Naturalmente marcada

Cantora Tiê relembra diagnóstico de vitiligo aos 11, preconceito com a doença e fase de aceitação

Luiza Vidal Do VivaBem, em São Paulo Bruna Bento/UOL

Aos 11 anos, as primeiras manchas brancas começaram a aparecer no rosto e no corpo da cantora Tiê Biral, 41. Na época, ela era modelo e as pessoas ficavam perguntando o que era aquilo ou a olhavam com receio de que fosse algo transmissível.

Mas o vitiligo não é transmissível. Trata-se de uma doença autoimune, em que as células de defesa do organismo, por equívoco, "atacam" e destroem os melanócitos, células responsáveis pela produção da melanina, que dá cor à pele —por isso ocorre sua despigmentação.

Apesar de ter um forte fator genético, o vitiligo é uma doença multifatorial, ou seja, pode ter várias causas. São diversos fatores que, ao interagirem entre si, levam ao surgimento das manchas brancas na pele. Mas não é algo que cause algum risco para a pessoa, apesar de trazer impactos emocionais, sobretudo em crianças.

Em entrevista ao VivaBem, Tiê lembra que as primeiras manchinhas apareceram logo após sofrer um abuso e, segundo especialistas no assunto, isso pode mesmo acontecer. Não é incomum que crianças que passam por um trauma físico ou psicológico (e já tenham outros fatores associados à doença) apresentem logo na sequência os sinais do vitiligo.

"Tinha e ainda tenho poucas manchas, mas, mesmo assim, as pessoas perguntavam, achavam que pegava —e não, né? Mas elas tinham essa aflição, e eu sofria muito", conta a artista. Como já "não tinha muito saco" para modelar, parou com os trabalhos quando estava com 15 anos e sofreu com o vitiligo até os 24, período em que, finalmente, se aceitou.

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Vitiligo, eu 'nemteligo'

Durante a entrevista ao VivaBem por chamada de vídeo, Tiê fez questão de explicar que suas manchas sempre foram mais discretas e que até por isso crê que sofreu menos do que outras pessoas com vitiligo —quanto mais escura a pele, maior fica esse contraste.

Assim que elas apareceram, a mãe da cantora ficou preocupada e procurou médicos até descobrir o que a filha tinha. No começo, as manchas eram maiores e mais espalhadas pelo corpo, mas, com o tempo, elas diminuíram e se centralizaram em algumas regiões, principalmente perto dos olhos.

Quando veio o diagnóstico, foram atrás de diversos tratamentos —cremes para passar nas manchas e banhos de luz. Além disso, Tiê caprichava (e ainda mantém o hábito) no protetor solar, especialmente no rosto, para proteger a pele.

"Teve uma época em que estava 'noiada' e ia à praia com o rosto coberto de Hipoglós [pomada para assaduras]. Preferia passar essa vergonha do que mostrar as manchas no rosto. Me chamavam de Gasparzinho! Era horroroso, mas também passou", conta.

Mas nada parecia dar resultado. Então, ela percebeu que o problema tinha uma relação muito forte com suas questões emocionais.

Quando jovem, se preocupava tanto com a doença que tinha o hábito de se olhar no espelho de um banheiro que tinha luz negra, acompanhando as manchas brancas no corpo. Já mais velha, começou a chamar o vitiligo de "nemteligo".

Como nuvens pelo corpo

Desde os 24 anos, Tiê conta que as manchas se estabilizaram, algumas até diminuíram ou sumiram. Atualmente, aos 41, há poucas marcas do vitiligo: apenas algumas no rosto e outras na região da barriga.

Hoje, não preciso passar mais nada, apenas protejo com filtro solar. Até por isso minha pele é ótima porque nunca tomei sol no rosto. Minha maquiadora sempre elogia e falo que só passo protetor, óleo de coco e lavo com sabão.

Quando começou na carreira musical, optou por evitar esconder as manchas com maquiagem. "Sempre pedia para não passarem muita maquiagem. Isso para fortalecer as pessoas a se assumirem também", explica a cantora. Na época, também ouvia de um antigo namorado que aquilo era a "sua marca".

Eles iam a festivais de música trance e, como tinha luz negra nos locais, as pessoas ficavam admiradas com as manchas de Tiê. "Pensavam que era maquiagem", conta. O namorado, que fazia desenhos na pele do público, dizia a ela: "Eles me pagam para que eu marque a pele deles e você já tem isso naturalmente".

Nesse processo de "aceitação do vitiligo", como ela mesmo fala, percebeu que deveria trabalhar mais esse lado espiritual. Apesar de ter uma doença autoimune, Tiê diz que sua imunidade é boa, mas basta algo externo abalar seu emocional que ela sente coceiras e dores de barriga (problemas que não possuem relação com vitiligo). Hoje, tem a meditação e a ioga como práticas essenciais para manter a mente "em dia".

