Dor é ruim, mas também vital

Desagradável e com grande impacto em nosso bem-estar, o desconforto é sinal de que o corpo corre perigo

Renata Turbiani Colaboração para o VivaBem

Pancada, lesão, queimadura, corte, inflamação, doença, cólicas, estresse... São inúmeras situações que podem causar dor e praticamente todas as pessoas vão lidar com o problema ao menos uma vez na vida. O estudo Global Pain Index 2018, realizado pela farmacêutica GSK, aponta que 96% da população adulta brasileira já sentiu alguma dor no corpo.

Quando se trata de dor crônica, aquela que persiste por mais de seis meses (há especialistas que falam em três meses), dados de uma pesquisa da SBED (Sociedade Brasileira para Estudo da Dor) apontam que ela afeta 37% das pessoas em nosso país.

Apesar de desagradável e incômoda, por vezes até incapacitante, a dor tem lado positivo e muito importante: ela é a responsável por nos avisar quando algo nocivo está se passando com o nosso corpo e pode salvar nossa vida.

Por que a dor é importante para nossa vida

Condição humana universal, a dor é um mecanismo biológico de defesa essencial para a sobrevivência, pois serve como um alerta tanto de que algo não vai bem e necessita de assistência médica e tratamento quanto de que é preciso se proteger das agressões do meio externo (um objeto cortante, por exemplo).

Quando sentimos dor, a primeira reação que temos é nos afastar do que a está causando ou então buscar tratamento, certo? Agora imagine se ela não existisse. Nessa situação, o corpo não receberia o "sinal" de atenção, resultando em machucados, fraturas e queimaduras mais graves e com mais frequência, que poderiam levar a perda de membros ou até a morte. Além disso, muitas doenças só seriam detectadas em estágio avançado.

Vale destacar que a dor é considerada um dos cinco sinais vitais para mostrar como está a saúde —os demais são temperatura corporal, pulso (frequência cardíaca), pressão arterial e respiração. Na fase aguda, a dor é semelhante à febre, surge de repente e, geralmente, é passageira. Mas, se não for tratada corretamente, pode se tornar crônica e aí deixa de ter essa função aviso, se transformando em uma doença.

Os tipos de dor

A dor, como já falamos, é dividida em dois grupos: aguda e crônica. A primeira é um sintoma ou reação decorrente de lesões teciduais ou processos inflamatórios. Ela não é contínua ou regular e costuma desaparecer espontaneamente ou após tratamento. Pode durar até seis meses (três para alguns autores) e, quando persiste por um período maior, torna-se crônica —e uma enfermidade.

Além da divisão entre aguda e crônica, há a classificação que se baseia no mecanismo gerador:

  • Dor nociceptiva

    Causada por uma lesão na derme (pele), ossos, músculos, ligamentos etc, como corte, fratura, abscesso... É subdividida em somática (quando os estímulos que desencadeiam a sensação de dor provêm da parte motora do corpo) e visceral (quando os estímulos provêm das vísceras).

  • Dor neuropática

    É decorrente de lesão ou doença dos sistemas nervoso periférico (nervos e plexos nervosos), medular (medula espinhal) e central ou supraespinhal (encéfalo). Por exemplo, dor por compressão tumoral, herpes zoster, diabetes e pós-amputação de um membro.

  • Dor psicogênica

    Está relacionada com amplificação e modificação do padrão das dores de diferentes causas. É um tipo mais raro, mas que pode acometer os pacientes, pois os mecanismos de dor e ansiedade, depressão e pânico, entre outros transtornos, muitas vezes coexistem nos fenômenos dolorosos.

  • Dor nociplástica (disfuncional)

    Relacionada à sensibilização periférica e central do sistema nervoso e a um grupo de patologias dolorosas pouco compreendidas (fibromialgia e síndrome complexa de dor regional são algumas), que não possuem evidências claras de lesão tecidual ou doença do sistema nervoso.

