Dia de todos os animais

Dia Mundial dos Animais celebra a união entre bichos e humanos com histórias de encontros inusitados

Taís Ilhéu e Lucas Tieppo Colaboração para o UOL, em São Paulo Kike Calvo/Universal Images

O 4 de outubro é um dia especial para quem trata os animais como parte da família. Comemorado há quase 100 anos, o Dia Mundial dos Animais é uma celebração dos bichos que há séculos acompanham os humanos, e também uma homenagem a São Francisco de Assis, o santo protetor.

Milhões de lares espalhados pelo Brasil são ocupados por pets das mais variadas espécies. Cachorros, gatos, pássaros, tartarugas, hamster e até cobras. A lista é enorme. São mais de 139 milhões de animais de estimação no país, de acordo com o Instituto Pet Brasil.

Para celebrar a data, o UOL Bichos ouviu três histórias que mostram como a relação entre humanos e animais extrapola qualquer limite e, no fundo, é inexplicável.

Arquivo Pessoal

A história de Silvana e o bode Meia Noite

"Realmente é uma história bem louca, nem eu acredito às vezes". É assim que Silvana Cordeiro, de Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo, começa a conversa, tentando preparar quem ouve para a história de adoção nada convencional que vem a seguir. Diferente do que aconteceu com seus dezoito cachorros e quinze gatos resgatados da rua, esse novo "bichinho de estimação" que Silvana abriga desde abril do ano passado foi mais ousado e ele mesmo invadiu sua casa.

Foi o único pelo qual ela também precisou pagar: foram duzentos reais, R$ 150 pagos à vista, com o dinheiro do cofrinho quebrado às pressas, e o restante parcelado.

A história de como o bode Meia Noite fugiu do abate para se tornar o maior "parceirão" da profissional de educação física, que ainda hoje luta contra um câncer, viralizou no ano passado e foi parar até no perfil da ativista Luisa Mell. De lá para cá, o caso só ficou melhor, com direito a visitas de turistas para conhecer o bode e uma coleção de mais de 40 perucas doadas de todo o canto do Brasil - e até do mundo.

Meia Noite não é mais um filhotinho, e o tamanho dele (e do chifre) espanta quem vê fotos no perfil de Silvana ou visita a casa. Mas a mudança do bichinho para um outro lugar sequer passa pela cabeça dela. "Vai ficar a vida toda comigo, tem essa não. Se ele cresce, aumento o espaço dele".

Eu não moro na zona rural, eu moro no litoral norte, nunca imaginei chegar perto de um animal assim!

Silvana, a dona do bode

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Coisas do destino

Para Silvana, a chegada do seu pet incomum no dia e nas condições em que aconteceu teve um significado especial, um quê de destino. Ela lembra que todos os dias costumava esperar o filho chegar da faculdade, tarde da noite, observando a rua pela varanda de casa. Naquele 2 de abril, no entanto, resolveu descer e esperar o filho na calçada. Silvana já se tratava contra o câncer, e conta que estava triste por causa do resultado de exames médicos que tinham saído mais cedo.

Quando era quase meia-noite, avistou um animal entrando na rua sem saída onde mora. Depois de se aproximar rapidamente o bicho simplesmente passou por Silvana e entrou pela fresta do portão, correndo para o banheiro da casa. Silvana conta que de imediato se assustou, já que nunca tinha visto um bode e, embora aquele fosse um filhote, já era muito maior do que os cachorros aos quais ela estava acostumada. "Eu não moro na zona rural, eu moro no litoral norte, nunca imaginei chegar perto de um animal assim!", conta entre risadas.

Ainda assim, não teve coragem de tirar o bode do banheiro e deixá-lo na rua, então o fechou no cômodo com água, folhas de alface e maçã.

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Fuga salvadora

Silvana lembra que o dono do bode apareceu no dia seguinte e contou que tinha matado o irmão de Meia Noite no dia anterior, e que o destino dele também seria a panela assim que engordasse um pouco. A carne, inclusive, já estava "comprada" por um restaurante. "Ou seja, ele viu o irmãozinho dele morrer e deu no pé na mesma noite, olha que sorte!"

