reunião com os colegas era de "viver com o Porsche como se fosse um carro normal".

Isso significa que a viagem seria feita usando o ar-condicionado se necessário e circulando a velocidade máxima permitida pelas vias, que podiam chegar a 120 km/h. Além disso, a ideia era usar o modo normal de condução enquanto fosse possível na viagem.

Claro que não era tão simples assim, ou melhor até era. Dentro da cidade o carro regenera energia em meio ao trânsito nas marginais Pinheiro e Tietê.

O problema dos carros elétricos é o uso rodoviário que iríamos fazer. Já que na estrada as velocidades são constantes e sem muitas frenagens, o carro só perde autonomia, não ganha.

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A viagem

O ganho de altitude, ou seja, de subidas no primeiro momento do trajeto é ínfimo e por isso não afeta muito a autonomia do carro, mas mesmo assim afeta a "ansiedade da autonomia".

O termo foi cunhado para explicar a ansiedade gerada no motorista ao rodar com um carro elétrico, sempre de olho na autonomia restante, afinal não é possível simplesmente estacionar em um posto qualquer e "reabastecer".

Resistir a algumas ultrapassagens mais aceleradas para manter o contexto da tentativa de teste foi algo complicado sabendo que estava ali um dos elétricos mais divertidos de se guiar do mercado, afinal o DNA esportivo da Porsche continua presente no Taycan também.

Tudo ia bem até a chegada no pé da serra de Campos de Jordão, na Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro. Mantendo a lógica de, quando possível, andar na velocidade permitida pela via, começamos a subida de cerca de 20 km.

A autonomia que no pé da serra era de 200 km foi baixando rapidamente, mesmo mantendo a velocidade ideal e sem acelerações bruscas.

Ao chegar a placa que recepciona os turistas na entrada de Campos do Jordão a autonomia era de 138 km. Até aqui, poderíamos concluir e dizer que viajar de carro elétrico não é possível, mas é.

Claro que a escolha do trajeto foi pensada para mostrar as dificuldades do carro elétrico quando se trabalha com subidas e descidas e como a autonomia despenca rapidamente nesse sentido.

Poderíamos ter optado por um caminho todo reto, rumo a outras partes do interior paulista, o que apesar do trecho rodoviário, permitiria fazer ida e volta com uma carga.

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Salvos pela Volvo

Usando um aplicativo para smartphone chamado Plug Share é possível ver todos os pontos de recarga disponíveis na região, qual o tipo de soquete, capacidade, quantas tomadas existem e se estão todas funcionando.

Com 138 km de autonomia declarada para um trajeto de 192 km ficava claro que não daria para fazer sem uma ajuda. Ao abrir o aplicativo já dentro da cidade para procurar um ponto de recarga, o primeiro que surgiu foi um instalado pela Volvo em um supermercado com duas "tomadas".

Aqui, vale o registro que o eletroposto parecia não ser muito usado. Havia um carro a combustão parado na vaga e foi preciso chamar o segurança do estabelecimento para que fosse retirado da vaga que é destinada a carros elétricos.

Com uma hora na tomada, o Taycan passou dos 138 km para 166 km de autonomia, o que ainda era menos que o necessário para garantir o retorno, apesar de saber que haveria um segundo carregador disponível na Rodovia Presidente Dutra.

Já ao anoitecer, começamos a descida da serra. O poder de regeneração de energia do Taycan é surpreendente e ele conseguiu alguns quilômetros extra.

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Retorno e a ansiedade da autonomia

Para melhorar o consumo e conseguir ganhar mais autonomia fomos obrigados a apostar no modo Range (autonomia em tradução literal). que jogou a autonomia para 202 km e limita a velocidade a 140 km/h.

Assim, foi preciso jogar o jogo, passar por um pouco de calor com o ar-condicionado que desativa automaticamente e quando você tentar ligar novamente, ele já mostra a redução na autonomia.

Agora, a tal da ansiedade da autonomia era presente em todo o trajeto, mesmo sabendo que haveria um próximo carregador no caminho.

A tentativa era chegar em São Paulo sem precisar do segundo carregador e também sem ficar parado no acostamento, sem bateria, esperando o guincho.

100 km/h foram virando 90 km/h ou 80 km/h e sempre que possível, trabalhada tirando o pé do acelerador e usando qualquer pequena descida como uma tábua de salvação buscando qualquer 1 km extra que fosse possível, era quase uma auto enganação.

Com estrada vazia, duas horas depois estávamos em São Paulo, com a ansiedade e um enorme alerta "carregar bateria imediatamente" no painel a mil.

Desligar o carro com 8 km de autonomia restante foi um alívio e assustador ao mesmo tempo. O riso solto foi garantido quando no estacionamento, na vaga ao lado, havia um Volvo XC60 híbrido que com certeza não daria a ansiedade que o Taycan forneceu.

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Veredito

O resultado da nossa experiência era o previsto: precisaríamos de ajuda de um jeito ou de outro: um carregador ou um guincho em algum momento dessa viagem.

Ter e usar um carro elétrico como veículo do dia a dia ainda não é uma tarefa fácil se você quer incluir viagens no seu trajeto, mas é possível.

Coordenar tempo, trajeto, paciência e nenhuma ansiedade é um exercício e tanto com elétricos, especialmente se a ideia for realizar um bate-volta.

Se fôssemos dormir em Campos do Jordão naquele dia provavelmente, a tal ansiedade não surgiria. Poderia deixar o carro por horas no carregador do supermercado e garantir mais autonomia.

Mas isso, mais uma vez, mostra como a paciência e planejamento ainda são muito necessários para viajar com um carro elétrico no Brasil.

Por outro lado, a vida na cidade, especialmente nos grandes centros, é bem prática já que praticamente todo shopping tem um vagas e carregadores para carros elétricos, além de outros pontos como concessionárias e outros estabelecimentos.

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