Vômito preto: o que causa esse sintoma assustador (e quando é emergência)

Imagine que seu organismo precisa chamar sua atenção para algo de errado e que não pode ser ignorado. Para isso, ele escolhe um sintoma impactante: um vômito de cor preta. Certamente não dá para passar desapercebido —esse é um recado evidente de que algo no seu sistema digestivo realmente não está funcionando como deveria.
Mas se engana quem pensa que existe apenas uma causa para o problema. Na verdade, a tonalidade escura no vômito pode ser reflexo de diversas condições, algumas sendo bastante graves. Vamos falar sobre elas a seguir.
O que deixa o vômito preto
A coloração preta costuma ser causada pela presença de sangue que já passou por um processo de digestão parcial no estômago. O contato com o ácido gástrico o altera quimicamente, deixando-o escurecido, comumente descrito como "vômito com aspecto de borra de café".
Esse sintoma pode indicar um sangramento no trato gastrointestinal superior, como no esôfago, estômago ou duodeno (parte inicial do intestino delgado). Entre as causas para isso, estão:
Úlceras gástricas: feridas que se formam no revestimento do estômago ou duodeno, geralmente causadas por excesso de ácido, infecção por Helicobacter pylori (um tipo de bactéria) ou uso prolongado de anti-inflamatórios.
Varizes esofágicas: veias dilatadas na parede do esôfago, geralmente associadas à cirrose hepática e pressão na veia porta (hipertensão portal). Essas varizes são frágeis e podem romper com facilidade, resultando em sangramento intenso e até potencialmente fatal.
Gastrite grave: inflamação intensa da mucosa gástrica, que pode causar erosões (feridas) e sangramentos.
Esôfago de Barrett: condição em que o revestimento do esôfago sofre alterações por causa do refluxo crônico, podendo desenvolver lesões com sangramento.
Lacerações de Mallory-Weiss: fissuras ou rasgos na mucosa da junção entre o esôfago e o estômago, geralmente causadas por episódios intensos e repetidos de vômito ou ânsia de vômito.
Obstruções digestivas: podem impedir a passagem normal dos alimentos, aumentando a exposição ao ácido e favorecendo o surgimento de lesões e sangramentos. Em casos raros, tumores no estômago ou esôfago podem estar envolvidos.
Quando não relacionado a doenças
A presença de sangue não é a única causa para o vômito preto. O consumo de certos alimentos ou substâncias com coloração muito intensa também pode escurecer o vômito. Por exemplo, o carvão ativado, usado em alguns casos de intoxicação, tem cor preta e, quando vomitado, pode parecer sangue digerido —o que pode assustar, mas geralmente sua administração ocorre sob supervisão médica.
Além disso, a ingestão de alimentos com corantes escuros ou naturalmente pigmentados também pode, em algumas situações, principalmente quando consumidos em excesso e isoladamente, deixar o vômito com aparência escura. Alguns exemplos incluem:
Café;
Açaí;
Alcaçuz preto;
Doces ou bebidas (sucos, refrigerantes) com corante preto ou azul-escuro;
Mirtilo, amora, jabuticaba;
Tinta de lula (em pratos como risotos ou massas).
No entanto, nessas situações, o escurecimento geralmente não representa risco e é facilmente identificado pela ausência de outros sintomas de alerta, mais graves, como dor abdominal, mal-estar geral ou sinais de sangramento.

Quando procurar ajuda médica
O vômito preto serve de alerta e deve ser avaliado por um médico o mais rápido possível. Se surgir qualquer dúvida, não espere os sintomas piorarem — vá a um pronto-socorro, pois pode indicar um problema de saúde grave que precisa de atenção imediata. Sintomas que servem de alerta incluem:
Vômito com sangue: o conteúdo pode ser de cor escura e aspecto granulado, semelhante à borra de café (parcialmente digerido), ou aparecer como sangue vermelho vivo, indicando sangramento recente ou ativo.
Dor abdominal intensa e persistente: se o vômito escurecido vier acompanhado de uma dor assim, pode indicar uma úlcera sangrante, varizes esofágicas rompidas ou outra condição de risco elevado que precisa de diagnóstico e tratamento urgentes.
Presença de sangue nas fezes: chamadas de "melena", são fezes muito escuras, com odor fétido, devido ao sangue digerido. Nesse caso, pode indicar um sangramento gastrointestinal ativo e requer atenção médica imediata.
Sintomas de desidratação: quando o vômito é frequente e causa perda significativa de líquidos, pode haver sinais como boca seca, tontura, fraqueza, diminuição da quantidade de urina ou urina escura. É algo particularmente perigoso em crianças e idosos, que são mais vulneráveis a complicações.
Febre alta: especialmente acima de 38,5 °C, junto com vômitos escuros, pode denotar uma infecção grave no trato gastrointestinal, como uma gastroenterite bacteriana ou uma complicação relacionada a úlceras ou sangramentos.
Fadiga extrema, confusão mental ou sonolência excessiva: esses sinais podem indicar que a perda de sangue está levando a um choque hipovolêmico, uma condição grave em que o corpo não consegue manter a pressão sanguínea e a oxigenação dos órgãos, podendo ser fatal.
