Os combustíveis fósseis vivem hoje uma crise mundial. Seja pela questão econômica, com a disparada dos preços ao redor do globo, ou pela questão ambiental, cada vez mais países e empresas (entre elas as montadoras) buscam uma alternativa para abastecer os veículos no futuro.

Carros elétricos são os novos "queridinhos", com diversas marcas investindo neste tipo de motorização para o futuro. O custo alto e a questão do descarte das baterias ainda aparecem como entraves, apesar de vários países já forçarem a troca de suas frotas para veículos deste tipo.

Outros países, entre eles o Brasil, têm como aposta o biocombustível. Popular há décadas, o etanol ganhou importância vital nessa busca por um combustível mais sustentável.

Mas e a gasolina? Será mesmo que ela está com os dias contados? Não necessariamente. Iniciativas abrem caminho para um combustível sintético, já desenvolvido por algumas marcas e que também entrariam na lista de alternativas.

O UOL Carros preparou um especial para explicar como funciona essa gasolina feita em laboratório e como seu carro pode se beneficiar com ela em um futuro próximo.

Arte UOL

O que é e-Fuel

A Europa está caminhando para 100% de veículos totalmente elétricos, recarregáveis na tomada. A maior parte das montadoras não terá mais, na próxima década, modelos à combustão. No entanto, algumas empresas importantes anunciaram que não vão aderir à total eletrificação em suas gamas.

É o caso das alemãs Porsche e BMW. A primeira faz parte do Grupo Volkswagen, no qual marcas como Audi e a própria VW caminham para 100% de carros elétricos - no Brasil, a segunda manterá modelos à combustão e híbridos. Já a de luxo, não.

Na BMW, líder do grupo automotivo de mesmo nome, a inglesa Mini foi a escolhida para ter apenas modelos totalmente elétricos. Mas como Porsche e BMW sobreviverão com carros à combustão em uma Europa que pretende bani-los?

"Essas marcas vão vender esses modelos em países da Europa que não vão para 100% de eletrificação, como alguns do Leste do continente", explica Everton Lopes, mentor de energia a combustão da SAE Brasil. Nos Estados Unidos, apenas alguns Estados - como Califórnia e Washington - anunciaram que banirão o carro a combustão.

E há mercados menores, como o brasileiro e alguns asiáticos. No entanto, tanto Porsche quanto BMW estão apostando em uma alternativa para conseguir expandir os horizontes futuros do carro a combustão. É a gasolina sintética, que vem sendo chamada mundialmente de e-Fuel. Esse tipo de combustível também vai ser adotado a partir de 2025 pela Fórmula 1.

"Esse conceito não é novo, mas ganhou força recentemente", explica Lopes. "Consiste em fazer combustível a partir de uma reação química, dispensando o petróleo."

De acordo com o especialista, a gasolina sintética deve ser uma das matrizes do futuro, junto com a eletricidade. Mas dá para fazer também outros combustíveis hoje primordialmente derivados do petróleo a partir do processo. Entre eles, o diesel e o gás.

Como ela é criada

Para criar a gasolina sintética, é preciso gerar uma reação entre hidrogênio e gás carbônico. "O resultado é o metanol, convertido em gasolina", explica o gerente de Relações Públicas e Comunicação da Porsche do Brasil, Leandro Rodrigues Sabes.

A gasolina sintética, ou e-Fuel, tem as mesmas propriedades da derivada do petróleo. Isso significa que não é necessária nenhuma mudança em carros com esse tipo de motor que já estão rodando nas ruas, de acordo com Lopes.

"Como é usado CO2 na reação que gera a gasolina sintética, o combustível tem pegada de carbono nula", explica o especialista da SAE. "O gás carbônico emitido no escape do carro é compensado no processo de produção."

No entanto, Lopes explica que a geração de gases nocivos ao meio ambiente, como os derivados do nitrogênio, é bem semelhante à da gasolina de petróleo. Isso pode ser um entrave ao uso do combustível em países e regiões que estão a caminho da emissão zero, seja de CO2 ou de qualquer outro poluente.

