Em tempo de crise, relembre os 'casamentos' e 'divórcios' da indústria automotiva

Auto Press

Determinados analistas econômicos acreditam que, em épocas de crise, as fusões entre empresas são a melhor solução. Outros sustentam o contrário. Ao analisar os últimos 20 anos da indústria automotiva, é fácil admitir que ambas as hipóteses têm fundamento, levando em consideração os "casamentos" e "divórcios" entre os construtores. Pode-se iniciar a análise pelo fim, ou seja, pela atualidade, para explicar parte do passado.
  • Ilustração: Afonso Carlos/Carta Z Notícias


FIAT
Nestes tempos de grave crise financeira em todo o mundo, o presidente executivo do Grupo Fiat, Sérgio Marchionne, virou figura fácil nas páginas da imprensa mundial ao anunciar a intenção de criar o maior grupo do planeta. Para isso, apresentou propostas concretas para a compra da Chrysler e das operações da Opel e da Saab, da norte-americana General Motors.

A primeira etapa do plano da Fiat foi alcançada depois que o grupo italiano adquiriu 20% do capital da Chrysler -- com opção de elevar esta participação numa fase posterior. Já o segundo capítulo da saga foi infrutífero, pois o ministro das Finanças alemão, Peer Steinbrueck, optou por aceitar uma proposta da rival Magna Internacional para assegurar o futuro da Opel. Essa ofensiva não deixa de ter contornos irônicos, especialmente se for levada em conta a sua história recente com a GM.

Em 2000, um acordo entre os dois grupos concretizou-se, mas no sentido inverso. Naquela altura, a Fiat estava em dificuldades e fechou uma parceria com a GM que envolvia a transferência para a marca americana de uma parte da italiana. Após cinco anos de prejuízos consecutivos, a General Motors decidiu, perante a possibilidade de assumir as perdas do seu parceiro italiano, libertar-se da opção de compra, pagando 1,5 bilhão de euros à Fiat na época. Graças à verba compensatória, a Fiat conseguiu se reestruturar, recuperou a saúde financeira e os lucros nos últimos anos fiscais. E ainda pôde "virar o feitiço contra o feiticeiro" no seu "affair" com a GM.

GM
Agora, para tentar sair da crise que levou à "estatização" provisória de suas atividades pelo governo norte-americano, a GM acaba de se desfazer de três marcas. A Hummer foi arrebatada pelos chineses da Sichuan Tengzhong, a Saturn acabou vendida à norte-americana Penske e sueca Saab está sob a administração da compatriota Koenigsegg.

VOLKSWAGEN
Outro grupo poderoso, o Volkswagen, reivindicou o título de principal força do mercado automotivo europeu através de uma série de aquisições bem sucedidas. No caso da montadora alemã, começou em 1964 com a compra da Audi, então pertencente à Daimler-Benz. Mais tarde, em 1987, o grupo adquiriu a espanhola Seat. Em 1991, foi a vez de abraçar a marca tcheca Skoda. E, sete anos mais tarde, a Bentley, comprada junto à empresa inglesa Vickers, juntamente com a Rolls-Royce -- em 2003, porém, a empresa perdeu os direitos de produção desta última marca para a BMW. Nesse mesmo ano, o Grupo Volkswagen, numa tacada única, comprou as marcas Bugatti e Lamborghini.

Após vários anos de estabilidade, em que consolidou as sinergias de cooperação entre suas marcas, a Volkswagen entrou numa fase de agitação nos últimos meses, após o fabricante Porsche ter garantido participação majoritária no seu conselho de administração.

Mais recentemente, a Porsche recusou a proposta de uma fusão com a Volks. Agora, fala-se numa proposta do Emirado do Qatar para adquirir o controle da marca alemã de esportivos.

BMW
Além de garantir os direitos de produção da Rolls-Royce, a BMW encontrou no Reino Unido um território de "caça" predileto para adicionar mais marcas ao seu portfólio. Ainda em 1994, o construtor alemão adquiriu o Grupo Rover, que integrava as marcas Rover, Land Rover, MG, Austin e Morris. No entanto, esta experiência não foi muito bem sucedida. Especialmente os esforços da BMW em recuperar o prestígio da marca Rover.

Após vários anos operando com prejuízos, a montadora bávara decidiu colocar um ponto final neste casamento e ceder a Rover a um grupo de investidores pela quantia simbólica de dez libras. Mais tarde, os direitos sobre os modelos Rover foram parar na China, onde são produzidos pela designação Rowe. Já a Land Rover foi vendida ao Grupo Ford. Mas esta aventura britânica não foi um fracasso completo.

A BMW ficou com os direitos da marca Mini e lançou, em 2001, uma nova geração do clássico britânico, que se revelou, de imediato, um sucesso de vendas e um exemplo a seguir para outros modelos retrô. Hoje, o exemplo da Mini é um marco na indústria automobilística.

