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  17/03/2005 - 12h18
Rio de Janeiro: pródigo em craques e encrenqueiros

Bernardo Calil, do Pelé.Net

RIO DE JANEIRO - "Capital do sangue quente do Brasil, capital do sangue quente do melhor e do pior do Brasil". Os versos de Fernanda Abreu revelam o "Rio 40 graus, purgatório da beleza e do caos" do dia-a-dia, mas estão perfeitamente de acordo com uma das maiores, senão a maior, paixão dos cariocas: o futebol.

Quando a bola rola na Cidade Partida, só o Cristo Redentor sabe o que pode acontecer. Dos dribles maravilhosos, chutes indefensáveis e passes na medida até tapas, socos e pontapés, sem pé, mas, principalmente sem cabeça.

O caso mais recente teve o Maracanã como palco. Como bom carioca, Felipe não poderia ter escolhido lugar "melhor". Depois de desferir um soco no rosto de um atleta do Campinense, sob os holofotes atentos das câmeras de TV, o craque de bola, revelado pelo Vasco, com passagem marcante pelo Flamengo e recém-chegado às Laranjeiras, curtirá os próximos seis meses sob o sol escaldante das praias do Rio, longe dos gramados.

"Foi um ato impensado. Estou muito triste e decepcionado comigo. Isso nunca mais vai acontecer. Agora, se alguém me bater, vou dar o outro lado para apanhar mais", disse o meia.

O problema é esse "agora". Se fosse há dois anos, quando saiu no tapa com Simão, do Guarani, e pegou um gancho de três jogos, ou em 2004, quando se desentendeu com o volante Túlio, do Botafogo, o "reincidente" não estaria em sua ficha e o julgamento, desta vez, poderia ser outro.

Falando no Glorioso, e já que o assunto é reincidência, nada há de mais verdadeiro do que a velha máxima "Tem coisas que só acontecem com o Botafogo". Pelo menos é o que dizem os mais antigos, que viram Heleno de Freitas jogar e, literalmente, enlouquecer dentro de campo.

Amado pelas puras e inocentes meninas cariocas da década de 40, seu estilo galã de cinema aliava-se aos lances mágicos pelo Alvinegro, clube do qual é o quarto maior artilheiro, com 204 gols.

Apelidado de Gilda pelos adversários, em alusão à personagem de Rita Hayworth, por causa do estilo pomposo, porém temperamental, Heleno acabou sofrendo grave doença degenerativa no cérebro, tal qual a atriz, e morreu aos 39, cinco anos depois de encerrar a conturbada carreira, que incluiu agressões a adversários e discussões com companheiros, já sob efeito do mal que o acometia.

Se o craque de General Severiano foi o pioneiro no quesito jogador-problema, outro que deixou sua marca - na história e nos adversários - foi Almir, apelidado de Pernambuquinho, meia que jogou no Rio no fim da década de ouro (1950) e nos anos 60.

Certa vez, na ocasião da final do Estadual do Rio de 1966, Almir afirmou com todas as letras que, jogando pelo Flamengo, o Bangu não daria a volta olímpica. E não deu.

Depois de fazer 3 a 0, o time da zona oeste tocava a bola para os gritos inflamados de olé da torcida. Irritado, o jogador partiu para a agressão aos adversários e armou uma grande bulha. Os banguenses levantaram a taça, mas a promessa estava cumprida. Enfezado dentro e fora de campo, Almir acabou morto em uma briga de bar, em Copacabana, em 1973.

A Princesinha do Mar já viu e ouviu de tudo nessa vida, mas nada parecido com um fenômeno, que chegou a jogar ali perto, na Gávea, mas tem sangue e pele cruz-maltina. Hors-concours na arte de fazer besteira, alguns o comparam a uma fera. Outros, chamam apenas de Animal.

Edmundo não se contenta com pouco. Tanto para o mal quanto para o bem. Aliás, mais antagônico do que ele, é difícil. Um dos maiores ídolos de todos os tempos de Palmeiras e Vasco, artilheiro, campeão brasileiro e, para muitos, melhor jogador do mundo em 1997, a ficha do craque nos tribunais tem o tamanho exato do seu futebol.

Ainda nos juniores, o carioca da gema foi dispensado do Botafogo por andar nu na concentração. Acolhido por Eurico Miranda, em São Januário, se destacou no Vasco em 1992 e foi vendido pra o Verdão do Parque Antarctica no ano seguinte. Passou ainda por Corinthians, Flamengo, Cruzeiro, futebol italiano e japonês e seu último recanto foi Fluminense, em 2004.

