Quem é você na firma?

Dá para explicar comportamentos no trabalho com base na qualidade dos vínculos criados ao longo da vida

Priscilla Aiulo Haikal Colaboração para o VivaBem Mari Casalecchi / VivaBem

Você já se pegou pensando por que raios você e outras pessoas têm determinados comportamentos no trabalho? Às vezes acaba sendo difícil lidar com as individualidades de cada um, o que torna a vida em equipe complicada. Existe uma metodologia que ajuda a identificar e interpretar as reações e comportamentos dos funcionários: a teoria do apego. Nela a qualidade, segurança e estabilidade dos laços desenvolvidos influenciam diretamente na saúde emocional e comportamentos das pessoas, até mesmo no trabalho.

Para melhor delimitar esse alcance, foram estabelecidos padrões de comportamento específicos. Veja a seguir mais sobre essa teoria e descubra qual padrão está mais relacionado a você.

Mari Casalecchi / VivaBem
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Mais uma vez: a importância da figura materna

Tudo começou por volta dos anos 1950. A OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou as análises elaboradas pelo psiquiatra e psicanalista inglês John Bowlby, que estudava a separação de crianças de suas famílias. O texto "Cuidados maternos e saúde mental" passou a ser considerado como base para a teoria do apego e trata sobre a importância da figura de um cuidador que ofereça segurança, proteção e estabilidade desde o nascimento dos indivíduos.

Na base dessa teoria está o sentimento de disponibilidade vivenciado emocionalmente pela criança com os pais ou cuidadores, responsáveis por fornecer as condições necessárias de sobrevivência, tais como proteção e segurança. Faz parte de uma tendência instintiva manter proximidade com alguém mais forte e qualquer coisa que ameace essa fórmula gera ansiedade.

Quanto mais os cuidadores forem acessíveis às necessidades, maior a probabilidade das crianças entenderem que podem contar com o suporte emocional dos adultos. De acordo com a teoria do apego, os indivíduos estabelecem modelos funcionais internos conforme o que se vive na infância (experiências gratificantes ou desagradáveis), e esses modelos influenciam os padrões de comportamentos durante toda a vida. Por exemplo, sentir uma angústia crônica nos momentos de tensão, novidade ou crise.

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Modelos mais simples de comportamento

A teoria do apego se refere fundamentalmente a alguns comportamentos que estão ligados às relações interpessoais. Para facilitar seu uso em estudos, na década de 1980 foram estabelecidas classificações conforme o tipo de apego --seguro, evitativo, ambivalente e desorganizado. São medidas desenvolvidas em situações com diferentes níveis de estresse e mais recentemente passaram a ser aplicadas para explicar nossas reações no ambiente corporativo, onde impressões de circunstâncias de ameaça, desavença e confronto são muito comuns.

Esses perfis são usados de forma mais simples, para que a pessoa consiga identificar alguns de seus problemas e se classificar em um padrão. No entanto, vale lembrar que na vida real isso pode ser muito mais complexo: por exemplo, cada perfil corresponde à interação da criança com um cuidador, mas muitas pessoas têm dois ou mais durante a infância. Esses indivíduos podem apresentar, portanto, características diferentes, caso essas figuras de proteção tenham agido de formas distintas (um sendo mais próximo do que o outro, por exemplo). Mesmo assim, os especialistas reforçam que haverá um perfil mais predominante.

Além disso, não é só o ambiente que é determinante para a formação da personalidade e comportamento de uma pessoa. Existem também fatores biológicos, além do peso das outras relações que a pessoa pode ter tido na vida dela. Mas, para ajudar no autoconhecimento, esmiuçamos a seguir os quatro perfis principais da teoria do apego e seus comportamentos no trabalho, para você testar com quais se identifica mais:

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Apego seguro: eu me garanto em mim e nos outros

Quem nunca se deparou com um colega que se destaca por exercer suas funções de maneira ágil e prática, sem distrações ou procrastinação, que se dá bem em tarefas desempenhadas em grupo e que está sempre disposto a apoiar, incentivar ou aplaudir as conquistas de alguém da equipe? Essa é a pessoa com perfil seguro.

