Pneumonia está por aí

Queda da cobertura vacinal traz temor de aumento de casos da doença, que pode ser grave; entenda o problema

Bárbara Therrie Colaboração para VivaBem Doug Firmino

Há 11 anos, o Brasil fez um grande avanço ao incluir no calendário básico de vacinação do país a pneumococo 10-valente, vacina que protege contra a principal bactéria causadora de pneumonia em crianças.

Porém, o país não atingiu nenhuma das metas de cobertura das vacinas infantis disponíveis pelo PNI (Programa Nacional de Imunização) em 2020. Apesar de as vacinas serem gratuitas, seguras e eficazes, no ano passado a taxa geral de imunização ficou em apenas 75% (o ideal é que fique sempre acima de 90%), acentuando uma queda que vinha desde 2015 e que abre as portas para que doenças já erradicadas do país "ressuscitem".

Com a cobertura vacinal da pneumonia não foi diferente e os números também caíram: 94,2% (2015), 95% (2016), 92,2% (2017), 95,3% (2018), 89,1% (2019) e 81,1% (2020).

O que é pneumonia?

Pneumonia é uma inflamação que afeta os pulmões. Na maioria das vezes, é causada por agentes infecciosos, como microrganismos (vírus, bactérias, fungos e vermes), embora também ocorra por agentes químicos (aspiração de substâncias) e físicos (radiação), conforme explica Edna Lúcia Souza, professora associada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Bahia.

"Os sinais e sintomas da doença podem variar, mas geralmente são nariz entupido, coriza, tosse, febre, dificuldade para respirar ou respiração ofegante, e há casos em que a pessoa pode sentir dor abdominal", diz Luiz Vicente Silva Filho, coordenador do Departamento de Pneumologia Pediátrica da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia).

As pneumonias podem ser mais graves nos extremos de idade —em crianças com menos de seis meses de vida e nos idosos, a partir dos 70 anos. No caso das crianças, diversos fatores aumentam o risco, como baixo peso ao nascimento, prematuridade, desnutrição, ausência de aleitamento materno ou desmame precoce, moradia em ambientes insalubres, convivência com muitas pessoas na mesma casa, convívio com fumantes, exposição à poluição atmosférica e baixa cobertura vacinal.

Diagnóstico

É feito por meio do exame clínico, com auxílio dos exames radiológicos nos casos mais graves. Na radiografia de tórax, o pulmão saudável é cheio de ar e preto, mas quando o paciente está com pneumonia aparecem imagens brancas no exame. A tomografia de tórax pode ser realizada quando há suspeita de alguma complicação e/ou o paciente não responde ao tratamento.

Tratamento

Depende da causa e da condição clínica do indivíduo, mas inclui medidas de fluidificação das secreções, inalações, lavagens do nariz, suporte de oxigênio e ventilação mecânica, quando necessárias. Existem poucos medicamentos usados para tratar as pneumonias virais. Nas bacterianas, são utilizados antibióticos.

Pneumonia de Maria Clara foi confundida com ansiedade e covid

Durante o começo da pandemia no Brasil, em março de 2020, a estudante Maria Clara da Paixão Nogueira, na época com 13 anos, teve uma pneumonia bacteriana. Antes do diagnóstico correto, porém, a mãe da adolescente, a dona de casa Valquíria Alves da Paixão, 43, conta que os médicos afirmaram que Maria Clara estava com uma crise de ansiedade por conta das informações sobre a pandemia na TV.

"Não é nada", disseram ao mandar a jovem para casa com algumas medicações após ela ter ido duas vezes a uma UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) em Salvador. A adolescente apresentava sintomas como palidez, febre alta, diarreia, baixa saturação, cansaço e uma fraqueza que a impossibilitava de ficar em pé.

No dia seguinte, Valquíria levou a filha em outra UPA e, durante a triagem, foi levantada a suspeita de covid. Ela foi transferida para um hospital onde realizou o teste RT-PCR, que deu negativo. "Falaram que iam fazer alguns procedimentos nela e pediram para eu aguardar. Quando me chamaram algumas horas depois para vê-la na UTI, fiquei em choque, ela tinha sido intubada e estava cheia de aparelhos", conta a mãe, que ficou desesperada com a situação.

