Corpo além do padrão

Samara Felippo mostra que autoaceitação não é o mesmo que descuido e o importante é fazer mudanças pela saúde

Priscila Carvalho Do UOL VivaBem Ricardo Borges/UOL

Ela é atriz, feminista, mãe e levanta a bandeira da aceitação corporal. Quem vê Samara Felippo bem com seu corpo aos 40 anos de idade, não imagina que nem sempre foi assim. Diante de tantos pedidos e pressões para perder alguns quilinhos a mais enquanto fazia trabalhos na TV, a vida da artista foi marcada por uso de remédios para emagrecer, plásticas e altos e baixos com o corpo.

Hoje, depois de quase duas décadas desde que estreou seu primeiro papel em Malhação, a atriz finalmente conseguiu enxergar que o cuidado com o corpo deve ser, acima de tudo, por saúde.

"Nós estamos vivendo tempos muito sombrios em relação à estética, cobranças com a forma física da mulher. Infelizmente, isso é estrutural, a gente vira sem perceber. Desde sempre a sociedade impõe isso para gente e você não foge muito daquela velha urgência: 'preciso fazer dieta'", diz.

Ricardo Borges/UOL
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Aceitação real e virtual

Há algum tempo Samara tem usado as redes sociais, principalmente o Instagram, para falar sobre diversas questões de aceitação corporal. Mas isso começou de forma não tão intencional: "eu estou tentando me empoderar e me reconstruir, então me pego às vezes falando sobre isso. E poder expor o mínimo deste tema numa rede social é um serviço que a gente presta".

E isso inclui postar não só fotos posadas e produzidas, mas também imagens de dia a dia em que há um ângulo menos favorável ou uma postura que pode evidenciar uma barriguinha que não é chapada

E você pode até pensar: "o que a Samara Felippo, que sempre foi magrinha, consegue dizer sobre não se sentir bem com seu corpo?" A questão é que ela, como atriz, sempre sofreu uma pressão bem forte para ter um corpo perfeito. "Sabe aquela mulher que é considerada gostosa? Para a TV, ela é gorda, tá?", ironiza.

Ela comenta, por exemplo, que já perdeu papeis porque precisavam de alguém mais magra do que ela. "Eu tenho uma estrutura de corpo com braços e coxas um pouco mais roliços, e modificá-la exige um sacrifício que hoje não estou afim de fazer". Mas já esteve, e usou diversos recursos para isso.

Eu deixei de fazer capas de revista porque tinha vergonha. Eu falava que não podia, que estava viajando, tudo porque estava 'gorda'. Era uma autosabotagem

Samara Felippo

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Anfetamina era o remédio da época

Quando estreou seu primeiro papel nos anos 2000, ela estava em uma das melhores fases de sua vida. Mas a relação com o corpo não condizia com a felicidade daquele momento. Na época, a atriz começou a tomar anfetaminas e anfepranomas para retirar o apetite e se manter sempre magra. "Foi a época que eu me senti mais linda, mais feliz".

Uma década depois esses remédios foram vetados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Mas hoje a anfepramona, femproporex e mazindol estão novamente com a venda aprovada sob prescrição médica, depois de uma lei de 2018.

Mas não imaginava que, ao parar de usá-las, viria o efeito rebote. "Quando o remédio saiu, eu fui ladeira abaixo. Eu engordei quase uns 8 kg, terminei um namoro, chorava muito, foi horrível", conta. Nesta época, passou dos 70 kg --o que já resulta em um IMC (índice de massa corporal) de sobrepeso para seus 1,64 m de altura -- e começou a comer compulsivamente.

Ao pegar uma foto daquela época, ela mesma percebe que tinha um corpo "normal". Mas a pressão por aparecer em uma capa de revista a fazia estar o tempo todo em briga com a balança. "Eu sempre tinha que emagrecer dois quilinhos, como se fosse a coisa mais tranquila. Hoje eu olho e penso o quão linda eu estava, que não existia uma pessoa gorda ali", revela.

