Violência no Rio

Bandeira do governo do RJ, UPPs enfrentam crise em meio a corrida eleitoral

Silvia Baisch

Do UOL, no Rio

  • Fábio Gonçalves/ Agência O Dia/ Estadão Conteúdo

    Policiais militares realizam uma operação no morro São João, zona norte, na última sexta (10)

    Policiais militares realizam uma operação no morro São João, zona norte, na última sexta (10)

Projeto tido como modelo em segurança pública pelo governo do Rio de Janeiro, as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) enfrentam um momento conturbado desde o início deste ano, com ataques de criminosos a policiais e contêineres da PM e mortos e feridos em trocas de tiros. Às vésperas do primeiro turno das eleições, os confrontos em comunidades com UPP, principalmente na zona norte da capital fluminense, ficaram mais frequentes e, a menos de 15 dias para o segundo turno, o clima é de tensão em muitas delas.

Os conflitos ficaram mais intensos na semana anterior ao primeiro turno. Desde o dia 30, pelo menos quatro pessoas foram mortas em confrontos em áreas com UPPs --uma na Maré, uma na Vila Cruzeiro e duas no Alemão-- e ao menos 12 ficaram feridas. De acordo com a assessoria de imprensa da UPP, sete policiais militares lotados em UPPs foram mortos em serviço neste ano.

Na noite do dia 30, houve tiroteios e mortes no complexo da Maré, na Vila Cruzeiro e no morro da Mangueira, na zona norte. No dia seguinte, foram registrados pontos de conflito nos complexos do Caju e da Maré, também na zona norte do Rio, e no morro do Cavalão, em Niterói, com registros de mortes, feridos, prisões, ônibus queimado e tanques do Exército fechando a avenida Brasil --uma das principais vias do Rio de Janeiro-- em plena tarde de quarta-feira.

No domingo (5) de votação, policiais militares da UPP Camarista Méier, no Complexo do Lins (zona norte), trocaram tiros com criminosos perto da Estrada Grajaú-Jacarepaguá e, no dia seguinte, um PM foi baleado na cabeça. No dia 7, PMs trocaram tiros com criminosos no Lins, em uma operação com mais de 200 homens da polícia, que deixou as escolas da região sem aulas por dois dias.

Violência no Rio de Janeiro em 2014
Violência no Rio de Janeiro em 2014

Nas redes sociais e em sites independentes, muitas são as queixas com relação a instalação de unidades pacificadoras, especialmente nas favelas que compõem o Complexo do Alemão. "Essa UPP já passou dos limites", diz um morador do Alemão no Facebook. "Estamos caminhando ladeira abaixo. Estamos vivendo cada dia pior que o outro, tendo que desviar de tiroteios todos os dias. Tá complicado!", conta outro morador da mesma localidade. "Já tá virando rotina. A verdade é que nessa comunidade não dá mais nem pra ficar segura dentro de casa", compartilhou uma moradora da Vila Cruzeiro.

Questionado pela reportagem do UOL se estava arrependido de não ter convocado a Força Nacional para o primeiro turno e se pretendia fazê-lo para o segundo, o governador  e candidato à reeleição, Luiz Fernando Pezão (PMDB), disse que as inteligências das polícias e da Secretaria de Segurança estão atentas a qualquer tipo de movimentação, independente da motivação.

"São elas que estabelecem, tecnicamente, o seu parecer sobre as questões de segurança do Estado. Assim vem sendo feito desde que o atual governo assumiu em 2007, sem que haja qualquer tipo de acordo com quem quer que seja".

O projeto foi criado em 2008, durante a gestão de Cabral, e há no Estado 38 UPPs: 37 na capital e uma em Duque de Caxias (Baixada Fluminense). Desde 2013, elas são alvo de ataques de grupos criminosos, que se intensificaram em 2014.

"Período instável e de violência"

De acordo com o coordenador do LAV (Laboratório de Análise da Violência) da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), o sociólogo Ignacio Cano, as UPPs passam por uma crise –e não é de agora. "Vem acontecendo há um bom tempo, pelo menos um ano e meio. Mas é verdade que já é uma tradição conflitos ocorrerem nessa época de eleição, que é um período instável e de violência", afirmou.

Para o professor de ciência política da UFF (Universidade Federal Fluminense), Carlos Sávio Teixeira, a crise das UPPs é apenas um elemento num contexto de dificuldades mais amplo em torno da candidatura de Pezão.

Eleições 2014 no Rio de Janeiro
Eleições 2014 no Rio de Janeiro

"É um candidato com apoio extraordinário: 18 partidos no primeiro turno, apoios indiretos no segundo, 83 dos 92 prefeitos do Estado. Aliado a isso, o índice de rejeição enorme de [Anthony] Garotinho [PR]", enumera. "Apesar desse quadro, o desempenho no primeiro turno foi fraco, Pezão não deslanchou. A interpretação que deve ser feita é o quanto o legado de Cabral [ex-governador, do qual Pezão foi vice] tem pesado, do ponto de vista eleitoral."

Em suas propostas de governo, caso reeleito, Luiz Fernando Pezão promete implantar mais 50 UPPs em todo o Estado –atualmente, são 38 unidades. Ao UOL, o candidato disse que o programa continuará como uma marca de sua gestão.

"Levaremos a pacificação para todas as regiões do Estado: na Baixada Fluminense, na Região Metropolitana e no interior. Teremos mais 1.600 policiais militares até o fim de dezembro", afirmou.

Questionado sobre uma possível crise do modelo, o governador admite a existência de problemas, mas afirma que o saldo positivo é infinitamente maior. "Nunca tivemos a ilusão de que o tráfico não iria reagir ao processo de pacificação das comunidades. O importante é deixar claro que não vamos recuar na pacificação".

Para o sociólogo Ignacio Cano, é preciso resgatar o projeto, começando por uma avaliação, que ainda não foi feita. "Não temos um contramodelo melhor que esse. Mas o programa nunca passou da fase de presença policial. É preciso melhorar a relação entre polícia e comunidade", afirma o coordenador do LAV. "As prioridades da comunidade não são as da polícia. A UPP não é uma polícia comunitária."

Durante o primeiro debate na TV rumo ao segundo turno, realizado na última quinta-feira (9), na Band, o candidato Marcelo Crivella (PRB) concordou que as UPPs são um avanço, mas disse que foram instaladas sem planejamento em muitas áreas.

"Acho que esse governo avançou com as UPPs, mas sabotou por desespero por votos. O problema também é do mau exemplo dos políticos. Não dá quando a cúpula está envolvida em escândalos", disse. "Não dá para dar exemplo aos policiais."

Para o cientista político Carlos Sávio Teixeira, a forma como essa crise das UPPs afetará o desempenho da candidatura Pezão depende da conjugação de outros fatores, como os debates, já que esses fatos entram num fluxo de comunicação.

"Mas, sem dúvida, esse é um momento a ser aproveitado por Crivella. Observar que a política é acertada e no que o governo descuidou. O candidato é bem sucedido quando transforma as informações em sentimentos, já que a maioria da população não tem acesso aos dados", afirmou Teixeira. Crivella foi procurado pelo UOL, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.

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