Mais que isso, é aquela pessoa que não liga para fofocas e prefere distância daqueles que têm o hábito de falar mal sobre tudo e todos. Isso porque quem está nesse perfil costuma possuir confiança em si próprio, tranquilidade e desenvoltura, principalmente por ter criado internamente a expectativa de que pode contar com outras pessoas.

Devido sua experiência pregressa, acredita que vai ser amparado e atendido quando precisar do auxílio alheio, o que faz com que tenha facilidade de adaptação com situações adversas, não se abalando muito diante ameaças. Sabe reconhecer seus limites e dizer não, pois entende que não precisa dar conta de tudo e pede ajuda sempre que precisar. Consegue delimitar metas, dividir funções, tomar decisões e cumprir as atividades.

Isso ocorre pois os cuidadores dessa pessoa conseguiram detectar os estados emocionais dela quando criança e atender seus anseios de maneira satisfatória, criando uma noção de bem-estar e segurança. Por isso, se tornaram adultos mais sociáveis, menos inibidos, com maior ímpeto de explorar situações e ambientes.

Características: transmite força, confiança e atitude, mas precisa estar atento para receber feedbacks.

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Apego evitativo: não grude, não

Pessoas que colocam grande peso em suas metas, gastam muito tempo e energia para finalizar projetos, acreditam que os outros não conseguem realizar tão bem as tarefas e evitam a aproximação intensa dos demais. Essas são algumas das características de indivíduos com apego evitativo. Normalmente, quando crianças essas pessoas sentiram que foram rejeitadas por seus cuidadores, provavelmente em momentos em que revelaram suas necessidade. Devido à falta de resposta quando solicitaram cuidados, desenvolveram medo de intimidade e dificuldade em aceitar o próximo.

Costumam ter atitude reativas ou defensivas, não levam em consideração o que os outros estão falando e suspeitam dos motivos alheios. Não são de pedir ajuda, pois têm a ideia de que precisam superar as dificuldades sozinhos. Favorecem as prioridades individuais, não é simples se colocarem no lugar do outro e dão pouca importância às decisões do coletivo.

É um perfil muito atribuído aos chefes e gestores de equipe, já que possuem um nível intelectual bastante desenvolvido. Como não tiveram muito amparo na infância, se fecharam para interações com o ambiente e se tornaram emocionalmente mais contidos. Daí a preferência por se relacionar com ideias e coisas, se tornando adultos com os aspectos mentais muito acentuados.

Têm problemas com relações interpessoais, já que estabelecem limites de intimidade para satisfazer suas próprias necessidades de autonomia e independência. Identificam bons líderes, mas não conseguem capacitá-los e motivá-los para desempenhar funções de destaque. São mais frios e distantes no trato e relacionamento com os demais.

Características: bom líder e dedicado às metas, mas transmite distância e resistência.

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Apego ambivalente: insegurança e dependência

Pessoas com o perfil de apego ambivalente desenvolvem relações emocionais intensas com os colegas do trabalho e que gostam de reclamar e falar sobre a falta de reconhecimento na corporação. Por serem muito carentes e inseguros, devido uma necessidade bastante grande de afeto, possuem dificuldades de se relacionar com os outros. Isso porque exigem muita atenção e não conseguem pedir ajuda com facilidade.

Isso pode se refletir inclusive no perfil do funcionário diante dos boatos e fofocas da empresa. Por terem uma tendência a proliferar por toda a equipe o medo que sentem das coisas darem errado, podem ajudar a disseminar informações negativas que podem desmotivar, baixar a produtividade e até prejudicar a retenção de talentos. Por isso, o perfil ambivalente é comum em que pratica o famoso "leva-e-traz" corporativo.

Normalmente apresentam extremos emocionais, que se refletem em marés de maior ou menor produtividade no ambiente corporativo. O receio da rejeição faz com que sejam solícitos e submissos, não sabendo negar tarefas quando sobrecarregados. Sentem que são incompreendidos pelos outros, que nunca estão dispostos a se comprometer.