No seu histórico, começo de briga generalizada contra o São Paulo e discussões com companheiros de clube e técnicos. Os árbitros também eram grandes alvos. Certa vez, em um jogo em Natal, contra o América-RN, Edmundo foi expulso e, na saída, vociferou: "A gente vem na Paraíba, bota um Paraíba para apitar, só pode dar nisso."

O atacante chegou a ficar detido no Equador por agredir um cinegrafista ao sair do gramado e provocou um acidente automobilístico em 1995, que deixou três mortos. Depois disso, teve que aturar a cada jogo as torcidas adversárias o chamando de assassino. Esquentado, as provocações, às vezes, funcionavam.

Amado e odiado, ele virou o "assassino de Urubu" para a torcida vascaína. Nos dois clubes rivais, viveu às turras com Romário, outro que, de santo, não tem nada. Na Fiorentina, da Itália, foi mandado embora depois de abandonar o clube para pular o carnaval no Rio de Janeiro.

Mas a folia custou caro. Na Seleção, chegou a vencer uma Copa América, mas na Copa do Mundo de 1998, no auge da carreira, acabou ficando no banco de reservas.

Aquele Mundial também não trás boas recordações para um outro "encrenqueiro de marca maior", como costumam dizer os cariocas. Este não nasceu no Rio, mas a alma e o espírito já estão arraigados.

Júnior Baiano era o "Rei das Tesouras Voadoras" no Flamengo do começo da década passada. Quando foi para o São Paulo de Telê Santana amansou, mas seu estilo polêmico nunca deixou de aflorar.

Foi pego no exame anti-doping na final da Copa João Havelange, entre Vasco e São Caetano, com traços de cocaína na urina e disse, ao invés de negar ou admitir a culpa, que a droga havia sido colocada na sua comida. Outro episódio marcante foi a vez em que saiu de campo em um jogo do Tricolor paulista apontando através de sinais que o árbitro Oscar Roberto Godoy estaria bêbado.

Nostálgico, o zagueiro resolveu lembrar do começo da carreira e já aprontou das suas duas vezes desde a volta ao Flamengo, em 2004. Em janeiro último, observando a qualidade duvidosa das contratações da diretoria, Baiano afirmou que o Rubro-Negro seria a quarta força do Rio em 2005. E achou a declaração totalmente normal.

"Puxão de orelha, por quê? Não falei nada de errado e não estou em uma prisão. As outras equipes contrataram e o Flamengo não. Saíram grandes peças como Felipe, Jean e Athirson e não supriram as ausências. Não falei para magoar ninguém. Mas se for pelo papel, vamos disputar o quarto lugar no Estadual", disse Júnior Baiano ao Pelé.Net., na época.

Nesta quarta, o jogador foi punido pelo TJD-RJ (Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro) com cinco jogos de suspensão por ter feito gestos com as mãos reclamando de estar sendo roubado, ao sair de campo no jogo contra o Volta Redonda, apitado pelo árbitro Wagner Tardelli. Pelo visto, a calma típica dos baianos ficou de vez no passado.

Craque encrenqueiro o Flamengo faz em casa
Jorge Benjor, pura encarnação da alma do Rio de Janeiro, já cantava em verso e prosa que o verdadeiro carioca é Flamengo e tem uma nega chamada Teresa. O Rubro-Negro tem mais encrenqueiros em sua história recente.

O Fla-Flu disputado em 13 de julho de 1993, pela Copa Rio-São Paulo, no Caio Martins - uma heresia - ilustra bem o fato. Em campo, a última das grandes gerações de craques que o time da Gávea revelou. Dentre eles, Djalminha, filho de Djalma Dias. Na época com 23 anos, o habilidoso e marrento meia simplesmente encarou o grandalhão Renato Gaúcho, chegando às vias de fato com um dos grandes ídolos rubro-negros na época. Foi a gota d'água de uma série de desentendimentos anteriores.

O episódio decretou a saída do craque do clube e a imagem de problemático que carregou até o fim da carreira, anunciada mês passado.

Com temperamento explosivo e acusado de ser desagregador, Djalminha perdeu a chance de sua vida ao discutir e dar uma cabeçada no técnico Javier Irureta, do La Coruña, clube que o consagrou na Europa, e ser punido pela comissão técnica da Seleção Brasileira com a não convocação para a Copa do Mundo de 2002, na Ásia.

Sem rumo, aventurou-se pelo México e Áustria e acabou sendo campeão mais uma vez. Resolveu encerrar a carreira sem atuar novamente em clubes brasileiros, mas adotou a Cidade Maravilhosa como moradia, ainda que não tenha sangue carioca.

Para o Rio, na verdade, isso nunca importou. Seja baiano, pernambucano ou paulista, a cidade acolhe, como talvez, nenhuma outra. Sem perguntar antecedentes.

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