As causas da sua dor

Todos sabem que lesões e doenças provocam incômodos, mas estes fatores muito presentes na nossa vida também

  • Sobrepeso e obesidade

    O primeiro ponto é que o excesso de peso sobrecarrega todo o sistema músculo-esquelético e gera alterações na postura, provocando dores musculares e articulares e algumas enfermidades dolorosas. Além disso, as células de gordura liberam substâncias inflamatórias no organismo, incitando os mensageiros de "ais" e "uis". Para piorar, quem tem problemas com a balança possui mais chance de desenvolver doenças que provocam dor. Um exemplo é o diabetes.

    Imagem: Arte/UOL
  • Sedentarismo

    A falta de atividade física leva ao enfraquecimento muscular. Aí, o corpo passa a não suportar a carga imposta a ele no dia a dia e os desconfortos aparecem, sobretudo na região lombar. Além disso, pessoas sedentárias e que ainda passam muito tempo sentadas ou deitadas tendem a ganhar peso --e já vimos que esse é um dos fatores desencadeantes da dor.

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  • Estresse

    Reduz a liberação de substâncias que o cérebro usa para minimizar a dor e ainda aumenta a produção de substâncias que são responsáveis pela percepção da sensação. Fora isso, causa tensão muscular que, dependendo da intensidade, pode desencadear um processo doloroso. E, sem o devido cuidado, corre-se o risco de entrar em um ciclo vicioso. Ou seja, o estresse provoca dor e a dor, por sua vez, causa estresse.

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  • Falta de sono

    Estudos indicam que noites mal dormidas são capazes de mudar a forma como as vias neurais funcionam, elevando a sensibilidade à dor e, ao mesmo tempo, diminuindo a capacidade analgésica natural do cérebro. Dormir pouco ainda contribui para o acúmulo de gordura corporal e pode causar estresse, agravando a situação.

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  • Alimentação

    Diversos alimentos e bebidas são capazes de originar ou agravar dores, sobretudo as de cabeça, as gastrointestinais e as articulares. Alguns exemplos são embutidos, queijos, chocolates, frutas cítricas, álcool, açúcar e gordura saturada. Não se sabe exatamente porque isso acontece, mas uma das teorias é de que certas substâncias presentes neles sensibilizar o organismo (principalmente se ele já estiver debilitado), provocar estresse oxidativo e vasodilatação, excitar o sistema nervoso e intensificar processos inflamatórios.

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  • Idade

    Segundo a SBED, cerca de 2/3 dos idosos sofrem de dores frequentes ou permanentes nos últimos anos de vida. O fato é que, com a idade, o nosso corpo enfraquece, facilitando o surgimento da sensação. Mais: conforme envelhecemos, aumenta o risco de desenvolvermos doenças propensas a causar desconfortos, como reumatismo, artrose e câncer. Ademais, muitos acham normal ter dor nessa etapa da vida e acabam por não buscar ajuda.

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Algumas das piores dores que uma pessoa pode sentir

Neuralgia do trigêmeo

O nervo trigêmeo é responsável pela sensibilidade facial e controle da musculatura da mastigação. A dor, descrita como excruciante e aguda, se dá quando ele sofre alguma irritação ou dano —a causa mais comum é a compressão por uma artéria posicionada de modo anormal — e é desencadeada por ações como falar, mastigar, escovar os dentes e fazer a barba. O tratamento é feito com medicamentos e, por vezes, cirurgia.

Cefaleia em salvas

Tipo de dor de cabeça mais intensa descrita pela literatura médica, atinge apenas um lado do rosto (sempre o mesmo) e é localizada em volta do olho ou na têmpora. É acompanhada de vermelhidão ocular, lacrimejamento e entupimento ou corrimento nasal. Pode durar de alguns minutos até horas, com vários episódios no mesmo dia, e se manifesta em horários semelhantes. Quem sofre do problema costuma, durante as crises, ficar andando de um lado para o outro. Ainda não se conhece a cura, mas há remédios que colaboram na prevenção da dor —o uso de oxigênio ajuda a aliviá-la.