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Moeda por moeda

"Fico até com vontade de chorar de lembrar, porque ele sabia que ia morrer sabe?", conta Silvana com a voz embargada. Ela decidiu que ficaria de qualquer forma com Meia Noite, e literalmente esvaziou o cofrinho para comprá-lo. Mais tarde, atualizou o post que havia feito no grupo de resgate de animais: "lasquei-me, tive que comprar o bode".

Poupança para peruca

O cofrinho a que Silvana recorreu para comprar Meia Noite já havia sido um pouco esvaziado uns dias antes, na verdade, quando ela resgatou o vira-latinha Osvaldo, um cachorro que havia sido maltratado e abandonado. Mas embora ele quase sempre servisse para isso - pagar os custos do resgate de animais - o dinheiro que Silvana guardava no cofre deveria ter uma outra finalidade: a compra da peruca que ela usaria no dia de sua formatura da faculdade.

Silvana se emociona ao recordar que frequentou boa parte do curso já sem os cabelos, que perdeu durante a quimioterapia. "Eu já estava acostumada a ficar sem cabelo, mas eu queria uma peruquinha simples para a formatura, só para a formatura. Concluí o curso no tratamento do câncer, foi muito difícil terminar, então pelo menos na minha formatura queria isso".

Mas a repercussão de sua história de adoção nada convencional se espalhou tanto que Silvana conseguiu não uma, mas mais de quarenta perucas, enviadas de todos os cantos por pessoas que se sensibilizaram. "Meu amor, eu ganhei peruca até dos Estados Unidos e do Canadá!". Silvana repassou o gesto de solidariedade adiante, e doou grande parte delas para outras mulheres que também precisavam.

Tudo isso, graças a sua história de amor por animais, não importa se cachorros, gatos ou bodes. "Eu sinceramente não ia conseguir comprar a peruca nunca, porque sempre aparece um cachorro, um gato, então se não fosse isso nunca ia dar certo".

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O bode e suas manias incomuns

A curiosidade sobre como é ter um bode de estimação é tão grande que a casa de Silvana virou quase um ponto turístico cidade litorânea, e muitas pessoas que ouvem falar da história aparecem por lá para tirar uma foto do Meia Noite. "Ele não pode ver um celular que já quer tirar foto", conta a dona, orgulhosa.

Diferente do susto que tomou ao ver o bicho pela primeira vez, Silvana hoje trata o bode com o mesmo afeto que dispensa aos outros pets, e o considera um bichinho de estimação assim como qualquer outro. Com as particularidades, é claro, de um bode. "É a mesma coisa, mas ele é um bode, então é genioso". No começo, Meia Noite convivia tranquilamente com os outros cachorros, mas hoje precisa ter um cantinho só dele e costuma aceitar bem a presença de apenas um dos seus irmãos, o Osvaldo - adotado poucos dias antes dele.

Além disso, o bode tem outras "exigências" e luxos que passam bem longe da ideia que temos de animais que normalmente vivem no campo. Segundo Silvana, o lugar onde ele fica dorme precisa estar sempre muito limpo, ou então ele se nega a deitar no tapete. Os banhos também costumam ser regra desde que ele chegou à casa, já que quando era menor ele deitava no sofá e até na cama com a dona. Para se ter uma ideia, um animal adulto pesa cerca de 50 quilos.

"Quando ele ficava dentro de casa, se eu não descesse para o térreo, ele subia para ficar junto comigo no quarto. Era muito bonitinho, porque nos dias que eu estava muito ruim por causa da quimioterapia e dos tratamentos, ele subia para ficar deitado comigo na cama", relembra. "É o meu parceirão", finaliza.

Thais Magalhães/CBF

A arara Pelé

A arara de Gabriel e Iago ficou famosa - ou ainda mais - há algumas semanas, quando invadiu um treino da seleção feminina de futebol, na Granja Comary, e pousou na cabeça da zagueira Bruna Benites. As fotos espalharam-se pela internet e viraram até alerta sobre as queimadas no Pantanal, já que a arara-canindé é uma das espécies nativas da região e que está ameaçada de extinção.

A repercussão, é claro, deixou muita gente curiosa sobre de onde veio, afinal, a arara de nome Pelé, que mora perto da casa da seleção e parece adorar a bola.

