Neutrófilos segmentados alterados no exame? Saiba o que isso significa

Imagine um exército que patrulha silenciosamente seu corpo 24 horas por dia, sempre pronto para agir ao menor sinal de invasão. No front dessa linha de defesa, estão os neutrófilos segmentados: células especializadas do sistema imunológico que entram em ação sem hesitar. O inimigo mais comum? As infecções, sobretudo as bacterianas —embora nem sempre o alerta venha delas.

Mas afinal, o que exatamente são esses "soldados do sangue"? E por que, em certas situações, seus níveis disparam no exame de sangue?

Quem são os neutrófilos segmentados?

Os neutrófilos são parte da linha de frente do sistema imunológico inato, aquele que reage rapidamente e de forma generalista às ameaças mais comuns, como bactérias e fungos. São um tipo de glóbulo branco (ou leucócito), produzido na medula óssea e liberado na corrente sanguínea, e estão prontos para agir.

Os segmentados, em particular, são os neutrófilos "madurinhos", que já passaram por todas as fases de formação e estão aptos a identificar, atacar e destruir microrganismos invasores. Essa capacidade é chamada de fagocitose e consiste em envolver o inimigo e digeri-lo com a ajuda de enzimas e substâncias tóxicas, como o peróxido de hidrogênio (sim, similar à água oxigenada que usamos em ferimentos).

Mas os segmentados não agem sozinhos. Ao detectarem uma ameaça, eles liberam substâncias como citocinas e quimiocinas, verdadeiros sinalizadores químicos que acionam outras tropas do sistema imune. É como se soassem um alarme molecular, chamando reforços para o local da infecção ou inflamação.

O que eles revelam sobre a sua saúde?

Os neutrófilos segmentados funcionam como termômetros do sistema imunológico. Seus níveis dizem muito sobre o que está acontecendo dentro do corpo, mesmo quando ainda não sentimos nada de errado.

Por isso, da próxima vez que o resultado de um hemograma (aquele exame de sangue completo) cair na sua mão, vale prestar atenção aos números de referência: eles podem indicar desde um resfriado em andamento até algo mais complexo, e são um reflexo direto da batalha invisível que seu corpo trava todos os dias para te manter vivo e saudável.

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Imagem: Getty Images
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Quando sobem: o que causa a neutrofilia?

A neutrofilia é o nome técnico para o aumento dos neutrófilos no sangue. E, geralmente, isso acontece por um bom motivo: o corpo está reagindo a um inimigo. Os motivos mais comuns incluem:

Infecção bacteriana aguda: é o gatilho mais clássico. Dores de garganta, cortes inflamados, pneumonias ou infecções urinárias fazem o organismo soar o alarme: a presença de bactérias ativa uma resposta rápida e a medula óssea libera uma tropa extra de neutrófilos maduros para o combate.

Inflamações intensas: nem toda inflamação vem de uma infecção. Situações como pancreatite, infarto do miocárdio ou queimaduras geram uma resposta inflamatória forte —e os neutrófilos são acionados em massa para ajudar a controlar os danos.

Estresse físico: situações intensas para o corpo (como cirurgias, traumas ou até aquele treino puxado na academia) podem provocar um aumento temporário dos neutrófilos segmentados na corrente sanguínea. É como se o organismo se preparasse para uma possível emergência;

Medicamentos: usados para reduzir inflamações, corticosteroides, por exemplo, podem modificar a dinâmica das células de defesa, aumentando a presença dos segmentados no sangue;

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Tabagismo e estados emocionais extremos: fumar, estar muito ansioso ou passar por um susto desencadeiam a liberação de hormônios como a adrenalina, que mexem com o sistema imune e elevam temporariamente o número dessas células;

Doenças hematológicas: embora seja menos comum, a neutrofilia persistente pode indicar distúrbios mais sérios da medula óssea. É o caso das doenças mieloproliferativas, como a leucemia mieloide crônica, a mielofibrose e a policitemia vera, condições em que há uma produção desregulada e excessiva de células sanguíneas, incluindo os neutrófilos.