Como as anfetaminas agem no organismo

  • Enganam o cérebro

    Os inibidores de apetite são remédios que acabam com a sensação de fome. O cérebro se acostuma com isso e não sente falta por estar recebendo menos calorias

  • Provocam efeitos colaterais

    Pacientes com sensibilidade maior tendem a ter sintomas como boca seca, insônia, batimentos cardíacos acelerados, irritabilidade, tremores e sudorese

  • Geram dependência em caso de uso excessivo

    O uso contínuo do medicamento, principalmente sem supervisão, provoca efeitos colaterais graves como delírios, convulsão e dependência de seu uso

  • Causam efeito rebote

    Ao retirar o medicamento, a pessoa fica obcecada em comer e absorver calorias de forma tão intensa, que desenvolve uma compulsão alimentar e entre em um efeito sanfona

Enquanto você toma o remédio, vive bem porque está emagrecendo, comendo pouco: é só magreza e felicidade. Quando o tiram é muito ruim

Samara Felippo

"Não precisava de plástica"

Além dos remédios, a vida da atriz foi marcada por uma cirurgia plástica desnecessária. Depois de cortar os inibidores de apetite, tratar a compulsão alimentar e o ganho de peso, ela voltou ao seu peso habitual. Mas todos esses cuidados não foram suficientes e, aos 24 anos, optou por fazer uma lipoaspiração --fase em que ela mesma se considerava um "palito". "Eu era magra --devia estar com uns 60 kg, não me lembro bem. É algo que eu me arrependo muito e hoje eu penso 'quem me deixou fazer isso?', por que não tinha alguém que pudesse me orientar melhor", diz Samara.

A cirurgia plástica é um procedimento invasivo, e por isso envolve alguns riscos. Por isso, é importante que o médico tenha o bom-senso de ponderar se o ganho que o paciente terá compensa passar por uma operação. Isso fica muito nítido em casos de transtorno disfórmico corporal, que são casos mais graves do que o da atriz. Hoje, a recomendação da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) proíbe os médicos de realizarem cirurgias em pacientes com esse problema, que pode ser percebido pelos médicos em uma avaliação ou consulta. Normalmente, o paciente possui uma alteração mínima em seu corpo e sofre excessivamente com isso.

No meio disso tudo, Samara sempre procurou fazer exercícios como jogar vôlei, handebol, fazer musculação e, mesmo assim, corpo e mente nunca andavam juntos. O mais triste, segundo ela, é ver que meninas cada vez mais jovens estão em busca de cirurgias plásticas, não praticam atividade física e acham que a técnica pode resolver tudo.

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"Parem de apontar o dedo"

Demorou quase 20 anos para a atriz perceber que não havia nada de errado com o seu corpo. O processo foi longo e doloroso. Para ela um dos problemas é o julgamento alheio, que coloca o dedo na cara de alguém, mas é a pessoa apontada que assume as consequências.

Ela conta que começou a ser influenciada por outras mulheres e passou a entender o que era autoaceitação. Ao poucos, Samara deixou de reproduzir frases que a sabotaram no passado diante do espelho: "meu corpo é feio", "não vou colocar biquíni", "ele não vai me querer". Segundo ela, uma "chavinha" foi virando.

E se engana quem pensa que se aceitar é o mesmo que deixar de se cuidar. O importante, na verdade, é ter um cuidado com o corpo porque você o ama e não por odiar seu formato. Quando isso acontece é mais fácil tomar atitudes saudáveis em prol do seu organismo. Começar uma dieta na segunda-feira querendo logo ficar magro só leva a pessoa a chegar na sexta-feira ainda mais frustrada ou querendo comer tudo que vê pela frente.

É o caso de Samara, que mesmo não se preocupando tanto com o número da balança quanto antes, não deixou de ir ao médico e fazer os exames de rotina. "Eu sei que precisamos ter cuidado com aquela gordura visceral. Por isso me preocupo com a minha alimentação, porque o cuidado com a saúde vem de dentro para fora". Tanto que hoje ela não come em fast foods, mas segue tomando cerveja quando sente vontade e não se priva de comer carboidratos, por exemplo. "É um equilíbrio".

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