São comportamentos de apego que decorrem de uma inconstância quando o cuidado foi solicitado. Como houve desatenção ou rispidez quando se buscou por apoio, esses indivíduos ficaram dependentes e com a autoestima baixa, sendo muito comum estarem sempre na defensiva. Por causa do medo e da falta de confiança, deixaram de tentar explorar o ambiente, o que gera estagnação diante situações de ameaça e problemas para resolver as coisas.

Características: são solícitos e comprometidos, mas tendem a manifestar dependência, desvalorização e insegurança.

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Apego desorganizado: perdido nos medo e sentimentos

Esta quarta classificação foi elaborada posteriormente às três anteriores já citadas. Ela mistura um pouco o padrão ambivalente e evitativo. É um padrão identificado nas pessoas menos propensas a desenvolver vínculos seguros, pois não possuem confiança e nem habilidade para ler emoções dos outros. Por isso, elas têm dificuldade em lidar com situações de conflito e medo, o que ocorre também no trabalho. É comum que eles fiquem preocupados com as consequências das suas ações.

São reações inconsistentes e contraditórias, de indivíduos que desenvolveram um apego desorganizado por conta negligência ou até de maus-tratos ao acionar seu cuidador. Representa uma ruptura nessa lógica de busca por proteção e reflete a falta de uma estratégia representativa organizada para obter cuidados.

Muitas vezes essas pessoas sentem dificuldades em desenvolver tarefas no ambiente de trabalho e isso está ligado à descrença na capacidade de si mesmo e na do próximo. É comum que desenvolvam características hostis e agressivas, acompanhadas de sentimentos de inferioridade, que dificultam a regulação de emoções negativas. A carência por meios consistentes de controlar impulsos e de se acalmar faz com que realizem movimentos inacabados ou desorientados, sem uma direção ou intenção clara. A vontade é de fugir ou escapar de situações desconfortáveis.

Características: são preocupados com seu trabalho, mas costumam manifestar tristeza, irritação e indiferença.

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Identificar, entender e modificar

Se você se identificou com algum desses padrões de comportamento e encontra problemas no seu dia a dia devido a ele, pode buscar ajuda para mudá-los. Os especialistas reforçam que é preciso conhecer e analisar profundamente as histórias individuais para entender como se deu o desenvolvimento da subjetividade em cada um e assim mapear as razões para sentimentos como incerteza, insegurança e ambivalência. A recomendação é a busca pela psicoterapia.

Listamos a seguir algumas dicas gerais para cada perfil, mas é importante buscar ajuda se perceber que seu comportamento está prejudicando suas relações no trabalho e pessoais.

- Apego seguro: por mais que esse perfil tenha mais facilidade para lidar com as situações ao seu redor, por se sentir mais seguro, é importante que ele peça por feedbacks e se certifique de que as situações em seu entorno estão sempre favoráveis como ele imagina;

- Apego evitativo: por terem dificuldade de confiar e se aproximar afetivamente, pessoas nesse perfil podem tentar socializar mais e se envolver em situações que tenham relacionamentos interpessoais. Um exercício importante é aprender a falar das dificuldades, dividir inquietudes e questões emocionais, mostrando as vulnerabilidades e sabendo pedir apoio;

- Apego ambivalente: a dica para esse grupo é buscar desenvolver a autonomia individual. Alguns meios de fortalecer esse aspecto seriam trabalhar a capacidade de resolver conflitos e problemas e buscar equilíbrio psicológico para evitar gangorras emocionais e atingir um nível de certa estabilidade em termos de humor e sentimentos;

- Apego desorganizado: para quem tem esse perfil, a orientação é escolher uma figura para ter como mentor, ser um modelo que vai ajudar a alcançar objetivos e a ser uma pessoa melhor, e a partir disso, explorar noções de confiança no outro. A ideia é modificar a visão de mundo e desconstruir a impressão de que ninguém presta.

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