Dor do parto

Começa fraca, com uma sensação semelhante a da cólica menstrual, e vai aumentando de intensidade. Na fase da dilatação, ela ocorre por conta da contração da musculatura do útero para empurrar o feto. Já no momento da expulsão, a causa é a pressão que a cabeça do bebê faz no assoalho pélvico. A boa notícia é que o próprio organismo ajuda a mulher nesse processo, liberando hormônios, como a endorfina, que amenizam a dor.

Cálculo renal (pedra nos rins)

Muitas mulheres afirmam que a dor provocada por esse problema é tão forte ou até pior que a do parto. Normalmente acompanhada de enjoo e vômito, ela ocorre quando o cálculo obstrui o ureter. Também é comum haver presença de sangue na urina. Na lista de causas estão baixa ingestão de água, consumo excessivo de sódio e proteína, predisposição genética e distúrbios metabólicos. O tratamento inclui fármacos, aumento no consumo de líquidos e procedimentos clínicos.

Neuralgia pós-herpética

Trata-se da dor que persiste após as erupções da herpes zóster, doença provocada pelo vírus Varicella zoster, o mesmo da catapora. Ela ocorre no local onde surgiram as feridas e pode ser constante ou intermitente, durando meses e até anos. Não se conhecem ainda as causas do problema, mas sabe-se que ele é mais comum em idosos. O tratamento é feito com remédios orais, tópicos e injetáveis, como antidepressivos e toxina botulínica. A herpes zóster pode ser prevenida com vacina.

O que fazer para acabar com a dor

Para eliminar a dor, ou ao menos amenizá-la, sobretudo a crônica, em primeiro lugar é preciso saber qual a sua causa, para tratá-la. Caso isso não seja possível, a solução é cuidar do sintoma. A terapia medicamentosa é o pilar, quase sempre em conjunto com medidas não medicamentosas —em algumas situações a cirurgia pode ser necessária.

Há no mercado várias classes de fármacos, lembrando que eles devem sempre ser utilizados com orientação de um médico. Analgésicos, anti-inflamatórios e opióides (derivados da morfina) são os mais recomendados no tratamento da dor aguda por nocicepção, mas também podem ser necessários remédios adjacentes, como relaxantes musculares e antidepressivos.

Quando se trata da dor neuropática e da dor crônica, as indicações são os antidepressivos, os anticonvulsivantes e os miorrelaxantes. Para casos especiais, entram em cena corticosteróides, anestésicos locais, ansiolíticos, bloqueadores de canais iônicos, inibidores de reabsorção óssea, depletores de neurotransmissores excitatórios, dessensibilizadores do sistema nervoso e anticorpos monoclonais.

O tratamento não medicamentoso é feito com medidas complementares e integrativas. Elas incluem exercícios físicos (de fortalecimento, alongamento e flexibilidade), terapia cognitiva comportamental, reabilitação, cinesioterapia, eletrotermoterapia, reeducação da marcha, da postura e do movimento, termoterapia, hipnose e relaxamento, entre outras.

Nos últimos anos, os procedimentos de neuromodulação e medicina regenerativa —alguns ainda são considerados experimentais - começaram a ser indicados no Brasil. Dentre eles, destaque para a estimulação elétrica do sistema nervoso e aplicação de células-tronco do próprio paciente no local lesionado para estimular a regeneração.

Junto a tudo isso, ainda é importante fazer uma mudança no estilo de vida, adotando hábitos mais saudáveis e, para muitos tipos de dor, ajustes ergonômicos no ambiente de trabalho e no lar e correções posturais.

Quatro maneiras naturais de aliviar a dor

Compressas frias (gelo) ou quentes

São excelentes analgésicos locais e podem ajudar bastante no tratamento da dor. No caso da fria, é indicada após quedas, pancadas ou lesões nas articulações. Atua contraindo os vasos e diminuindo o fluxo sanguíneo local, o que reduz inchaços e hematomas. Já a quente é ideal para dores musculares, cólicas menstruais e infecções com formação de pus, como furúnculo. O calor dilata os vasos e aumenta o fluxo sanguíneo local, relaxando a musculatura e diminuindo os riscos de uma inflamação.