Quando caem: o que causa a neutropenia?

Do outro lado da balança está a neutropenia, a queda perigosa no número de neutrófilos. Isso significa que a linha de frente do sistema imune está desfalcada e o corpo fica muito mais vulnerável. Essa queda pode acontecer por vários motivos:

Infecções virais: diferente das infecções bacterianas (que aumentam os neutrófilos), vírus como os da dengue, hepatites, mononucleose e HIV podem sabotar a produção dessas células e reduzi-las significativamente;

Medicamentos que suprimem a medula: alguns remédios podem ser tóxicos para a fabricação de neutrófilos. Isso inclui quimioterápicos, certos antibióticos (como o cloranfenicol), anticonvulsivantes (como a carbamazepina) e drogas psiquiátricas (como a clozapina);

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Deficiência de nutrientes: a produção de neutrófilos depende de um bom suprimento de vitamina B12 e ácido fólico. Carência dessas substâncias compromete o "recrutamento" das células de defesa;

Doenças autoimunes: em condições como o lúpus ou a artrite reumatoide, o sistema imunológico entra em parafuso e ataca o próprio corpo —inclusive os neutrófilos;

Síndromes congênitas raras: algumas pessoas nascem com neutropenia cíclica ou neutropenia congênita severa, doenças genéticas que afetam cronicamente a produção dessas células.

O risco aumenta ainda mais quando a contagem de neutrófilos cai abaixo de 500/mm³. Sem essa proteção inicial, o organismo fica vulnerável a infecções sérias, que podem surgir do nada e evoluir rapidamente —especialmente em pessoas com câncer, imunossuprimidas ou com doenças autoimunes.

Agranulocitose: o alerta máximo

Se os neutrófilos despencam para menos de 100 células/mm³, a situação é chamada de agranulocitose. É como se o corpo estivesse completamente sem soldados na linha de frente, um estado crítico de vulnerabilidade. A agranulocitose exige intervenção médica imediata, pois o risco de infecções severas e potencialmente fatais é altíssimo.

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Tempo importa: aguda ou crônica?

A duração da neutropenia também diz muito sobre sua causa e gravidade:

Aguda: quando dura menos de três meses. Pode ser causada por infecções virais temporárias, por exemplo;

Crônica: persiste por mais de três meses. Pode estar ligada a doenças autoimunes, deficiências nutricionais ou problemas na medula óssea.

Quanto é o valor normal?

No hemograma, o valor dos neutrófilos segmentados funciona como um termômetro da sua imunidade: se estão em excesso ou em falta, algo importante pode estar acontecendo no seu organismo.

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Mas, antes de se preocupar, é preciso entender os valores de referência, que funcionam como a régua para saber se algo está fora do esperado:

Adultos: entre 1.500 e 8.000 células por milímetro cúbico (mm³) de sangue;

Crianças até dois anos: entre 1.000 e 8.000 células/mm³;

Crianças maiores de dois anos: valores similares aos adultos, ou seja, de 1.500 a 8.000 células/mm³.

Esses intervalos são considerados normais, mas é bom lembrar que fatores como etnia, infecções recentes, uso de medicamentos e até o momento do dia podem influenciar a contagem.

Já a gravidade da neutropenia é classificada em três níveis:

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Leve: 1.000 a 1.500 células/mm³;

Moderada: 500 a 1.000 células/mm³;

Grave: menos de 500 células/mm³.

Em ambos os casos, a mensagem é clara: vale conversar com um profissional de saúde e investigar a origem da alteração. O hemograma completo, que inclui a contagem de neutrófilos segmentados, pode ser solicitado por diferentes especialistas, dependendo da situação.

Clínicos gerais, pediatras e médicos da família pedem com frequência em exames de rotina ou diante de sintomas leves.

