Eles estão exaustos!

Profissionais de saúde estão completamente esgotados, mas covid não dá trégua e ultrapassa 200 mil mortes

Carlos Madeiro Colaboração para VivaBem iStock

Diz o ditado que depois da tempestade vem sempre a bonança, mas ele não parece fazer sentido no dia em que o Brasil atingiu a triste marca de 200 mil mortos pela covid-19.

Para os profissionais da área de saúde, o alívio após a redução de casos depois do primeiro pico de infecções no país durou pouco, e a tempestade voltou com céu ainda mais nublado. Houve um repique da doença —ou segunda onda— e hospitais estão novamente cheios, falta medicamentos para sedar e relaxar a musculatura dos pacientes e muita gente está morrendo.

VivaBem ouviu profissionais de seis áreas diferentes e que atuam na linha de frente do combate ao coronavírus nas cinco regiões do país. Apesar da distância geográfica, os relatos são similares: dificuldades, sofrimento de familiares dos internados e angústia do que ainda estar por vir nesse novo ano. Mas a palavra mais repetida por esses profissionais é exaustão.

Diante de um cenário que poderia ser evitado com medidas de cuidados pessoais e coletivos, eles relatam o cansaço físico e mental com o aumento de casos e não escondem a tristeza e até revolta com o comportamento da sociedade.

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Arquivo pessoal

João Hugo Abdalla

Infectologista do Hospital Adventista de Manaus

"As dúvidas ainda continuam, e a gente não tem respostas de grandes tratamentos. Isso vai deixando a equipe um pouco desmotivada. Ainda nos sentimos impotentes diante dessa doença porque, às vezes, isso independe do que fazemos para ajudar o paciente.

Quanto mais tempo isso perdura, mais ficamos exaustos. Exaustos porque vemos tantas pessoas adoecerem e morrerem. Isso vai desgastando lentamente. Acredito que a impotência diante de tudo nos deixa ainda mais apreensivos, assim como mais cansados e desanimados, mas obviamente sempre mantemos a esperança de poder ajudar.

Em contrapartida, a gente não observa da população uma ajuda no que se diz respeito a manter as medidas de proteção e isolamento.

A irresponsabilidade de termos tantas pessoas doentes, e ainda ter gente frequentando festas e locais cheios porque ninguém quer perder 'aquele momento', ou porque mantém um casamento que poderia ser postergado. As pessoas não querem abrir mão de um pequeno momento, e aí acabam comprometendo toda uma vida. Várias vidas, na verdade, porque expõe outras vidas ao risco.

Isso tudo junto ao mesmo tempo, acontecendo de intensidades e formas diferentes, traz realmente uma tristeza, uma certa sensação de impotência. Não temos a cura da doença, e a gente vai lutando e remando contra a maré. Essa é a sensação."

Em 2021, espero que tenhamos mais equilíbrio, que sejamos menos imediatistas e possamos viver o dia intensamente e aproveitar nossos amigos. Que a maior conquista seja o amor ao próximo!

João Hugo Abdalla

Hospital Albert Einstein/Divulgação

Luciene Pontes

Enfermeira da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, em São Paulo

"Estou na UTI desde o primeiro paciente que chegou. No início, era tudo muito novo. Em um curto prazo a gente conseguiu aprender a cuidar dos doentes. Só que agora, nessa segunda onda, estão vindo muitas novidades, e uma delas é a gravidade acima do esperado.

A gente não sabe se tem relação com o vírus, com as aglomerações por conta do relaxamento ou talvez se os pacientes estão vindo mais tardiamente.

Emocionalmente, está sendo pior agora porque, no início, era uma questão de aprendizado. Fomos obrigados a aprender de imediato, e agora que já sabemos como manejar, a angústia é tentar salvar o paciente e muitas vezes não conseguir.

