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Presidente recebeu nova reclamação por conta das regalias que serão dadas à Fifa

Presidente recebeu nova reclamação por conta das regalias que serão dadas à Fifa

03/10/2011 - 16h58

Idec envia carta e pressiona governo contra pedidos da Fifa para mudar legislação

Do UOL Esporte
Em São Paulo

O governo federal continua enfrentando resistência de diversos setores por conta das mudanças que devem ser implantadas em virtude da Copa do Mundo de 2014. Desta vez, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) anunciou que enviou uma carta nesta segunda-feira a presidente Dilma Rousseff. A entidade reclama de alguns pontos da Lei Geral da Copa, que tramita na Câmara.

Segundo comunicado do Idec, as críticas são em virtude das possíveis mudanças no Estatuto do Idoso, no Estatuto do Torcedor, no Código de Defesa do Consumidor, além da política estadual de meia-entrada a estudantes. Todas essas alterações seriam realizadas durante o Mundial para atender os interesses comerciais da Fifa.

“A tentativa de ‘invalidação’ do CDC é ainda mais preocupante, pois se dá através do próprio texto do PL 2.330/11 [Lei Geral da Copa], enviado ao Congresso no mês de setembro”, diz o comunicado do Idec.

Na última semana, o ministro do Esporte, Orlando Silva Júnior, confirmou que a Fifa fez um pedido ao governo federal para que anulasse temporariamente os estatutos do Idoso e do Torcedor, além do Código de Defesa do Consumidor. O político, no entanto, negou a intenção de conceder esse benefício à entidade que comanda o futebol mundial.

Nesta segunda-feira, a presidente Dilma Rousseff teve uma reunião com representantes da Fifa, em Bruxelas, na Bélgica. Após o encontro, o governo brasileiro admitiu que poderá rever alguns pontos da Lei Geral da Copa para saciar os desejos da entidade que comanda o futebol.

Leia a carta enviada a presidente:

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) – associação de consumidores criada em 1987, sem fins lucrativos, atuante com independência política e econômica na defesa do consumidor -, diante das recentes notícias veiculadas pela imprensa acerca de eventuais retrocessos no que tange à restrição de direitos sociais, especialmente de direitos dos consumidores, em virtude da realização da Copa do Mundo de 2014 sediada no Brasil, e em decorrência do envio do Projeto de Lei n. 2.330/2011 (PL 2.330/11 - Lei Geral da Copa), manifesta sua preocupação e requer que V. Exa. leve em conta os seguintes pontos referentes à necessária proteção aos consumidores brasileiros.

Esse Instituto entende a importância e a excepcionalidade de um evento como a Copa do Mundo de Futebol, a ser sediada em nosso País no ano de 2014. No entanto, é inaceitável que qualquer evento, de cunho desportivo ou de qualquer natureza, justifique o descumprimento de direitos e garantias constitucionais, viole conquistas sociais e afronte as leis nacionais vigentes. Tampouco espera-se que o Governo Federal, responsável por propiciar as condições para o pleno exercício democrático da cidadania, apoie iniciativas que afrontem tais direitos, principalmente através de um iniciativa legal que trará sérias consequências para a população.

As últimas declarações públicas do Governo apontam para a possibilidade do afastamento de direitos historicamente conquistados, como o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), o Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei 10.671/2003), as leis estaduais de meia-entrada para estudantes e, especialmente, o Código de Defesa do Consumidor (CDC - Lei 8.078/90) durante o ano de realização da Copa. A tentativa de "invalidação" do CDC é ainda mais preocupante, pois se dá através do próprio texto do PL 2.330/11, enviado ao Congresso no mês de setembro pelo Executivo. O PL elenca dispositivos que conflitam diretamente com direitos, garantias e princípios expressamente previstos no CDC. Sua aprovação, portanto, além de levar a uma norma com significativo potencial de inconstitucionalidade, extrapola a própria lógica de preservação da ética e da boa-fé nas relações de consumo.

