Caminhoneira cor-de-rosa

Sheila Bellaver superou pobreza, deboches e relações abusivas para influenciar nas estradas e nas redes

Paula Gama Colaboração para o UOL Arquivo Pessoal

Uma belíssima loira saindo de um novíssimo caminhão rosa com o seu próprio nome no baú. Quem topa com Sheila Bellaver nas estradas pode imaginar os desafios que a caminhoneira de 38 anos viveu para conquistar seu espaço, mas certamente a suposição não chega perto do que a caminheira viveu.

Obcecada desde criança pelo sonho de pegar a estrada, ela conquistou a sua carteira de motorista fazendo faxinas a R$ 15, enfrentando relacionamentos abusivos e ouvindo risadas de deboche na cidade onde nasceu.

Nada disso parou o sonho da mulher que adotou a empresa onde trabalhava como sobrenome e hoje possui uma frota de caminhões - todos rosa, sua marca registrada.

Parte do sucesso nas estradas veio das redes sociais, onde 'explodiu' como influenciadora e se tornou inspiração para outras mulheres - incluindo a própria filha, mesmo a contragosto.

Em um papo franco com o UOL Carros (que só ocorreu quando foi procurada por outra mulher, após três tentativas masculinas), Sheila relembra como superou dificuldades para se tornar inspiração para mais de 2 milhões de seguidores.

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Carteira de motorista é maior troféu

Natural de Lagoa Vermelha, no Rio Grande do Sul, Sheila teve uma infância pobre, sem muitas possibilidades de estudo. Desde pequena, tinha apenas uma ambição: se tornar caminhoneira.

"Não havia espaço para eu sonhar com muita coisa, meu pai era da roça, a gente não tinha nem televisão, muito menos internet ou acesso a faculdade. Eu via os caminhões na estrada e sonhava com aquilo, virou uma obsessão. Eu passei a perseguir esse sonho com toda a minha determinação."

Mesmo planejando ser caminhoneira desde muito nova, a realização do sonho não veio fácil. Com apenas 18 anos, Sheila estava casada, com três filhos e um marido que não a incentivava em nada.

"Ele dizia que eu limparia o vaso da rodoviária, mas jamais iria dirigir um caminhão. Essas humilhações me deixaram mais forte, eu deixava meus filhos com minha irmã e fazia sete faxinas por semana a R$ 15 cada. Quando juntei os R$ 742 necessários, tirei a tão sonhada carteira. Foi tão difícil consegui-la, que hoje é o que mais preservo", lembra Sheila.

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O emprego que virou sobrenome

Oficialmente habilitada, ainda demorou cinco anos para a caminhoneira "ter uma carreta na mão", como ela mesma diz. Nesse período, Sheila chegava a rodar 400 km por dia para entregar currículos em diversas cidades do Rio Grande do Sul.

"Em Lagoa Vermelha as pessoas riam de mim, debochavam, achavam graça. Nessa época eu trabalhava em uma empresa de verduras como embaladora, chegava a chorar vendo um caminhão passar. Chorava de tristeza. Entrei em depressão."

A alegria veio quando um amigo do seu pai, o Buda, resolveu ajuda-la. Depois de ouvir muitas piadas e ofensas, veio o primeiro e único "sim" de uma empresa privada, a Bellaver. O orgulho foi tão grande que a caminhoneira não só vestiu a camisa, mas adotou a empresa como sobrenome.

"Trabalhei por dez anos com a Bellaver com toda a gratidão do mundo. Foi ela que me deu uma oportunidade, mas eu tinha mais um sonho: ver o meu nome no baú dos caminhões. Há dois anos comprei o meu primeiro caminhão, um Scania, depois veio um Volvo, uma carreta que vendi há poucos dias e, em algumas semanas, virá mais um Volvo", comemora.

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Uma frota de seguidores

Logo que virou oficialmente uma caminhoneira, Sheila sentiu tanto orgulho de si mesma que começou a mostrar o seu trabalho.

"Há sete anos comecei a postar vídeos no Youtube. No primeiro mês eu ganhei R$ 70 e me senti rica. Era um dinheiro que fazia diferença no meu orçamento. No início o preconceito era grande, mas comecei a crescer aos poucos."