Anotar o horário em que ocorreu o vômito, a quantidade expelida e a aparência do conteúdo (cor, presença de sangue ou restos alimentares) fornece informações valiosas para o médico. Levar uma pequena amostra do vômito ao pronto-socorro também pode auxiliar na identificação da causa, principalmente se houver suspeita de sangramento.
Diagnóstico: avaliação e exames
O diagnóstico do vômito preto começa com uma avaliação clínica detalhada, em que o médico (sendo um especialista, um gastroenterologista) questionará sobre os sintomas associados, como dor abdominal, condições preexistentes, uso de medicamentos ou álcool, além de analisar o momento em que o vômito ocorreu.
O profissional buscará compreender se o vômito é um sintoma isolado ou recorrente e se há outros sinais que possam indicar uma condição mais grave. O histórico clínico do paciente é fundamental para identificar possíveis causas, como úlceras gástricas, varizes esofágicas ou gastrite.
Após a avaliação inicial, o exame físico complementa o diagnóstico, verificando sinais de desidratação, dor ou distensão abdominal. O médico também pode solicitar exames laboratoriais, como hemograma e testes de função hepática, para avaliar a presença de infecções, distúrbios de coagulação ou sangramentos.
A endoscopia digestiva alta é um exame bastante utilizado, permitindo observar diretamente o interior do esôfago, estômago e duodeno. Com ela, o médico pode identificar feridas, sangramentos e até realizar intervenções, se necessário.
Se houver suspeita de obstrução intestinal ou outras condições graves, exames de imagem, como tomografia abdominal ou ultrassonografia, podem ser solicitados.
Como é feito o tratamento?
O tratamento do vômito preto depende da causa do problema. Veja algumas medidas que podem ser adotadas de acordo com o foco terapêutico determinado pelo médico:
- Controle da acidez e proteção gástrica
Comum em casos de úlcera gástrica ou duodenal, gastrite grave, esôfago de Barrett, lacerações de Mallory-Weiss, causas medicamentosas ou por álcool.
Inibidores da bomba de prótons (IBPs): medicamentos como omeprazol, pantoprazol, entre outros, reduzem a produção de ácido, promovem a cicatrização e evitam o aparecimento de novas lesões.
Antiácidos ou anti-histamínicos: usados para aliviar a irritação gástrica.
Suspensão de medicamentos agressivos: como anti-inflamatórios, em caso de efeitos colaterais no estômago.
Abstinência de álcool: necessária quando há envolvimento do consumo alcoólico.
- Controle e interrupção do sangramento
Comum em quadros de úlcera, varizes esofágicas, lacerações de Mallory-Weiss e sangramentos intensos.
Endoscopia terapêutica: durante uma endoscopia, o médico pode usar técnicas específicas para interromper o sangramento com o uso de calor ou laser para "cauterizar" os vasos sangrantes. Já os clipes hemostáticos são pequenos grampos metálicos aplicados diretamente no local da lesão para fechar os vasos.
Medicação vasoconstritora: medicamentos como octreotida ou somatostatina ajudam a reduzir o fluxo sanguíneo para as varizes esofágicas, controlando o sangramento.
Ligadura elástica: para varizes esofágicas em sangramento.
Transfusão de sangue: quando há perda significativa de sangue.
- Reposição de líquidos e estabilização clínica
Comum em sangramentos intensos, gastroenterites graves, lacerações e/ou úlceras com presença de desidratação.
Hidratação intravenosa: fundamental para prevenir ou tratar o choque hipovolêmico.
Correção de eletrólitos: para estabilizar funções vitais.
Monitoramento hospitalar: pode ser necessário em casos graves.
- Casos de infecções e inflamações
Comum em casos de gastrite infecciosa, esôfago de Barrett e gastroenterites.
Antibióticos: indicados quando há infecção por Helicobacter pylori ou bactérias intestinais.
Antivirais (ex: oseltamivir): se a infecção for viral e com indicação específica.
Antieméticos e analgésicos: para aliviar sintomas como vômito e dor abdominal.
- Obstruções digestivas e tumores
Comum em casos de estreitamentos, estenoses, aderências, tumores no estômago ou esôfago.
Exames de imagem e endoscopia: para diagnosticar a obstrução.
Sonda nasogástrica: inserida pelo nariz até o estômago, é utilizada para remover líquidos e gases acumulados, ajudando a aliviar náuseas, vômitos e distensão abdominal em casos de obstrução ou retenção gástrica.
Cirurgia: em casos de tumor ou obstrução severa.
Quimioterapia e/ou radioterapia: se o diagnóstico de câncer for confirmado.
Suporte nutricional: com dieta especial, a nutrição é feita por sonda ou venosa, quando e se necessário.
Fontes: Flávio Feitosa, gastroenterologista do Hospital Aliança, de Salvador; Igor Lepski Calil, médico pela USP e cirurgião geral e do aparelho digestivo do Hospital Israelita Albert Einstein; Rodrigo Barbosa, médico pela Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba e cirurgião do aparelho digestivo dos hospitais Sírio-Libanês e Nove de Julho.
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