Opinião

Representatividade feminina: o que o STF pode aprender com Claudia Goldin

Claudia Goldin, renomada professora da Universidade Harvard, conquistou o Prêmio Nobel de Economia em 2023 por seus estudos relacionados à condição das mulheres no mercado de trabalho, tornando-se a terceira mulher a receber o prêmio desde sua primeira edição, em 1969.

A professora tem inúmeros estudos relevantes, mas nesse artigo destacaremos sua pesquisa publicada na revista American Economic Review em setembro de 2000 que trouxe à tona questões cruciais sobre igualdade de oportunidades e representatividade de gênero, ao estudar critérios usados em entrevistas para audição e seleção de músicos para o ingresso em orquestras nos Estados Unidos.

No estudo clássico de Claudia em colaboração com Cecilia Rouse, as pesquisadoras investigaram como audiências às cegas afetaram a probabilidade de contratação de músicas mulheres em orquestras. Antes da implementação dessas audiências, as entrevistas eram realizadas presencialmente, com os entrevistadores avaliando a pessoa dos candidatos, o que resultava em uma maioria absoluta de homens obtendo êxito nas entrevistas e sendo contratados para as orquestras.

No entanto, ao implementar audiências às cegas, isto é, com entrevistadores que tão somente escutam os músicos, sem vê-los ou saber se se tratam de homens ou mulheres, aumentou substancialmente a probabilidade das musicistas avançarem nas seleções. As chances de contratação de mulheres aumentaram tanto que, na década de 1940, elas equivaliam a 10% dos integrantes de orquestras, e, ao final do estudo, passaram a ser 39% do total dos integrantes.

É possível compreender que a igualdade de oportunidades é alcançável, desde que primeiramente haja a transparência em compreender que de fato existe um viés de gênero, e força de vontade para reconhecê-lo e corrigi-lo.

O resultado do estudo realizado nos leva a conjecturar sobre como extrapolar essa lógica para outros contextos, nos quais o impacto de vieses, muitas vezes inconscientes, é relevante.

No contexto brasileiro, torna-se imperativo discutir a importância da representatividade no Supremo Tribunal Federal que apresenta total desequilíbrio em termos de gênero e raça. Desde sua fundação em 1891, o Supremo Tribunal Federal contou com a nomeação de apenas três ministras: Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ellen Gracie.

Agora, em 2023, com uma composição de dez homens e apenas uma mulher e com a possível nomeação de mais um homem branco para o cargo de ministro, estamos diante de um retrocesso de mais de 23 anos, que deixará apenas uma ministra em atividade.

O Brasil conta com 89,6 milhões de mulheres com 14 anos ou mais, das quais 47,9 milhões fazem parte da força de trabalho. Assim, as mulheres constituem uma parcela considerável da população brasileira, e é fundamental que tenham uma voz no STF que envolva não apenas o comprometimento com suas causas, mas também a efetiva representatividade de sua condição.

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É importante enfatizar que a representatividade não é apenas uma questão de gênero e raça, mas também de experiência de vida e perspectiva. A diversidade de opiniões e experiências enriquece a tomada de decisões em qualquer órgão de poder, incluindo o STF. Somente através de uma abordagem inclusiva e abrangente poderemos alcançar um sistema judicial que verdadeiramente reflita a diversidade e as necessidades da sociedade brasileira.

Além disso, a ocupação de cargos de poder, por mulheres, influencia as gerações atuais e futuras em suas próprias escolhas de educação e carreira. Como compreendido do estudo de Claudia, se as expectativas das jovens mulheres forem moldadas pelas experiências das gerações anteriores, cabe às gerações atuais fornecerem experiências positivas e lideranças efetivas que levem ao progresso das mulheres no mercado de trabalho como um todo.
Mas o que leva uma parcela majoritária da população brasileira a não ser proporcionalmente representada nos lugares de poder? Será que foram os mesmos que não deixavam as musicistas tocarem nas orquestras?

Dentre outras questões, como o machismo e o racismo estruturais, é importante reconhecer que os critérios de escolha e indicação, os quais englobam os métodos de seleção de candidatos, ainda estão pautados por tendências que dificultam a ocupação dos cargos de liderança e as escolhas são feitas pelos homens brancos que continuam ocupando esses espaços, majoritariamente.

Uma proposta que poderia iluminar os critérios de seleção com fins de melhorar a representatividade em cargos de poder é a aplicação de entrevistas às cegas, inspirada no estudo de Claudia, com foco exclusivo na qualificação das candidatas.

Assim como as audiências às cegas reduziram o viés de gênero na seleção de músicos, essa abordagem poderia afastar preconceitos de gênero e raça, ao focar apenas nas qualificações dos candidatos. É possível supor que, semelhantemente ao que ocorreu na composição das orquestras estudadas, se a sociedade com um todo reconhecer e buscar corrigir posturas enviesadas, daqui para frente e dentro de alguns anos teremos resultados diferentes na constituição dos espaços de poder do Brasil?

Além da aplicação de entrevistas às cegas outra abordagem que merece consideração é o estabelecimento de metas concretas para a representatividade no Poder Judiciário. As mulheres representam atualmente 55,2% das matrículas em cursos de direito, e quase 54% das advogadas. Também representam 38% da magistratura no Brasil. Por que essas mulheres não são alçadas aos postos mais elevados do judiciário brasileiro?

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Estabelecer metas específicas para a inclusão de mulheres e pessoas negras nessa esfera de poder nos fornece um caminho tangível para a mudança. Quando aplicadas aos cargos de poder em todo o Poder Judiciário, e mesmo no Supremo Tribunal Federal, seu órgão máximo, as políticas afirmativas têm o potencial de diversificar a composição do tribunal e garantir que diferentes perspectivas estejam presentes nas decisões judiciais, ou seja, efetivar o poder da representatividade.

A pesquisa de Claudia nos mostra que o viés de julgamento existe, mesmo que não o reconheçamos completamente. No contexto do Supremo Tribunal Federal brasileiro, é essencial abordar essa questão e trabalhar para corrigir desequilíbrios de gênero e raça.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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