Algumas "coincidências" neste pacote não foram tão despropositais assim. Gabriel Hechtman, um dos pais da arara Pelé, tem uma casa em Teresópolis (RJ) muito próxima ao condomínio Granja Comary, sendo assim, ele sabia que ela passaria muito tempo por lá. Então, em uma conversa sobre qual nome dar ao bicho, surgiu a ideia.

"Estávamos na mesa de jantar e na hora meu pai falou 'Pelé'. Então sabíamos que seria isso, é o rei do futebol", conta Gabriel.

A coincidência real veio do fato da arara ser mesmo apaixonada pela bola: "Se algum dia você estiver na rua e levantar uma bola do que quer que seja, mesmo que pequena, e o Pelé estiver por perto, ele vai sair da árvore e vai pousar em você".

"Eu entendi que não dava para você ter um bicho desses preso. Uma arara na natureza voa 50 km ou mais por dia. Não importava o tamanho do viveiro, não seria suficiente"

Gabriel, o dono da arara

Arquivo pessoal

Gabriel divide sua paixão pelo bichinho com o namorado Iago Richard, que ajuda na criação e treinamento da arara desde que a buscaram em um criadouro autorizado pelo IBAMA, no ano passado. No entanto, antes de levar Pelé para casa, conta ter feito algumas reflexões importantes sobre ter um animal silvestre. Ele seria, afinal, capaz de proporcionar qualidade de vida a uma ave como essa?

"Eu entendi que não dava para você ter um bicho desses preso. Uma arara na natureza voa 50 km ou mais por dia. Não importava o tamanho do viveiro, não seria suficiente". Depois de pensar e se planejar sobre o assunto, ele e Iago foram buscar a arara com 45 dias de vida: "Chegou sem pena nenhuma, nem parecia uma arara", relembra com diversão. Mas já era, segundo ele, o animalzinho carinhoso e leal que é hoje.

Iago e Gabriel decidiram que criariam Pelé de um jeito diferente, de forma que ele pudesse voar livre e ter sua independência, mas ao final do dia soubesse como retornar para casa. Deu tão certo que a arara hoje assiste aos treinos da seleção e até frequenta praias sozinhas. Às 18h, invariavelmente, ele está de volta em casa, pedindo carinho e atenção.

"O treinamento não é para ele voltar, é para ele saber voltar"

Gabriel

100 dias de treino

Sabe o treinamento para cães com reforço positivo, em que os tutores oferecem um afago ou petisco depois que eles realizam uma tarefa para incentivá-los a repetir o bom comportamento? O treinamento que Gabriel proporcionou para Pelé desde filhotinho foi mais ou menos parecido com isso. Com as devidas adaptações para uma ave, é claro.

Desde que Pelé começou a bater as asinhas pela primeira vez, o dono começou a ensiná-lo a obedecer comandos dentro de casa, se afastando e pedindo que a arara caminhasse até ele, por exemplo. O carinho, no final, era a melhor recompensa que Pelé poderia receber! Aos poucos, Gabriel incentivava a ave a procurá-lo em outros cômodos da casa, sem enxergar e seguindo apenas a voz. E, por fim, resolveu levá-lo para áreas bem abertas, fora de casa, para que ele aprendesse a voar.

Contando assim parece um longo trajeto, mas Pelé aprendeu a voar e depois retornar aos donos em menos de 100 dias. E, aos poucos, foi sendo exposto a novos ambientes e paisagens, conforme criava maturidade e facilidade para encontrar os donos mesmo em ambientes mais cheios e com "obstáculos". "Você vai expondo com calma, mas é um processo rápido. Em quatro dias ele entende esses voos todos que pode fazer", conta Gabriel.

Apesar de confiar no treino que Pelé recebeu, os tutores tomaram alguns cuidados para que a ararinha encontrasse o caminho de volta para a casa em uma emergência. Além da anilha com o número de certificação que comprova que ele é um pássaro legalizado, Pelé carrega uma outra com o telefone de Gabriel. Assim, se alguém encontrá-lo perdido, pode ligar ao dono e devolvê-lo.

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Arara influencer

Pelé tem uma conta no Instagram com pouco mais de 3 mil seguidores, que foi criada com uma estratégia para deixar o animalzinho "conhecido" nas regiões em que sua família frequenta. "Em todos os lugares que Pelé circula tem sempre alguém para dizer 'não está perdido não, é o Pelé, ele vive solto e sabe voltar para casa'". As precauções, no entanto, são sempre pensadas para o caso de Pelé se perder, e nunca "fugir". "Ele fugir é impossível, o que pode acontecer é ele se perder, é diferente. Se o animal gosta de você, ele não foge, ele se perde". Por isso, explica, não tem medo nenhum de que Pelé não volte mais para casa. Sabe que se a arara se perder, estará procurando tanto por eles quanto eles por ela.