A gente ouve muitos relatos de pessoas que se infectaram por terceiros. Tipo: um idoso que estava em casa e foi contaminado por algum parente ou funcionário. Veja a gravidade: idosos que estavam isolados e mesmo assim ficaram doentes.

E uma grande dificuldade que vejo é a questão do distanciamento da família, porque geralmente o doente crítico fica entubado e há o sofrimento de um familiar ver o ente querido evoluir de forma grave e rápida. É muito complicado, você não cuida só de um doente, mas da família toda.

Nós vivemos em uma busca incessante de energia. Temos de ter porque a condição é grave, os pacientes precisam de assistência. A energia se renova com um passando para o outro, mas é uma sensação de que não vai ter fim."

Para 2021, espero conscientização das pessoas. Mesmo que essa realidade seja muito distante, espero que todos se sensibilizem com o sofrimento dos outros. E que a vacina venha logo.

Luciene Pontes

Hospital Pequeno Príncipe/Divulgação

Bruno Jardini Mader

Psicólogo do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba

"A gente viveu algo próximo da assistência normal ali pelo final de setembro. Aí começou de novo a crescer. E quando aumentam esses casos, você precisa aumentar não só o seu cuidado pessoal, mas com os outros. As queixas dos pacientes aumentam e o risco fica mais próximo. E vem a sensação de exaustão porque a gente poderia estar mais tranquilo.

A sensação é que as energias estão terminando. Claro que a gente tem resistência psicológica, mas a gente foi se preparando mentalmente para uma coisa, aí veio esse aumento e teve de retomar toda uma postura de alta vigilância. É cansativo.

Naquele primeiro momento você tinha a motivação: vamos vencer isso! Agora tem uma sensação de que poderia estar controlado, e fica pesado. Ainda temos dificuldades extras para lidar, que são as pessoas mais vulneráveis.

Temos crianças que são oncológicas e há uma super preocupação com elas. Se para mim é preocupante pegar, para elas é como se fosse uma sentença de morte. As pessoas que atendo mantiveram restrição séria, ficaram preocupadas. Ou seja, naquilo que já é pesado, se colocou mais um peso.

E no dia a dia a gente enfrenta muitas pequenas coisas: colega afastado de atestado, colegas que tiveram parentes mortos. Aí vemos pessoas ficando mais soltas aqui dentro e descumprindo as regras. Esse exercício de vigilância exaure.

Quando a gente vê as pessoas no bar, a movimentação nas ruas, nas lojas, você vai percebendo que no hospital está mais seguro do que na rua."

Em 2021, espero que a política de saúde se organize, tenha prazo e cronograma. Gostaria que os governos pudessem dialogar e construir uma solução conjunta para organizar a assistência que a população precisa.

Bruno Jardini Mader

Arquivo pessoal

Meryane Fernandes

Fisioterapeuta intensivista do Hospital Memorial Arthur Ramos, em Maceió 

"Viver essa segunda onda de surtos nessa pandemia é algo assustador. Nem deu tempo de descansar, e aqui estamos novamente, exaustos, porém mais capacitados do ponto de vista técnico.

Há uma sensação de querer que tudo isso acabe logo. Nós tentamos sempre nos doar para participar junto a uma equipe multidisciplinar do salvamento do maior número de vítimas possível. Acredito que diante de tanto cansaço, existe também uma força maior que nos impulsiona bravamente na direção da vitória.

Mas diante de todo o nosso esforço, da luta diária em plantões pesados, existe um sentimento de revolta envolvendo as aglomerações vistas no cotidiano.

A impressão, às vezes, é que estamos vivendo em mundos diferentes. Sei que os decretos governamentais estão liberando a maioria das atividades, mas não esperava que a população voltasse à 'normalidade' sem seguir o mínimo das exigências sanitárias de uma pandemia.

Rogo a Deus que continue nos dando força, sabedoria e discernimento nessa luta que não sabemos quando acabará."

Que em 2021 a consciência num bem coletivo supere a incoerência individual.