Preliminarmente, é preciso ter claro que o torcedor que irá aos jogos é, antes de tudo, um consumidor. Um torcedor-consumidor, que deve se valer do CDC para ter seus direitos respeitados. No entanto, o PL 2.330/11 nem ao menos considera o CDC como diploma legal subsidiário à Lei da Copa. Seu art. 42 reforça a preocupação em compatibilizar o texto com legislações de propriedade intelectual, mas esquece da necessidade de aplicação do CDC para proteção da parte vulnerável e hipossuficiente das relações estabelecidas durante os eventos: o consumidor-torcedor. Além disso, o Projeto dedica um capítulo inteiro aos poderes exclusivos que a FIFA passa a ter na venda dos ingressos, o que obviamente alça a instituição à posição de fornecedora de produtos e serviços, conforme o art. 3o, do CDC. Com isso, obviamente ela se torna responsável pelos danos causados aos consumidores, tendo a obrigação de repará-los. Contudo, não é feita qualquer menção à sua responsabilidade.

De outro lado, o PL carrega na responsabilização dos indivíduos, misturando sanções civis e penais e ampliando as penas já previstas na legislação nacional. Traz também dispositivos que possibilitarão inúmeros desrespeitos ao consumidor. Os artigos 32 e 33, por exemplo, dão plenos poderes à FIFA para estabelecer preço e condições de cancelamento, devolução e reeembolso de ingressos, além da modificação unilateral nas condições dos serviços, como cancelamento e remarcação de assentos e mudança de datas e horários, sem qualquer menção a justificativa ou aviso prévio aos torcedores. Além de ferir o direito básico à informação (art. 6o, III, do CDC), esses dispositivos podem levar a diversos transtornos logísticos aos consumidores que poderão não ser recuperados em virtude do curto período de tempo do evento. Esse tipo de previsão dá margem para práticas e cláusulas abusivas na aquisição dos ingressos.

O inciso II, do art. 33, é especialmente preocupante. Ele dá poderes à FIFA para determinar a venda avulsa ou conjunta dos ingressos, sem estabelecer, entretanto, os critérios para isso. Na prática, esse dispositivo permite que ocorra um dos principais problemas dos consumidores brasileiros: a venda casada. Considerada prática abusiva pelo art. 39, I, do CDC, com o texto do PL, a obrigatoriedade de aquisição de um produto para conseguir outro (como em combos e pacotes) ganhará respaldo legal para ocorrer durante dos eventos da Copa. Caso existam reclamações, o litígio irá para o Judiciário que, por óbvio, não conseguirá julgar o pleito em tempo hábil para o consumidor usufruir devidamente dos jogos comprados. Além disso, o PL permite que a FIFA estipule uma cláusula penal em seus contratos com os torcedores-consumidores em caso de desistência ou cancelamento do ingresso adquirido, "independentemente da forma ou do local da submissão do pedido ou da aquisição" (Art. 33, III). Isso significa que a FIFA pode imputar penas (como prisão e multa) ao consumidor que, por exemplo, exerça seu direito, garantido pelo art. 49 do CDC, de se arrepender da compra em sete dias (caso ele a realize através da Internet, onde deverá ser vendida a maioria dos ingressos).

Por fim, o projeto da Lei Geral da Copa se omite em questões essenciais, como a proibição da publicidade enganosa e abusiva e quebra um dos pilares da defesa do consumidor, que é o equilíbrio nas relações de consumo: atribui poderes supralegais à FIFA, que passa a ser o único fornecedor eximido de obedecer à normas nacionais vigentes durante o período da Copa.

O Idec entende que o PL 2.330/2011, tal como se encontra, e os recentes apontamentos sobre a possível flexibilização de direitos sociais para atender à excepcionalidade da Copa, além de irem contra direitos assegurados pela Constituição, significam um retrocesso na defesa dos consumidores brasileiros,

há mais de 20 anos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim, solicitamos que o Executivo seja firme na defesa das leis e normas vigentes e, assim, reveja o texto da Lei Geral da Copa, de maneira a garantir sua plena compatibilização com os direitos dos consumidores e com todos os direitos sociais da população brasileira.

Lisa Gunn

Coordenadora Executiva do Idec

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