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Técnica para voltar

Gabriel conta que nas únicas duas vezes que Pelé se perdeu no último ano e meio, a estratégia dele foi voar o mais alto possível - o que não costuma fazer habitualmente - e gritar lá de cima, atento e esperando o chamado de alguém conhecido. Quando escuta Iago ou Gabriel, mergulha na mesma hora e tudo se resolve. Em uma dessas vezes, a arara perdeu os tutores de vista quando faziam uma trilha, e só foi encontrá-los de volta no dia seguinte, quando voltaram exatamente para o mesmo ponto onde haviam se desencontrado. Pelé estava lá no alto, voando em círculos esperando Gabriel e Iago retornarem, o que mostra que os treinos deram resultado e o animal está bem preparado para se virar.

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Parte do bando

Ter uma arara de pet é, em muitos pontos, parecido com ter outros animais como cachorros e gatos. Elas são bichos sociáveis e, por isso, muito carinhosos. Leais, não costumam abandonar a família. Mas uma característica em especial, destaca Gabriel, as difere muito dos cães.

Enquanto estes veem o dono como um líder, por estarem acostumados à convivência em matilhas nas quais apenas uma figura desempenha esse papel, as araras estão acostumadas a convivência em bando, onde todos têm a mesma importância. "O cachorro te vê como líder, a arara te vê como parte do bando", conta.

A relação de recompensa por meio de comida, importante para cachorros e até outras aves, como o gavião, em treinamento, também não se aplica às araras. Segundo Gabriel, Pelé volta para a casa não por conta de comida ou água - que ele até mesmo recebe na rua de outras pessoas - mas pela relação de afetividade que criou com a família, seu bando.

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O cachorro certo para a família certa

Sabe aquela história de que não é o humano que escolhe o cachorro, mas sim o contrário? Foi exatamente isso que aconteceu com o vira-lata Gui ao escolher a família de Alessandra Monegati.

Gui, que na verdade era chamado de Linguiça, é um cão com idade mais avançada, o que dificulta muito a adoção nas ONGs que cuidam de animais abandonados. Em um sábado despretensioso, Alessandra e a irmã visitaram o petshop Vito e Carmela com um amigo arquiteto que faria mudanças no local. Enquanto isso, outra família conheceria o cachorro. Ao abrir o portão, Gui foi direto para o colo da irmã de Alessandra. De lá, foi direto para a casa da mãe delas, Renata, de 80 anos.

"O Gui está com a gente há 1 ano e dois meses e deve ter por volta de uns 10 ou 11 anos. Do pet ele foi direto para a casa da minha mãe e parece que sempre morou lá", lembrou Alessandra.

Renata, que tem limitações para se locomover e usa um andador, ganhou um companheiro fiel. "O Gui anda no ritmo dela. Não dá trabalho nenhum, é super companheiro", conta.

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Família cresceu

Além do Gui, a casa de Renata tem mais duas cachorras: Malaquita, de 6 ou 7 anos, e Kelly, de apenas nove meses, as duas da raça Dachshund. A "Mama" na verdade ficaria com Alessandra, mas Renata gostou tanto de ter a companhia da cachorra que avisou que não deixaria ela sair mais de casa. Já a filhote precisou passar por cuidados médicos após quebrar uma das patas e também foi acolhida pela família de Alessandra, que se prontificou a cuidar da cachorrinha durante a recuperação.

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Grata surpresa

Gui era cuidado por um guarda em um terreno em São Paulo quando ainda se chamava Linguiça, e Alessandra soube que ele seria colocado na rua em uma segunda-feira após a demissão do funcionário. Na terça, ele foi resgatado pela ONG Recanto Bicho Feliz, castrado no dia seguinte e no sábado conheceu a família que o acolheu. "Fui para ver uma obra e ele escolheu a minha irmã. Fiz tudo sem passar pela minha cabeça que ele fosse ficar na nossa casa", lembrou.

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