No jardim de Rael

Natureza, endorfina e fé: os ingredientes que mantêm a saúde mental de Rael, cantor e compositor

Giulia Granchi Do VivaBem, em São Paulo Lana Pinho

Se você já escutou o som de Rael, provavelmente notou, entre as letras de rap, uma boa pitada de reggae e a forte influência de diferentes elementos da natureza.

Cantando sobre plantas, raios de sol, brisas leves, amor e outros sentimentos bons —em uma pegada good vibes— ele propõe, pela sua arte, o movimento de desacelerar. É um convite para olhar para dentro sem deixar de se importar com o que acontece no mundo lá fora.

Em seu estúdio, apelidado de "Horta", o cantor e compositor conversou com VivaBem e compartilhou ideias sobre saúde mental, meio ambiente, rotina de exercícios físicos e suas mudanças mais recentes nos hábitos.

Reconexão com a natureza

A nova música de Rael leva o nome de "Passiflora", gênero ao qual pertence a planta do maracujá, considerada um calmante natural e usada para aliviar os sintomas da ansiedade.

A inspiração surgiu quando ele notou a flor, que nasceu espontaneamente, em seu jardim. "Me fez pensar o quão desconectados da natureza estamos, porque eu precisei pesquisar para saber qual era a planta. Se fosse minha avó, só de bater o olho, ela saberia", diz.

A ideia da música, explica, é resgatar essa conexão.

Na letra, as frases nos convidam a olhar à nossa volta e viver no agora —um lembrete para o próprio compositor. "Sou naturalmente acelerado. Minha rotina é não ter rotina, então, com a pandemia, precisei construir uma. Tem dado certo, agora estou no ritmo circadiano."

Estar em casa, com tempo para olhar para si, ajudou Rael a comer e dormir melhor. "Mas, por outro lado, às vezes, a aventura mais emocionante é ir ao mercado. Então dá um choque no sistema. Para compensar isso, eu, que já fazia atividade física, intensifiquei."

Lana Pinho Lana Pinho

Endorfina e adrenalina, combustíveis para o processo criativo

Quando era adolescente, Rael dançava break, também conhecida como "dança urbana", atividade que faz parte do universo do hip-hop. Com movimentos intensos e acrobacias, o break dance é um ótimo treino para o sistema cardiovascular e, por isso, quem o pratica geralmente tem um fôlego de dar inveja.

Depois, ajudando seu pai no trabalho, que era pedreiro, ele aprendeu a levantar pesos e desenvolveu a musculatura.

Em 2001, teve tuberculose e, com o agravamento do quadro, perdeu metade de um pulmão. Ouviu do médico que teria dificuldade para cantar, mas Rael conseguiu ir muito além.

Mais de uma década depois, em 2014, ele vivia um momento de popularidade, com alta frequência de shows. "Às vezes, fazia quatro apresentações por dia, contrariando o médico, pois cantar, pular e rimar gastam muita energia", conta.

A intensidade nos palcos era acompanhada por horas escassas de sono e alimentos pouco saudáveis. "Foi quando falei: 'Vou precisar cuidar da máquina.' Retomei o autocuidado para dar conta de tudo", lembra Rael.

Com a ajuda de um professor, o cantor começou a fazer pilates, para melhorar a flexibilidade, e a correr. Depois, seguiu treinando sem o treinador e já percorreu a distância de uma meia maratona (21,097 km) algumas vezes.

"A endorfina, a serotonina e a adrenalina (liberadas no exercício) me ajudam, inclusive, no processo criativo. Fico mais focado nas composições, no estudo do violão, nas aulas de inglês e até mais disposto para acompanhar meu filho, de 9 anos, que tem muita energia", diz.

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Autocuidado, um ato de resistência

Em 20 anos de carreira, as composições de Rael expressaram muitos dos problemas sociais que ainda acontecem hoje. "Canto desde moleque sobre diferenças, racismo, morte da população negra, prisões injustas."

Quando as letras não trazem palavras de luta e militância, ele é cobrado. "Não é porque eu sou preto e do rap que eu preciso sempre estar gladiando. Alguns me falam: 'Pô, Rael, cadê aquelas ideias? Que história é essa [que você está cantando], estamos com governo fascista.' Nem respondo. Na época das eleições eu deixei claro que não concordava com esse caminho."

A ideia, explica ele, não é ignorar o que acontece no mundo —e sobretudo, no Brasil —, mas oferecer também uma narrativa diferente.

"Minha arte é um convite para você olhar para você enquanto está rolando tudo isso, porque virou uma guerra diária —social, espiritual e emocional. Então, para você se manter vivo e forte, tem que ter algum tipo de motivação, sorrir na hora que puder. Se cuidar é um ato de resistência."

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Quem tem fé costuma não andar em choque

Não é segredo para ninguém que fazer música no Brasil não é fácil. Para Rael, a fé, outro pilar importante para a sua saúde mental, é o "fio condutor" que o trouxe até onde ele está hoje.

"Tem muita gente para dizer que vai dar errado. Então você tem que ter muita fé. Não só em uma religião específica, mas até em você mesmo. E acreditar que existem coisas que a gente não vê, mas nos dão forças quando estamos seguindo no caminho certo."

Uma de suas canções, chamada "Quem tem fé", mostra a influência que recebeu. A música, baseada na família de Rael, conta a história de uma avó branca que praticava os ensinamentos do candomblé, e outra, preta, católica. Embora diferentes nas crenças, ambas o ensinaram a acreditar em Deus.

"Durante uma época, quando estava sendo ameaçado na minha quebrada, eu rezava o Salmo 91 e pedia proteção. Acho que essas coisas me mantiveram vivo."

Mas a fé, para ele, consiste não só em pedir, é também sobre dar. "Acredito que cada ser tem um papel no cosmo. Nós, humanos, podemos ter um papel de guardiões. Como seres desenvolvidos, não estamos aqui só para inventar coisas, mas para pensar em como vamos preservar toda a biodiversidade. Precisamos lembrar do nosso verdadeiro papel."

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