Atualmente, Sheila possui quase 2,5 milhões de inscritos no Youtube e 2 milhões de seguidores no Instagram, tornando-se uma referência não só como caminhoneira, mas como empresária.

Apesar de críticas e ataques de alguns "haters" - nome dado a usuários que utilizam as redes sociais para criticar e ofender outras pessoas -, a caminhoneira rosa faz bom proveito da exposição e já foi contratada por diversas empresas para divulgar produtos, de caminhões a roupas femininas.

"Ninguém imaginava que o caminhoneiro seria influenciador, pago para fazer propaganda. Não tinha nem ideia do que podia, era feio ser caminhoneiro. Hoje temos espaço, nos sentimos queridos. Tenho orgulho de fazer parte disso."

Agora a ideia é ampliar os negócios: Sheila quer mais caminhões rosas com o seu nome nas estradas do Brasil, mas está estruturando a empresa para crescer de forma saudável.

"Trabalho não falta, muitas empresas querem me contratar, mas agora não tenho como assumir muitos compromissos. Por enquanto, vou ficar com três caminhões, mas vamos crescer. É a minha meta atual", afirmou.

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Na estrada não sou desrespeitada, na internet sim

Segundo Sheila, a internet deixa as pessoas mais corajosas para elogiar, criticar e desrespeitar os outros. Mas na vida real, na estrada, ela é extremamente respeitada por seus colegas caminhoneiros, motoristas de carros de passeio e policiais. Dona de um corpo escultural, quase sempre vestido com roupas justas, ela conta que nunca passou por nenhuma situação de assédio nas estradas.

"Hoje todos me respeitam, de policiais a bandidos. Os policiais porque sabem que não acharão nada de errado no meu caminhão, e os bandidos porque sabem que meu caminhão rosa é muito conhecido e visado. Não há um lugar que eu pare sem ser abordada por pessoas querendo tirar foto. Não vale a pena me roubar."

Apesar da tranquilidade que a fama trouxe, a profissional deixa claro que a vida real do caminhoneiro não é essa. Hoje, ela trabalha 50 dias e folga uma semana por opção, mas conta que os colegas estão cada dia precisando correr mais para honrar os prazos e conseguir pagar as contas no fim do mês.

"Hoje eu tenho dinheiro, tenho outras rendas, mas mesmo assim quase infarto quando encho o tanque de combustível. As estradas estão cada vez mais perigosas, em condições horríveis e com muita violência. O caminhoneiro trabalha com a cabeça cheia, podendo se envolver em acidentes. São muitos riscos, é uma profissão muito dura", lamenta Sheila.

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O coração é de mocinha

Apesar da "casca grossa" que teve que criar para resistir às pancadas da vida, Sheila tem o coração doce, cheio de carinho por seus quatro filhos - os gêmeos Vitor e Vinicius, de 21 anos, Gabriely, 20, e Bernardo, 4. E ainda sonha viver um relacionamento saudável.

Entre seus filhos, a única que herdou o amor pela estrada foi Gabriely, que aos 20 anos está às vésperas de ganhar o seu próprio caminhão de presente da mãe, no valor de R$ 850 mil.

"Eu me vejo na Gabriely. Assim como eu, ela é caminhoneira e influencer. Mas confesso que esse não é o caminho que gostaria para ela. Gostaria que ela fosse médica, me dispus a pagar a faculdade, mas por enquanto ela vai seguir nas estradas. Em breve, tenho fé que fará faculdade", sonha a mãe. Assim como Sheila, Gabriely faz longas viagens pelas estradas brasileiras levando verduras em um caminhão rosa.

Se os sonhos materiais já foram quase todos conquistados pela empresária, o amor ainda está em dívida com a loira. Depois de dois casamentos que considera abusivos, ela ainda quer entrar na igreja para dizer "sim" a um homem que venha para somar. E vestida, claro, de rosa.

"Já fui muito boba, assumi contas, aguentei humilhações. Hoje quero um homem que venha para somar, que respeite a minha profissão e sonhe junto comigo. Os homens têm uma certa resistência a uma mulher empoderada, por isso gostam de nos humilhar. Mas tenho fé que ainda vou encontrar uma pessoa respeitadora", finaliza.

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