Da produção maior a custo menor, o que leva as montadoras a optarem por Brasil ou Argentina
Da Auto Press
Vistos como um mercado unificado a partir da eliminação dos impostos de importação com a implementação do Mercosul, Brasil e Argentina vivem uma situação para lá de inusitada em termos de indústria automotiva. O mercado menor (Argentina) produz, em sua maioria, carros mais requintados e caros. Já o mercado que vende mais concentra os modelos populares. Por lá são fabricados modelos médios –- como Ford Focus e Citroën C4 -– e picapes mais sofisticadas -– Volkswagen Amarok e Toyota Hilux. E o Brasil absorve a maior parte das linhas de montagem de compactos. Uma distribuição de produções que varia de marca para marca e que funciona como uma espécie de complementação. Mas que também serve para seguir uma especialização mais tradicional de cada país. Ou, simplesmente, para baratear custos.
Compacto premium da Chevrolet, Agile faz sucesso no Brasil, mas é feito na Argentina
Atualmente este é o principal apelo para os produtos feitos no país vizinho. Apesar de o Brasil ter um mercado interno seis vezes maior que o argentino -- a Argentina alcançou no ano passado cerca de 600 mil unidades produzidas, mais de 70% comprados pelo Brasil -- e de contar com uma infra-estrutura mais avançada, produzir por lá significa muitas vezes um custo mais baixo. Principalmente no que diz respeito de mão-de-obra.
“Cada montadora tem uma estratégia. No caso do Brasil, o real valorizado encarece o produto e a Argentina leva vantagem pelo custo de mão-de-obra. Isso favorece na hora de fazer um cálculo econômico. E também é preciso ver o volume de veículos produzido e para onde serão enviados”, explica Marcelo Martin, supervisor executivo da SAE Brasil (Sociedade dos Engenheiros da Mobilidade).
Os volumes contam muito. O Brasil, por ter um parque industrial maior e mais estruturado, ganha em escala. O que explica o fato de a Argentina se especializar em alguns tipos de produtos. O país concentra a fabricação de muitos médios, como as linhas Focus, C4, Peugeot 307 e, futuramente, o Renault Fluence, além de picapes médias, como Hilux, Amarok e Ford Ranger. A conta é simples. Tratam-se de modelos que vendem menos, tanto no Brasil como na Argentina, e exigem menores quantidades fabricadas. Mas há também questões “históricas”.
“Primeiro pela vocação. Na Argentina, as fábricas francesas sempre estiveram lá, bem antes de chegarem no Brasil, e produziam veículos destes segmentos. Não faz sentido produzir os mesmos carros aqui”, justifica Luiz Carlos Mello, ex-presidente da AutoLatina e consultor do CEA (Centro de Estudos Automotivos).
Existem também razões “diplomáticas”. Principalmente dos fabricantes franceses. A Renault, por exemplo, até hoje faz o Mégane de primeira geração na Argentina e este ano volta a abrigar o médio Fluence, que será lançado no fim do ano. No Brasil, ficam os produtos da plataforma B0 de compactos -- Logan e Sandero --, além do utilitário Master, o Mégane de segunda geração e ainda a veteraníssima Scénic. Na PSA Peugeot-Citroën, na Argentina ficam os médios C4, 307, Partner e Berlingo -- além da futura produção do Peugeot 308, sucessor do 307 -- enquanto por aqui se concentram os compactos C3 e 207 -- a exceção é o Xsara Picasso.
Com projeto desenvolvido por aqui, picape Volkswagen Amarok também será feita na Argentina
“Temos fábricas nos dois países e buscamos um equilíbrio entre nossas operações. Para isso, as linhas de produtos do Brasil e da Argentina são complementares”, pondera Vincent Rambauld, presidente para o Brasil e a América Latina da PSA e que, em abril, assume a presidência mundial da marca Peugeot.
Mas é claro que existem outras várias exceções. São feitos aqui Chevrolet Vectra, Volkswagen Golf, Fiat Stilo, Toyota Corolla, Honda Civic, Chevrolet S10 e Nissan Frontier, entre outros. E, na Argentina, compactos também são construídos. A Renault mandou a produção do Symbol para lá. A Fiat fez o mesmo com partes dos volumes do Siena e do Palio e a General Motors com o Chevrolet Agile. A Honda planejou fazer o City no país vizinho, mas recuou após a crise econômica pela qual ele passa.
“Por aqui, as fábricas atuais não têm como expandir, a não ser com a construção de uma nova unidade. Além disso, foram desenvolvidos fornecedores na Argentina e até alguns fornecedores brasileiros abriram filiais na Argentina”, ressalta Paulo Roberto Garbossa, consultor da ADK Automotive.
ARGENTINA X BRASIL
Desafogar a produção por aqui também pode significar fazer um mesmo carro no Brasil e na Argentina. A grande diferença, porém, é que alguns produtos específicos são feitos apenas para abastecer o mercado interno argentino. É o caso do Peugeot 207. Produzido em Porto Real, no interior do Rio de Janeiro, o hatch compacto também é fabricado na unidade da PSA Peugeot Citroën em Palomar, na Grande Buenos Aires. Outro exemplo é do Classic, da Chevrolet, feito na fábrica de Rosário apenas para abastecer o mercado “hermano”. O veterano sedã compacto, porém, continua em linha em São Caetano do Sul, no ABC Paulista.
A mesma estratégia adotou a Renault. Para abrir espaço na fábrica de São José dos Pinhais (PR) e aumentar a produção do Logan e do Sandero, além da fabricação da Nissan Livina por lá, o grupo francês resolveu transferir a produção do Clio para a fábrica de Santa Isabel, na Argentina. Já a Fiat faz nos dois países o Siena e o Palio. (por Fernando Miragaya)