Massagem terapêutica

A prática é capaz de desencadear uma série de efeitos positivos no organismo, promovendo melhoras física, fisiológica e psicológica. Na lista de benefícios da massagem terapêutica estão dessensibilização dos pontos musculares dolorosos, sensação de conforto, aumento da circulação, redução do estresse e da tensão e relaxamento geral. Pode ser usada, por exemplo, para tratar dores lombares, de cabeça, pós-cirúrgicas e provocadas por artrite, artrose e fibromialgia.

Acupuntura

Técnica milenar chinesa, ela ajuda a equilibrar o organismo e a mente e é muito utilizada no tratamento de dores do aparelho músculo-esquelético. O seu mecanismo de atuação se dá pelo estímulo dos pontos anatômicos (por meio de agulhas e grãos, por exemplo), que leva à produção de neurotransmissores e neuromediadores, como endorfina (analgésico natural que bloqueia a mensagem de dor), serotonina e noradrenalina, que, além de serem importantes na regulação da dor, promovem a sensação de bem-estar. A acupuntura ainda tem ação anti-inflamatória.

Meditação

Diversas pesquisas realizadas mundo a fora já comprovaram que a técnica, além de ajudar a relaxar, tem efeitos positivos sobre a saúde, e um deles é justamente o alívio e a maior resistência à dor. Isso se deve ao fato de que a meditação altera circuitos cerebrais que têm relação com a sensação de dor, estimula a produção de hormônios relacionados ao bem-estar (endorfina, dopamina e serotonina) e reduz os do estresse, como o cortisol.

Por que algumas pessoas têm prazer em sentir dor?

A dor é algo muito individual e subjetivo, afinal, cada pessoa a experimenta de uma forma. Têm as que são mais sensíveis e as mais resistentes. Há ainda um grupo que sente prazer na dor, e isso não está relacionado apenas à prática sexual; na verdade, vai bem além.

Por exemplo, muitos indivíduos obtêm satisfação quando levam seus corpos ao limite com a prática de atividade física. Outros quando comendo pimenta, fazem tatuagem, colocam piercing, se expõe a uma situação de perigo, se machucam propositalmente...

O fato é que a ligação entre sensações dolorosas e agradáveis é um fenômeno biológico, e pesquisas demonstram que seus mecanismos e caminhos são iguais. Importantes pontos são que nas duas situações são ativadas as mesmas regiões do cérebro e liberadas basicamente as mesmas substâncias, sendo as mais importantes a dopamina e a endorfina.

Enquanto a primeira é considerada o neurotransmissor do prazer, tendo como uma de suas funções é o acionamento dos circuitos de recompensa do cérebro, a segunda é uma espécie de analgésico natural, e, ao mesmo tempo em que bloqueia a dor, gera sensação de bem-estar.

Será que um dia acabaremos para sempre com a dor?

Como a dor aguda é um mecanismo de defesa do organismo, acabar com ela é algo impossível e até perigoso. No caso da crônica, que é uma condição mais complicada, ela pode desaparecer com o tratamento ou então ser controlada com o uso contínuo de medicamentos e terapias combinadas.

Segundo os especialistas consultados pelo VivaBem, ainda não existe nada revolucionário no mundo que possa efetivamente eliminar a dor crônica para sempre, e talvez isso nunca acontece. Ainda assim, estudos sobre o tema não param, e um recente, publicado no MIT Technology Review, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), pode ser promissor.

Os pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, a partir do caso de um garoto paquistanês que não sentia dor, aplicaram a sua rara mutação na ferramenta de edição genética CRISPR, para bloquear temporariamente, na medula espinhal de camundongos, uma molécula chave nos neurônios transmissores de dor.
Segundo os cientistas, os resultados iniciais foram positivos e considerados um importante passo em direção a uma futura terapia genética que poderá bloquear a dor causada por diabetes, câncer e acidentes sem os efeitos viciantes e colaterais dos opioides.

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