Tem um livro muito legal feito pela mãe de uma criança com vitiligo que chama 'A Menina Feita de Nuvens' e, no perfil dele no Instagram, há fotos de várias pessoas que têm vitiligo. As manchas são como nuvens, são marcas. É como uma tatuagem: uma marca que vamos manter. A gente é o que é.

Tiê Biral, cantora

Entenda o vitiligo

O que é

Doença autoimune que causa manchas brancas na pele, mais frequente em mãos, cotovelos, joelhos e pés. No rosto, localiza-se ao redor dos olhos e da boca. Dependendo do lugar e da extensão, o vitiligo é: localizado (pequenas áreas), segmentar (um segmento do corpo), generalizado (áreas mais extensas) e universal (mais de 75% da pele).

Causas

Não se sabe ao certo. São diversas teorias que explicam o surgimento das manchas brancas pelo corpo, como: histórico na família; ter outras doenças autoimunes (hipotireoidismo, por exemplo); excesso de radicais livres, entre outros. Há ainda os fatores desencadeantes, como uma pancada ou machucado na pele e traumas psicológicos (luto, estresse, violência, abuso etc).

Tratamento

São várias opções, como remédios tópicos, em creme, e a fototerapia, além de medicamentos orais. Tudo depende do quadro do paciente, o tamanho das manchas, as partes do corpo em que surgem etc. Outro ponto é o tempo: quanto antes procurar ajuda, mais chance de ter resultados no tratamento e, consequentemente, no controle da doença.

Bruna Bento/UOL Bruna Bento/UOL

Ioga e meditação todos os dias

Quando está mais tensa, a artista faz meditação até quatro vezes ao dia —guiada ou não. Além disso, pratica ioga e, segundo a cantora, a atividade é o que mais tem a ajudado desde o começo da pandemia.

Ninguém está bem mentalmente falando. Estamos um caos. Ando em crise porque a gente realmente está zumbi na internet, somos reféns dos celulares, das telas.

Com duas filhas (Amora tem 8 anos e Liz, 11), Tiê nunca achou que ficaria tão incomodada com o "tempo de tela" das meninas como está agora. Como as aulas também ficaram online, teve que lidar com o excesso de tecnologia —celular, notebook, tablet, televisão— no dia a dia das crianças.

A cantora conta ainda que, às vezes, tem vontade de sair das redes sociais. "Tenho crise com o Instagram, só que aí falam que é importante para o trabalho", diz. "Mas se meu trabalho depende disso, então talvez eu não queira mais fazer esse trabalho."

Mas, ao mesmo tempo, as redes sociais têm sido uma boa plataforma de conexão com os fãs. Durante a pandemia, lançou o disco "Kudra", que gravou em casa, ao lado das filhas, além de outras músicas. O processo criativo da cantora não parou, apesar do desânimo com o momento que o país passa.

"Eu canto porque me ligo aos fãs. É uma questão de acalmá-los em algum lugar. Meu talento como artista é trazer acalento, um abraço quentinho. Não deixei de fazer [música] porque essa troca com os fãs é grande, mas não faço planos mirabolantes."

Bruna Bento/UOL

Veganismo como estilo de vida

Aos 26, Tiê passou por um grave problema de saúde no pulmão e quase morreu —a causa exata, até hoje, é nebulosa. O fato é que, atualmente, ela está bem. Naquela época, resolveu cuidar mais do corpo e adotar hábitos mais saudáveis na alimentação —algo que mantém até hoje.

Tiê teve uma experiência de seis meses com o veganismo no passado e agora voltou a seguir este estilo de vida. Ela diz estar "em crise" com tudo que come, principalmente pelas questões envolvendo o meio ambiente.

É uma questão delicada. É um hábito muito enraizado o de comer carne e penso no quanto tudo isso contribui para poluir o meio ambiente. Então, voltei a ser vegana mais por uma questão política, e também por achar que faz bem para a minha saúde e que assim eu como melhor.

Mesmo com a mudança, diz que às vezes leva as filhas para comer fast-food. Não defende o "radicalismo" e, sim, o equilíbrio: um pouco de besteira, um pouco de salada.

Apreciadora de livros, a cantora está lendo, no momento, um livro sobre o impacto da nossa alimentação no ambiente, "Nós Somos o Clima: Salvar o Planeta Começa no Café da Manhã", de Jonathan Safran Foer, um de seus autores favoritos. Segundo ela, o texto traz boas reflexões.

É importante se aceitar como se é, principalmente o nosso corpo, mas existe um limite entre aceitar e comer apenas 'lixo' porque está triste, por exemplo. Temos duas casas: nosso corpo e o planeta Terra. Temos que tentar cuidar dos dois.

Tiê Biral, cantora

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