Já infectologistas, hematologistas, reumatologistas, oncologistas ou imunologistas podem solicitar quando há suspeitas mais específicas, como infecções crônicas, doenças do sangue, imunodeficiências ou condições autoimunes.

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Para os médicos, o mais importante é interpretar os resultados dentro do contexto clínico. Um valor alterado, isoladamente, não fecha diagnóstico, mas pode ser o ponto de partida para uma investigação mais profunda.

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Imagem: iStock

Como garantir níveis saudáveis

Alimentação equilibrada é o primeiro passo: para produzir neutrófilos eficientes, seu corpo precisa de matéria-prima de qualidade: ferro, zinco, vitamina B12, ácido fólico e outras vitaminas do complexo B são nutrientes essenciais para a formação de células de defesa na medula óssea.

Por outro lado, dietas muito restritivas ou pobres em micronutrientes podem comprometer a produção desses glóbulos brancos e deixar você na mão quando uma infecção aparecer.

Fontes importantes:

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  • Ferro: carnes vermelhas, leguminosas (como feijão e lentilha), vegetais verde-escuros;
  • Zinco: carnes, frutos do mar (especialmente ostras), sementes, oleaginosas (como castanhas e nozes), cereais integrais;
  • Vitamina B12: alimentos de origem animal e, para veganos, suplementação orientada por um profissional de saúde;
  • Ácido fólico: vegetais verdes, frutas cítricas, grãos integrais.

Vacinação em dia: imunizantes não servem só para evitar doenças graves, eles também ajudam a treinar seu sistema imunológico. Quando o organismo aprende a reagir com eficiência a certos vírus e bactérias, sobram energia e recursos para outras defesas, inclusive para manter os neutrófilos operando normalmente.

Higiene e cuidados: lavar as mãos com frequência, evitar o contato com pessoas doentes e manter ambientes ventilados são atitudes simples, mas poderosas. Quanto menos você se expõe a microrganismos perigosos, menos o seu sistema imune precisa entrar em modo de guerra, e menos riscos de desregulações nos neutrófilos.

Controle de doenças crônicas: como diabetes, lúpus ou hipertensão podem afetar o equilíbrio do sistema imunológico. O controle adequado dessas condições ajuda a manter a produção e a função dos neutrófilos estáveis, reduzindo tanto o risco de neutropenia (quando estão em falta) quanto de neutrofilia (quando estão em excesso sem motivo aparente).

Atenção aos medicamentos: alguns, como os imunossupressores, quimioterápicos ou certos antibióticos, podem afetar a produção de neutrófilos pela medula óssea. Por isso, nada de automedicação. Sempre use medicamentos com prescrição médica e acompanhamento, principalmente em tratamentos prolongados.

Movimento e descanso: exercícios físicos moderados fortalecem a imunidade. Atividade regular estimula a produção de células de defesa e reduz inflamações crônicas. Mas cuidado com o exagero: treinos exaustivos podem gerar o efeito oposto e desregular os neutrófilos temporariamente.

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Dormir bem: o sono regula hormônios ligados ao sistema imunológico, como o cortisol, que, quando descontrolado, pode bagunçar a produção de glóbulos brancos.

Gerenciar o estresse: crônico, o estresse aumenta a liberação de adrenalina e cortisol, que, por sua vez, podem desorganizar a resposta imune e interferir na produção e função dos neutrófilos. Técnicas de relaxamento, mindfulness, momentos de lazer e até psicoterapia são ferramentas valiosas para manter corpo e mente em sincronia.

Fontes: Alex Freire Sandes, hematologista do Fleury Medicina e Saúde; Paulo Camiz, clínico geral, geriatra, professor da USP e médico do Hospital Sírio-Libanês; Rafaela Ramos, hematologista e hemoterapeuta e docente da Faculdade de Ciências Médicas do Pará - Facimpa/Afya.

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