Meryane Fernandes

Arquivo pessoal

Eduardo Quintas

Técnico de enfermagem de UTI no Hospital Agamenon Magalhães, no Recife

"No início, não sabíamos como lidar com a pandemia. Isso nos fez ficar impotentes diante de muitas situações. Com o passar do tempo, conseguimos controlar essas situações dentro das unidades, amenizando a alta taxa de mortalidade.

Infelizmente, tivemos e ainda estamos tendo muitos casos de covid entre os profissionais, deixando alguns com sequelas, outros que também não resistiram e boa parte se salvando, graças a Deus. Toda essa situação causa um desgaste emocional muito grande, pois trabalhar na enfermagem requer dedicação, amor e comprometimento.

O dia a dia tem sido pesado, o cansaço vive estampado no rosto de cada profissional que muitas vezes é castigado com a dura jornada de trabalho, cuidando de parentes também acometidos pela doença. Ter emocional para trabalhar em meio a essa situação não tem sido nem um pouco fácil.

Com a liberação dos locais por parte do governo, a população em geral parece ter se esquecido do triste e terrível período que estamos atravessando. Muitos estão deixando de ter os devidos cuidados para evitar contaminações, aglomerando-se e vivendo como se nada estivesse acontecendo.

Isso nos entristece por vermos muitos se contaminando por descuido e até mesmo perdendo suas vidas. Seria muito bom que todos pudessem pensar mais em si e nos outros.

Sei que a saudade de muitas coisas é grande. Porém, nós, profissionais, estamos dedicando nossas vidas para cuidar dos demais —e muitas das vezes sendo contaminados e indo a óbito.

Seria bom que isso fosse levado também em consideração. A empatia deveria ser mais praticada. Estamos longe de nossos familiares, morrendo de saudades, de ver, abraçar e beijar. O máximo que estamos fazendo é o contato via telefone ou videochamada. Não tem sido fácil, e mesmo assim seguimos firmes e fortes para enfrentar esse vírus."

Que em 2021 cada um faça a sua parte, visando passarmos de forma mais rápida por tudo isso, sem muitas perdas. Chega de tanto sofrimento.

Eduardo Quintas

Arquivo pessoal

Mariangela Cabelo

Estudante do 8° período de medicina na UFMS e que estagiou em unidades de Campo Grande

"No Centro-Oeste não houve um caos tão grande [na primeira onda], agora é que chegou com força. E eu faço parte da liga de emergência de trauma [em Mato Grosso do Sul], e já vi muitas coisas acontecerem. No meu último plantão na UPA [Unidade de Pronto Atendimento], lembro uma frase que o médico falou —e olha que ele trabalha há anos—, ele disse que nunca tinha passado por um apuro tão grande como aquele.

Chegou a uma situação que tudo que a gente pedia não tinha. Ele pedia para enfermeira trazer tal droga, e ela dizia: 'não tem.' Parecia que a gente estava fazendo medicina e precisando inventar a roda.

Tudo isso gera muita revolta. Você precisa intubar o paciente e, como não tem relaxante muscular, ele fica super resistente a intubação. Foi um desespero porque não tínhamos outras drogas para usar, faltava tudo. Tinham várias pessoas naquele dia que estavam brigando contra o respirador.

O que ocorre em Campo Grande é mais ou menos o que ocorreu em Manaus no começo. Na central de regulação, o hospital que a gente tentava mandar um paciente não tinha vaga. E aí, em uma situação dessas, ninguém pode sofrer um acidente, um AVC [Acidente Vascular Cerebral] porque não tem suporte de UTI.

Aí começa a morrer gente não só de covid-19, e isso não é contabilizado pelo governo. Mas no fundo foi a covid-19 quem tirou o tratamento dela.

Essa situação dá muita raiva porque está sobrando cloroquina e está faltando o medicamento que tiraria a dor do paciente, que iria ajudar a resolver as coisas da melhor maneira e com dignidade. O problema é que já perdeu-se a dignidade."