MERCEDES-BENZ
Mais um gigante alemão, a Mercedes-Benz, decidiu ir mais longe para fixar a sua posição no mercado mundial, atravessando o Atlântico para formar, em 1998, um casamento de conveniência com a norte-americana Chrysler -- que, na época, não atravessava uma fase de incertezas. Desta fusão nasceu o Grupo DaimlerChrysler, composto pelas marcas Mercedes, Chrysler, Dodge e Jeep, que logo se tornou um dos maiores fabricantes mundiais. A aliança, porém, acabou por se mostrar desequilibrada. A Chrysler entrou pouco tempo depois numa crise econômica, forçando, em 2001, a Mercedes a elaborar um plano de emergência para revitalizar a empresa.

A partir deste momento, a Chrysler teve acesso a plataformas e tecnologia Mercedes, passando a desenvolver alguns dos seus modelos com base em produtos da prestigiada marca alemã. Mas os problemas financeiros da Chrysler persistiram e a pressão negativa nos resultados do grupo germano-americano acabou por desesperar os seus acionistas. No início de 2007, a Mercedes anunciou a venda da Chrysler a um grupo de investidores, desfazendo o Grupo DaimlerChrysler e passando a designar-se apenas Daimler. Hoje em dia, a Daimler abrange as marcas Mercedes, Smart e Maybach.

FORD
Na direção oposta, a Ford atravessou o Atlântico para reunir, em 1989, um cardápio de marcas de luxo, numa divisão -- PAG -- constituída por vários fabricantes britânicos de prestígio, como Aston Martin, Jaguar e Land Rover, aos quais se juntou a sueca Volvo. Nos últimos anos, este elenco de luxo acabou por ser desfeito à medida que o gigante norte-americano precisou de capital para compensar as quedas nas vendas no mercado norte-americano. A primeira foi a Aston Martin: no final de 2007, foi vendida a um consórcio liderado pelo britânico David Richards, patrão da Prodrive, especialista na preparação de modelos de competição.

Um ano depois, a Ford libertou-se das suas últimas "joias inglesas", Jaguar e Land Rover, que passaram ao controle do grupo indiano Tata. A Volvo é a única marca "estrangeira" que ainda resiste no seio do grupo norte-americano, mas muito se especula sobre a sua venda.

Desde 1979, contudo, a Ford tem relações especiais com a japonesa Mazda, graças a participações de capital que foram sendo ajustadas ao longo dos últimos anos. Depois de ter assumido 33,4% do capital do fabricante nipônico em 1996, a Ford foi forçada, no final do ano passado, a reduzir esta participação para 13%. O motivo foi o mesmo: injetar capital nas suas operações norte-americanas.

RENAULT-NISSAN
Os construtores franceses têm conseguido dar bons exemplos de como manter um "casamento" estável e seguro. Uma destas relações saudáveis é, sem dúvida, a aliança Renault-Nissan, cujo acordo "matrimonial" foi assinado em 1999. Foi a primeira parceria entre um fabricante francês com um japonês. Mas, por estranho que pudesse parecer, a fusão de duas culturas e maneiras tão distintas de pensar o automóvel funcionou. Até hoje. A Renault detém uma fatia de 44,4% no construtor japonês, enquanto a Nissan possui 15% na Renault.

O exemplo mais perfeito desta "fusão" de culturas foi o fato de o carismático gestor, o brasileiro Carlos Ghosn, um dos principais responsáveis pela bem sucedida reestruturação da Nissan, ter sido nomeado CEO da Renault, em 2005. Tornou-se também responsável pelo destino da aliança - que, em 2008, atingiu um volume de vendas de mais de 6,1 milhões de veículos em todo o mundo. O Grupo Renault tem tido também sucesso assinalável na Europa, com a aposta no fabricante romeno Dacia, adquirido em 1999. A marca é especialista em modelos de baixo custo e usa plataformas e componentes Renault.

PEUGEOT-CITROËN
Mais antiga ainda é a relação entre a Peugeot e Citroën, que formam o grupo PSA. Estabelecida em 1976, quando a Peugeot adquiriu 89,95% do capital da Citroën, esta fusão francófona tem se mantido estável, estabelecendo algumas parceiras com outros fabricantes generalistas para desenvolver e produzir modelos específicos. Um dos exemplos desta política é o acordo com a Toyota para fabricar os subcompactos Aygo, Peugeot 107 e Citroën C1.

TOYOTA
Aliás, a última palavra vai mesmo para o gigante japonês, que conseguiu formar um poderoso grupo pelas "próprias mãos". Com exceção da Daihatsu, adquirida em 1999, as marcas Lexus e Scion que hoje compõem o grupo foram criadas pela Toyota com o propósito de reforçar as suas operações nos Estados Unidos. A Lexus, criada em 1989, já se internacionalizou e tem conseguido êxito no mercado europeu. A Scion continua focada no mercado norte-americano, tendo como missão atrair uma clientela mais jovem. Esse mix de marcas conseguiu um sucesso invejável e permitiu ao Grupo Toyota, em 2007, alcançar o título de maior fabricante mundial de automóveis, superando a GM. (por António de Sousa Pereira, da AutoMotor/Portugal, e Fernando Miragaya)

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