Brasil vira rota preferencial de carros importados após crise mundial

Da Auto Press

Tradicionalmente, o Brasil ficava com a sobra dos modelos de automóveis produzidos lá fora. Alguns carros levavam até dois anos para dar as caras por aqui. A lógica era simples: primeiro se abastecia e sedimentava os mercados nobres, como europeu, norte-americano e japonês, para depois mandar alguns exemplares para os chamados mercados secundários. A crise financeira, porém, mudou esse panorama. Por conta da retração dos mercados mais tradicionais, os emergentes tornaram-se destinos convenientes para que as matrizes mantivessem a escala de produção. Entre eles, o Brasil, uma espécie de oásis capaz de repetir os bons números de venda pré-crise do ano passado. Por isso, os carros estão chegando mais rapidamente e, em alguns casos, com menos de três meses de intervalo.
  • Ilustração: Afonso Carlos/Carta Z Notícias

    Ilustração: Afonso Carlos/Carta Z Notícias

"O Brasil enfrenta muito bem essa crise e está entre os poucos países aptos a crescer no segmento premium. Esse segmento exige novidades", receita Jörg Henning, o carioca que preside da BMW do Brasil.

Não faltam exemplos para esse ganho de agilidade entre o lançamento do modelo lá fora e a chegada ao Brasil. O médio-grande Citroën C5 foi lançado em maio no Brasil, nove meses depois de sua estreia internacional. O Kia Soul debutou no Salão de Paris em outubro de 2008 e começará a ser importado em julho. O Audi Q5, por sua vez, foi apresentado no Salão de Genebra, em março, e chegou aqui menos de três meses depois. Tudo no embalo do aumento das importações. O número de carros trazidos para o Brasil em maio cresceu 10% em relação a abril, excluindo produtos vindos do Mercosul e do México, países com os quais há acordos alfandegários. "Com a baixa demanda no exterior e as boas vendas no Brasil, os pedidos são atendidos mais rapidamente", confirma o consultor Paulo Roberto Garbossa.

Até as próprias matrizes, de olho em manter o ritmo para aplacar os custos fixos das fábricas, tiveram de dar o braço a torcer. Tanto que as poderosas montadoras chegam a facilitar as negociações para aumentar o fluxo de produtos para mercados sobreviventes como o brasileiro. Facilidades que vão desde custos dos modelos até quantidade e disponibilidade de carros. "Quando está sobrando, as matrizes oferecem a custos interessantes, o que viabiliza a venda no mercado de maneira rápida. A matriz precisa manter um volume mínimo e procuram por oportunidades no mundo inteiro", reconhece Gabriel Patini, coordenador de marketing da Land Rover. "A própria matriz se interessa em saber se é rentável vender determinado produto", destaca Mario Mizuta, gerente nacional de vendas da Citroën.

No caso das marcas premium, essa agilidade, que já se fazia necessária, aumentou. Além do Q5, modelos como as novas gerações do Mercedes-Benz Classe E, do BMW Z4 e o novo SUV Volvo XC60 tiveram intervalo entre o lançamento lá fora e aqui inferior a seis meses. Um aspecto muito importante para fabricantes que trabalham com modelos voltados para públicos com poder aquisitivo elevado e exigente. "É um mercado de alto valor agregado, que tem de apresentar novidades. O cliente não vai comprar a geração anterior mais barata para ficar com um modelo desatualizado alguns meses depois", pondera Roberto Gasparetti, supervisor de mercado da Mercedes-Benz.

ACELERADAS

- Atualmente, a taxa de importação de veículos é de 35%.
Os automóveis importados dos países do Mercosul estão isentos de tarifa alfandegária, enquanto os vindos do México pagam uma alíquota de 1%.
- No ano passado, foram importados 362.411 unidades de veículos: 234.677 da Argentina, 53.229 do México e 74.505 de outros países.
- O processo de importação de um modelo leva, em média, cinco meses, desde o pedido até sua chegada à concessionária.
- A Abeiva (Associação Brasileira de Empresa Importadoras de Veículos Automotores) reúne 11 marcas: Kia, BMW, Chrysler, Ferrari, Maserati, Porsche, Suzuki, Districar (Chana e SsangYong), CN Auto, Effa e Pagani.
Algumas marcas, porém, são cautelosas. Com o Cinquecento, a Fiat só agora vai voltar a importar, algo que não fazia desde o Tipo, na década de 90. A Volkswagen aumentou o ritmo de importação de produtos fora Mercosul e México, com a vinda de Tiguan, Eos e Passat CC. A Mitsubishi é outra que prefere priorizar os modelos feitos aqui e tem apenas três modelos importados em seu portfólio. "Um carro importado tem de ter continuidade, então, tem de se fazer um estudo de viabilidade a longo prazo", justifica Robert Rittscher, diretor comercial da marca. De qualquer maneira, sobra carro lá fora. E o ritmo das importações tende a crescer enquanto a crise perdurar. Um cenário que pode mudar a própria lógica de produção brasileira. "Isso impõe às montadoras maior audácia com atuação no Brasil para viabilizar a produção de veículos feitos somente lá fora", torce o consultor Luiz Carlos Mello, ex-presidente da antiga AutoLatina, empresa que unia Volks e Ford no Brasil e na Argentina na década de 90.

VIABILIDADE ECONÔMICA
A diversidade de importados fora do eixo Mercosul-México cresce a olhos vistos no país. Só nos últimos 12 meses, surgiram desde minivans como Citroën C4 Picasso e Renault Grand Scénic, crossovers como o Ford Edge e médios como o Hyundai i30 e, futuramente, o Kia Soul. Isso sem falar nas marcas premium com seus sedãs e utilitários esportivos de alto luxo. Mas a importação se concentra justamente em segmentos superiores, de médios-grandes para cima. Compactos trazidos de outros países são raridade. "O veículo que tem conflito direto com os produzidos aqui fica pouco econômico, mesmo do Mercosul ou do México. Não teria competitividade de preço e enfrentaria uma rede de distribuição estabelecida, que o importador não têm condições de concorrer", avalia Luiz Carlos Mello.

A forte concentração no país de modelos pequenos e a diversidade de produtos neste segmento inibe a chegada de compactos. A própria Citroën anunciou a vinda do C2 da Europa, mas a produção local do C3 e a forte concorrência deixariam o modelo com preço pouco competitivo. Outros projetos de importados foram abandonados ao longo dos anos também, como Nissan Micra, Peugeot 107 e Toyota Yaris. "No Brasil, carro pequeno não pode ser caro e carro grande tem de ter potência", ressalta Mario Mizuta, gerente nacional de vendas da Citroën. (por Fernando Miragaya)

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