Na cidade menos digital do Brasil, sobram eleitores e faltam computadores
Rodrigo Bertolotto
Do UOL, em Aroeiras do Itaim (PI)
A tarde termina, a quentura dá uma trégua, e os moradores de Aroeiras do Itaim sentam na calçada para tomar a fresca. Nesse momento, o único que tem um notebook no colo é Jeová Moura, o farmacêutico da cidade cravada no sertão do Piauí, a 337 km de Teresina. "Esse é o melhor meio de comunicação que existe. Me informo sobre tudo por aqui", sentencia Jeová, usando o Wi-Fi e a senha cedidos pelo sindicato dos trabalhadores rurais, vizinho de sua farmácia. Ele é a exceção que comprova a regra.
Sua frase seria banal se não fosse pronunciada na cidade menos digital do país, com apenas 0,44% das casas dispondo de computador segundo o IBGE. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e seu Censo 2010, a localidade piauiense lidera o ranking nacional dos municípios com menor presença de computadores e acesso à internet.
Se faltam computadores, sobram eleitores na cidade. Aroeiras do Itaim tem 640 eleitores a mais que o total de seus habitantes. Isso mesmo: são 2.441 almas vivendo em seu território segundo o IBGE, mas 3.081 votantes têm domicílio eleitoral por lá segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
No Estado, é campeã nessa disparidade. No Brasil, está na 19ª colocação (o primeiro lugar disparado é de Oliveira de Fátima, em Tocantins, onde os eleitores são quase o dobro dos moradores). Esse fenômeno se repete em 305 dos 5.570 municípios brasileiros e acontece em todas regiões do país.
"Em dia de eleição, vejo por aqui gente que nunca vi na vida", relata o desempregado Gilson Ignácio. "É uma multidão de gente. A cidade até lota", ecoa o comerciante Givaldo Santana. A placa na saída da cidade diz "Volte Sempre a Aroeiras do Itaim" e parece até uma mensagem direta para o bando que a cada dois anos aporta por ali no primeiro domingo de outubro para votar.
Emancipada da cidade de Picos em 2005, a cidade sofreu uma revisão de eleitores já em 2007. O primeiro prefeito, Gilmar de Deus, foi preso por desvio de verbas federais. Sobrinho dele, Wesley de Deus (PTB) se elegeu em 2012 por uma diferença de 51 votos e sofreu processo por compra de votos. No final, foi absolvido, mas ficam as suspeitas de transferência irregular de votantes.
"Vem muita gente de Picos, e a prefeitura daqui forja atestados que as pessoas têm vínculo com a cidade. Cheguei a ser ameaçado pelo grupo político que está no poder por denunciar isso", conta o aposentado João Macedo, que atuou com fiscal nesse processo. Encontraram até 50 eleitores que vinham da capital Teresina.
A relação normal é que o total de eleitores gire em torno de 75% do total de habitantes. A situação não é ilegal, afinal, o conceito de domicílio eleitoral do TSE aceita vínculos profissionais, patrimoniais, familiares ou simplesmente afetivos do eleitor com a cidade.
Cidade pula direto para a internet móvel
Como no mundo todo, vínculos afetivos é o que os jovens de Aroeiras do Itaim buscam com seus smartphones. "Uso muito o WhatsApp e o Instagram, mas a maioria dos meus amigos virtuais é de Picos. Aqui quase ninguém tem internet", define Gerdane Moura, filha de um feliz cliente de linha de internet. Seu pai é o dono do mercadinho da cidade e um dos cinco usuários particulares da rede mundial de computadores por lá.
A prefeitura obviamente não tem um site oficial, mas conta com com conexão em nas duas escolas urbanas do município e em duas secretarias (Educação e Saúde). Já o ponto na casinha amarela que é a sede municipal tem um roteador que possibilita o Wi-Fi público. A cada sinal escolar, os alunos lotam a calçada em frente da prefeitura para usar a conexão 2G, a única disponível por lá pela Oi, a concessionária da telefonia fixa na localidade.
Um deles é Domingos Silva, estudante e entregador do mercadinho. Ele encosta sua moto e começa a navegar no celular. Domingos é a síntese do salto tecnológico por lá. Assim como o sertão nordestino trocou o jegue pela motocicleta, a região entrou na era da internet móvel sem ter visto a era dos PCs, desktops e tais. O conceito de mobilidade produziu por lá manadas de jegues soltos na paisagem, pacatas vilas sonorizadas pelo barulho das motos e jovens conectados pelo celular que nunca sentaram na frente de um computador. O mesmo fenômeno acontece atualmente em áreas pobres da América Latina, África e Ásia.
Por outro lado, se é preciso usar a internet para alguma burocracia ou pesquisa mais intensa de informações, o jeito é pegar a rodovia PI-379 e atravessar os 27 quilômetros até uma lan house de Picos, a principal cidade da região. "Sem internet você não vive, vai empurrando a vida", resume o comerciante Givaldo Santana. A infovia de Aroeiras do Itaim ainda é a estrada recém-asfaltada que corta a caatinga que a secura tinge de dourado sua vegetação e de cobre suas pedras.
Muitos moradores da cidade se queixam que a telefônica Oi não disponibiliza internet para novos clientes e quando faz o serviço é muito instável. Por seu lado, a empresa argumenta por meio de sua assessoria de imprensa que a oferta é normal ("mediante uma análise prévia e da infraestrutura do endereço"), que não há registro de problemas no serviço e que não detem a exclusividade da internet, afinal, sua concessão apenas é da telefonia fixa.
Em Aroeiras do Itaim não há agência bancária nem delegacia. Por lá, os candidatos desta eleição só chegam em santinhos, pelo rádio e pela TV. A intensa campanha digital dos presidenciáveis passa despercebida, com seus militantes virtuais e sua rede de intrigas. Ninguém está no blog da Dilma, no Facebook da Marina ou no Twitter do Aécio. Só o Jeová, em frente à farmácia, lê uma notícia sobre as pesquisas de opinião, mas logo muda de assunto. "Olha a foto que eu postei", diz, mostrando uma foto da equipe do UOL zanzando pela cidade. Agora, o sertão espera pelas nuvens no céu e na web.