Grávida pode fazer endoscopia? A resposta não é tão simples quanto parece

A gravidez é um período em que a mulher precisa ter vários cuidados para garantir a sua saúde e de seu bebê. Nessa fase, é comum sentir desconfortos gastrointestinais, como prisão de ventre e azia. Mas e quando eles se tornam mais intensos —como azia insuportável, dor no estômago e até sinais de sangramento digestivo? Pode ser necessário realizar uma endoscopia para entender o que está acontecendo. E aí surge uma dúvida comum: ela é segura durante a gestação?
Felizmente, a resposta é sim, em casos específicos, o exame pode ser realizado — mas sempre com cautela. Embora a endoscopia seja considerada segura, ela envolve o uso de sedação e interfere diretamente no trato gastrointestinal, o que exige atenção redobrada durante a gravidez.
O que é a endoscopia e por que ela é feita?
A endoscopia digestiva alta é um exame utilizado para investigar o que está acontecendo no esôfago, estômago e na porção inicial do intestino delgado. Ela é feita com a ajuda de um equipamento chamado endoscópio, um tubo flexível com uma microcâmera na ponta, que é introduzido pela boca e conduzido até o trato digestivo, transmitindo imagens em tempo real para um monitor.
Normalmente, o procedimento requer sedação leve e é realizado com a paciente deitada de lado e sob monitoramento médico contínuo. Pode parecer desconfortável, mas, segundo a gastroenterologista Rafaela Cristina Winter, gastroenterologista, mestre e professora do curso de medicina da Unicid (Universidade Cidade de São Paulo), a endoscopia é indicada em diversas situações, especialmente em emergências, como vômitos com sangue ou ingestão de corpos estranhos impactados.
"O exame também é útil para investigar sintomas persistentes que não melhoram com o tratamento clínico, como dor abdominal e azia associadas à perda de peso", explica a médica.
E durante a gravidez?
A gestação é um período que exige cautela com qualquer intervenção médica —e com a endoscopia não é diferente. Em casos graves, o exame pode ser realizado com segurança em qualquer fase da gestação, desde que haja risco real à saúde da mãe.
De acordo com Karla Mazzini, médica em ginecologia e em endoscopia ginecológica pelo Hospital Gama Filho e Maternidade Carmela Dutra e da Clínica Aphetus Tocantins, procedimento deve ser reservado para situações críticas, como sangramento digestivo, suspeita de úlcera perfurada ou dor abdominal severa e refratária que não melhora com medicamentos.
Isso porque, durante a gravidez, o ideal é priorizar o tratamento clínico, não invasivo. "A prioridade é sempre a abordagem clínica, considerando o histórico da paciente, uso de medicamentos e a resposta ao tratamento inicial", afirma.
Qual o melhor momento para o exame?
Embora a endoscopia possa ser feita em qualquer fase, o segundo trimestre (entre a 14ª à 27ª semana de gestação) é considerado o momento mais seguro. Isso porque o feto já está mais desenvolvido e o útero ainda não ocupa tanto espaço no abdômen, o que reduz o risco de complicações.
"No primeiro trimestre, o risco de aborto espontâneo é maior. Já após as 20 semanas, há risco de indução de trabalho de parto prematuro, principalmente se houver uso de sedativos ou desconforto intenso", destaca a ginecologista Mazzini.
Quando o exame não for emergencial, a recomendação é postergar a endoscopia para depois do parto. Cabe à equipe médica avaliar se o risco de adiar o procedimento é realmente menor do que o risco de realizá-lo durante a gravidez.

O que levar em conta antes de fazer
Toda indicação de endoscopia em gestantes deve passar por uma avaliação médica criteriosa e individualizada. Winter reforça: "Embora seja um exame seguro, os procedimentos eletivos devem ser evitados durante a gestação e, sempre que possível, deixados para o pós-parto".
Ou seja, se a endoscopia for realmente necessária e houver risco para a saúde da mãe, o exame pode ser liberado, desde que com protocolos específicos para garantir segurança ao bebê e à gestante. Caso contrário, o melhor é esperar.
Existem contraindicações?
Sim. A endoscopia tem contraindicações, especialmente quando os riscos superam os benefícios. Winter cita exemplos impeditivos como:
Pressão arterial muito baixa;
Suspeita de perfuração no trato digestivo;
Reações alérgicas graves aos medicamentos utilizados na sedação.
No caso de gestantes, outras situações exigem ainda mais cuidado:
Descolamento prematuro da placenta;
Trabalho de parto iminente;
Doença hipertensiva da gravidez (como a pré-eclâmpsia).
Por isso, Mazzini enfatiza que o exame não deve ser realizado sem uma justificativa clínica relevante. "A ausência de uma indicação grave e clara já é, por si só, uma contraindicação. E, nos extremos da gestação, como o primeiro e o terceiro trimestres, os riscos maternos e fetais aumentam. Por isso, o exame deve ser evitado sempre que possível."

