Todas essas experiências de liberdade e autonomia, que envolvem o uso de habilidades ou levam a descobertas pessoais, são possíveis a partir do ócio criativo. Na atual sociedade do consumismo exacerbado, onde tudo é monetizado e vira produto, o ócio foi convertido em lazer (tempo socialmente convencionado como livre), e o lazer se converteu em consumo. Com isso, perdeu-se a noção de um momento destinado ao desfrute e ao desenvolvimento humano.
Assim, fomos cooptados por um modelo de organização do mundo corporativo que nos cobra e exige uma dedicação plena e total. O medo da inatividade e da chamada "enfermidade do tempo", quando a pessoa tem dificuldade em lidar com períodos livres, é caracterizada por sintomas como culpa diante de instantes sem obrigações, vazios na agenda, e ansiedade elevada em finais de semana, feriados e férias. É quando a pessoa cria táticas para preencher todas as horas e não permanece sozinha com os próprios pensamentos —como checar constantemente o celular ou fazer algo considerado socialmente produtivo.
Vale destacar que a proposta do conceito de ócio criativo não está relacionada necessariamente a não fazer nada. Mas se permitir investir em objetos de satisfação, como estudo, meditação, arte, poesia, esporte ou outro hobby, numa forma de fazer circular o desejo e a capacidade de criação. Na medida em que os indivíduos são privados de sua capacidade criativa, do próprio querer em nome da produção, temos sujeitos cada vez mais alienados quanto ao próprio desejo, o que colabora para a manutenção do mal-estar e do sofrimento psíquico.
A recusa em parar alimenta e resulta na aceleração do tempo, personificada pela incapacidade de permanecer em algo que perdure. A opção por viver num ativismo desenfreado, de fazer diversas coisas simultaneamente ou sucessivamente, num constante saltitar, evita uma consciência mais profunda da realidade e traz consequências que repercutem nas práticas sociais. Não se trata de irresponsabilidade, ao contrário, mas de uma posição ética que permite a construção de novos elementos. É preciso se conhecer para perceber os sinais da dissonância, diferenciar o que realmente pode contribuir com a realização do seu propósito. O ócio é uma excelente oportunidade de se escutar.
Diante tamanha aceleração do tempo, que conduz à falta da introspecção e do convívio consigo mesmo, não sabemos mais praticar o ócio. O desejo de ter se sobrepõe e esvazia o centramento no próprio ser, e a realização do humano desemboca numa inquietude e coisificação de tudo e todos. O bem-viver, sem estar atrelado à condição material, precisa ser reaprendido. Isso é possível a partir de pequenos esforços diários para resgatar ações que nos propiciam prazer, dão sentido humano e revigoram as próprias forças, e não como uma máquina de potencial produtivo.