Salvação da Fórmula 1

A Fórmula 1, que adotou conjunto propulsor híbrido em 2014, vivia um impasse. Desde a compra da categoria pela empresa norte-americana Liberty, vem se tornando mais popular nos EUA e expandindo seus horizontes com corridas em cada vez mais países em quase todos os continentes.

Porém, o público cativo da Fórmula 1 ainda está na Europa, bem como a sede de todas as equipes da categoria - a exceção é a Haas, dos Estados Unidos. Como manter, então, a conexão do mundo real do automóvel com a categoria, se a Europa caminha para a total eletrificação?

Eletrificar a Fórmula 1 poderia ser uma opção, mas o público cativo se interessa pela esportividade das mudanças de marchas e do som dos motores. Além disso, a Federação Internacional de Automobilismo já dá seu respaldo a uma categoria disputada apenas por carros elétricos, a Fórmula E, que nunca conseguiu grande apelo junto ao público.

A solução criada pela Fórmula 1 foi anunciada este ano. A partir de 2025, a categoria passará a utilizar o e-Fuel, combustível sintético e renovável. É uma saída idêntica à encontrada pela Porsche, marca nascida e desenvolvida tendo como base os carros esportivos.

Com esse anúncio, já há um forte rumor de que o Grupo Volkswagen planeja ingressar na categoria. E de que faria isso por meio da marca que está investindo forte na salvação do carro a combustão: a Porsche.

Porsche investe em novo combustível

Para a Porsche, a criação da gasolina sintética é fundamental não apenas para a sua futura linha de carros a combustão, mas também para garantir o abastecimento dos modelos da marca que já estão rodando. A montadora caminha para 80% da linha eletrificada, mas manterá 20% com novos motores a gasolina.

"A Porsche acredita que ainda há espaço para o desenvolvimento do motor a combustão", explica Sabes. Por isso, a marca investiu em uma fábrica no Chile para a produção de gasolina sintética, em parceria com outras empresas - a maioria do setor de energia. A pedra fundamental já foi lançada e as operações começam nos próximos meses.

O hidrogênio necessário para a gasolina sintética não é encontrado puro na natureza. A forma mais simples para obtê-lo é por meio da água, usando processo de eletrólise.

"A energia elétrica para essa reação tem de vir de fontes limpas, para que o processo faça sentido", explica Sabes. Por isso o local do projeto foi definido visando o uso da energia eólica, que não gera emissão de gases.

O Chile também é um dos países com os custos mais baixos para a energia renovável. A fábrica terá capacidade para produzir 130 mil litros de combustível por ano. Já em 2022, a gasolina sintética será usada em competições de automobilismo promovidas pela marca.

Mas, se a combustível sintético não é novidade, por que ainda não foi utilizado em escala? O preço para se produzir hidrogênio é alto. No entanto, como essa substância vai ser adotada como matriz energética por vários países nos próximos anos, o ganho de escala tende a reduzir os custos.

Vantagens e desvantagens do combustível sintético

Brasil terá papel importante como fornecedor

O Brasil está atrasado no processo de eletrificação dos veículos. Entre outras razões, há o fato de o País ser forte em etanol, fonte renovável, com baixa pegada de carbono e mais limpa que os derivados do petróleo. Também por isso, a gasolina sintética não deverá ter papel relevante na matriz de combustíveis brasileira.

No entanto, o Brasil surge com grande relevância no fornecimento de hidrogênio necessário para a criação do e-Fuel. "A Europa não é autossuficiente nessa substância", explica Everton Lopes, da SAE. "A tendência é ter o Brasil como exportador de H2 para outros mercados."

E, como a matriz energética priorizada na criação do e-Fuel é limpa, muitas oportunidades surgem para o Brasil. Aqui, a maior parte da energia é produzida por usinas hidrelétricas. "O Nordeste tem um grande potencial para energia eólica", complementa Lopes.

Frentista de laboratório

Vantagens e desvantagens do combustível sintético

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