Sedação: entenda os riscos
Quando a endoscopia é inevitável na gestação, a sedação se torna um ponto central. Afinal, o exame pode causar bastante desconforto e é justamente por isso que, em situações clínicas relevantes, os médicos optam por sedar a paciente —mas o bebê também entra nessa equação.
A sedação na endoscopia costuma ser feita com medicamentos da classe dos opioides e benzodiazepínicos, administrados diretamente na veia. Rafaela Cristina Winter explica que, em doses usuais, essas substâncias não estão ligadas a malformações congênitas.
No entanto, a preocupação maior está em seus efeitos indiretos: "A queda na pressão arterial ou na oxigenação da mãe durante o exame pode diminuir o fluxo de sangue para a placenta, reduzindo a oxigenação do bebê e levando ao chamado sofrimento fetal", informa a médica.
Por isso, a sedação precisa ser feita com extrema cautela e de forma criteriosa. "Os riscos da sedação para o feto são geralmente baixos quando o procedimento é bem indicado e realizado com precauções adequadas, mas não são nulos", explica Bruno Medrado, médico endoscopista e coordenador de endoscopia do Hospital Aliança, da Rede D'Or da Bahia.
O midazolam, um dos sedativos mais utilizados, pode atravessar a placenta e chegar até o bebê, com efeitos colaterais relevantes: sedação fetal, depressão respiratória no recém-nascido e até flacidez muscular ao nascer (hipotonia).
Há ainda outro fator de risco: o estresse do procedimento em si. Quando combinado aos efeitos da sedação, pode provocar contrações uterinas e, em gestações avançadas, antecipar o trabalho de parto.
Precauções que fazem a diferença
Quando a paciente está grávida, cada detalhe da endoscopia importa. Afinal, são duas vidas a serem protegidas. As preocupações começam no preparo:
A gestante deve estar em jejum adequado;
É necessário avaliar se ela e o bebê estão estáveis;
A paciente deve ser posicionada sobre o lado esquerdo, o que evita a compressão da veia cava inferior e melhora a circulação sanguínea —reduzindo o risco de quedas de pressão;
A frequência cardíaca da mãe deve ser monitorada o tempo todo —e, sempre que possível, também o bem-estar fetal. Isso permite agir rapidamente diante de qualquer sinal de instabilidade.
"Durante a endoscopia, faz-se necessário o monitoramento dos sinais vitais da mãe (oxigenação, pressão, frequência cardíaca) e também é importante monitoramento do feto antes e após o procedimento", Medrado. "Após 24 semanas de gestação, sugere-se também o monitoramento da contratilidade uterina, a atividade de contração do útero", completa o médico.
Rafaela Cristina Winter complementa: "O procedimento deve ser o mais breve possível, feito por equipe experiente e, de preferência, com estrutura para emergências". Quando a sedação precisa ser mais profunda, o ideal é contar com um anestesista, garantindo maior controle sobre os efeitos da medicação.
E a vigilância não termina com o fim da endoscopia. Após o exame, a paciente deve permanecer em observação prolongada. Uma avaliação obstétrica de rotina também entra no protocolo.
"Após o procedimento é importante realizar-se a observação clínica da mãe e do feto, com a recomendação de seguimento conjunto com a equipe obstétrica. Faz-se necessário ainda repouso após o procedimento com orientações de retorno à rotina habitual somente no dia seguinte", diz Medrado.
A ginecologista Karla Mazzini reforça que qualquer sintoma, como contrações, sangramento vaginal ou dor abdominal deve ser prontamente avaliado por um obstetra, com acesso a suporte de emergência.
Endoscopia não é o único caminho
Apesar de ser extremamente útil, a endoscopia digestiva alta não é a única opção para investigar problemas gástricos durante a gravidez. E isso é uma boa notícia: em muitos casos, há alternativas menos invasivas, especialmente quando os sintomas são leves e não representam risco imediato.
"Sim, algumas situações clínicas podem permitir uma investigação que envolve a utilização de exames laboratoriais, ultrassonografia de abdômen e mesmo controle de sintomas com medicações até o estabelecimento do melhor momento para a realização da endoscopia", esclarece Medrado.
A ultrassonografia abdominal, por exemplo, pode ajudar a descartar causas mais amplas de dor abdominal, embora tenha suas limitações para visualizar o esôfago e o estômago. Mas, de acordo com arla Mazzini, os recursos mais valiosos continuam sendo os mais simples. "A escuta atenta da história da paciente, o exame físico e a resposta terapêutica inicial ainda são os principais aliados no cuidado à gestante com sintomas gastrointestinais".
Ou seja, antes de pensar em exames invasivos, é possível —e recomendado— tentar um tratamento clínico com medicamentos que sejam seguros durante a gravidez —mas isso deve sempre ser feito apenas com orientação médica.
Como conclui Rafaela Cristina Winter: "A escolha do método diagnóstico deve ser feita de forma cuidadosa e individualizada, considerando a gravidade dos sintomas e a fase da gestação."
Fontes: Bruno Medrado, médico endoscopista e coordenador de endoscopia do Hospital Aliança, da Rede D'Or da Bahia; Karla Mazzini, médica em ginecologia e em endoscopia ginecológica pelo Hospital Gama Filho e Maternidade Carmela Dutra e da Clínica Aphetus Tocantins; Rafaela Cristina Winter, gastroenterologista, mestre e professora do curso de medicina da Unicid (Universidade Cidade de São Paulo).
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