Em 2021, espero que profissionais da saúde e estudantes saiam de suas respectivas bolhas técnicas e aprendam um pouco mais o conceito de sindemia e biopolítica. Enquanto isso não acontecer, estaremos à mercê de próximas pandemias.

Mariangela Cabelo

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Burnout entre médicos

Um levantamento realizado pelo site Medscape mostrou que o número de médicos com burnout e/ou depressão diminuiu 10 pontos percentuais desde 2018, mas entre os que disseram sofrer com esses transtornos mentais, 59% afirmaram que os problemas se intensificaram com a pandemia.

A pesquisa foi divulgada no dia 11 de dezembro e feita com com 2.475 profissionais, entre 9 de junho e 23 de agosto deste ano.

Na pesquisa, 1 em cada 10 médicos afirmou pensar em abandonar a carreira para sempre por conta da gravidade do burnout que sofre. Entre os fatores mais citados para o agravamento do problema estavam baixa remuneração, excesso de tarefas burocráticas e muitas horas de trabalho por semana. O transtorno ainda interfere nas relações pessoais, de acordo com 79% dos participantes da pesquisa.

Outros dados encontrados no levantamento:

  • 53% dos profissionais normalmente trabalharam mais de 40 horas por semana;
  • 54% gostariam de ter mais reconhecimento pelo seu trabalho pelo engajamento ao combate à covid-19;
  • 34% gostariam de ter uma compensação financeira pelas horas extras trabalhadas;
  • 60% se sentiam para baixo ou triste;
  • 51% acreditavam que estavam deprimidos por conta do trabalho e 53% achavam que esses sintomas impactaram no atendimento médico;
  • 34% apresentavam quadros de depressão grave;
  • 11% pensavam em abandonar a medicina por conta do burnout;
  • 79% achavam que a síndrome de burnout interferiu nas relações pessoais;
  • 33% já tiveram pensamentos suicidas;
  • 5% já tentaram o suicídio;
  • 74% acreditavam que o local de emprego não oferecia um programa para reduzir o estresse;
  • 47% procuraram ajuda de um profissional;
  • 44% reservaram um tempo para cuidar da própria saúde.
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Faça a sua parte

Está todo mundo cansado, não só os profissionais de saúde —menos o vírus—, mas enquanto as vacinas não imunizarem um grande número de pessoas, os cuidados —nossos velhos conhecidos— ainda serão necessários.

Novas variantes do coronavírus têm chegado ao conhecimento dos cientistas e enquanto não há um número "certeiro" de quão mais infecciosas elas podem ser, e se impactarão nos imunizantes, é bom continuar se cuidando.

Lembre-se sempre:

  • A máscara é essencial. Inúmeros experimentos científicos mostram que ela diminui o inóculo viral, e isso é importante para a determinação da forma da doença, se é mais ou menos grave. Portanto, saiu de casa, use máscara. Por você e pelo próximo.
  • Distanciamento físico. Procure manter distância de ao menos 1 metro de outras pessoas em locais públicos, para diminuir o risco de infecção. Quando sair, tente permanecer em lugares arejados ou com boa circulação de ar. Evite ambientes fechados.
  • Higienização. Lavar bem as mãos com água e sabão ou usar álcool em gel 70% são medidas que devemos tomar sempre, não só na pandemia. Nos locais fechados em que pessoas trabalham juntas --escritórios, por exemplo-- a higienização deve ser constante para minimizar o risco.
  • Autoisolamento. A maioria das pessoas com sintomas gripais não precisa procurar o hospital, mas quem é de grupo de risco deve contatar um médico assim que perceber sintomas, já que essas pessoas têm um potencial maior de apresentar um quadro grave da doença. Além disso, notou que está com sintomas leves, isole-se em casa; se os sintomas piorarem --como falta de ar, por exemplo-- procure atendimento médico.
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