Foi nesse momento que Valquíria descobriu que a filha, hoje com 15 anos, estava com pneumonia.

Me disseram que o estado dela era muito grave, que ela corria risco de vida, mas que eles fariam de tudo para salvá-la.

Maria Clara foi transferida para outro hospital onde teve várias intercorrências e desenvolveu uma pneumonia necrosante. Esse tipo, diz a pneumopediatra Edna Lúcia Souza, decorre de uma complicação grave da pneumonia que faz com que parte do pulmão seja "destruída" e ocorre em casos causados por bactérias.

Principais causadores de pneumonia

  • VÍRUS

    São os principais agentes causadores de pneumonias em crianças, responsáveis por 90% dos casos até um ano de idade e 50% em idade escolar. Os vírus que provocam inflamação nos pulmões estão ligados a outras doenças, como resfriados, gripes e bronquiolites virais agudas. Entre eles, destaca-se o vírus sincicial respiratório, influenza, parainfluenza, adenovírus, rinovírus, bocavírus e até mesmo o coronavírus --este último mais frequente em adolescentes e adultos, e raro como causa de pneumonia em crianças. O chiado no peito é uma das características mais comuns nas infecções de pneumonias por vírus.

  • BACTÉRIAS

    As pneumonias provocadas por bactérias são as mais perigosas e costumam ter uma frequência maior de complicações, como febre elevada, derrames pleurais e necroses. Dentre as bactérias, a principal causadora da inflamação nos pulmões é a pneumococo.

  • FUNGOS

    As pneumonias por fungos são raras na infância e geralmente podem estar associadas a problemas de imunidade, ou seja, pessoas que têm imunodeficiências (que passaram por um transplante ou pacientes que têm HIV, por exemplo).

Vacinas são as principais aliadas na prevenção

A principal proteção para a pneumonia é a vacina contra a bactéria pneumococo. A pneumocócica conjugada 10-valente (VPC10) contém 10 sorotipos da bactéria e está disponível nos postos de saúde desde 2010. Já a pneumocócica conjugada 13-valente (VPC13) possui 13 sorotipos da bactéria e é encontrada na rede privada.

Mas vacinas contra outras doenças também ajudam a prevenir as pneumonias. Entre elas, temos as imunizações para sarampo e coqueluche, que reduzem o risco de esses problemas evoluírem para uma pneumonia. O mesmo acontece com as vacinas contra o vírus influenza (gripe) e contra a bactéria Haemophilus influenzae tipo B, que causa principalmente meningite.

É fundamental vacinar as crianças. Mas, apesar de a imunização ser extremamente importante e uma grande aliada, como existem muitos vírus e bactérias que causam a pneumonia, não há vacinas que atuam contra todos os agentes e mesmo as vacinas existentes para o pneumococo não cobrem todos os subtipos da bactéria Edna Souza, presidente do Departamento de Pneumologia da Sociedade Baiana de Pediatria

Foi o que aconteceu com a estudante Maria Clara que, mesmo com a vacinação em dia, teve um tipo raro de pneumonia. Durante o 1 mês e 16 dias em que ficou internada, sendo 16 dias intubada, a jovem teve várias complicações, como o derrame pleural. Ela teve que drenar o pulmão quatro vezes e precisou fazer uma cirurgia para controlar a infecção.

Além disso, a jovem emagreceu 8 kg, pegou uma infecção generalizada e ficou com algumas feridas no corpo pelo tempo que permaneceu acamada. "Achei que minha filha fosse morrer. Sou muito grata aos médicos que fizeram de tudo, mas quem salvou e fez um milagre na vida dela foi Deus", conta Valquíria ao celebrar que a filha não ficou com nenhuma sequela.

Os riscos da queda da cobertura vacinal

As vacinas que auxiliam na proteção contra a pneumonia começam a ser dadas a partir dos dois meses de idade, com duas ou três doses no primeiro ano de vida, a depender da vacina, e uma dose de reforço após o primeiro ano de idade.

"Nos últimos anos, tem havido uma queda na vacinação no Brasil contra vários agentes de infecções comuns em crianças. Esse cenário vem se agravando na pandemia. A razão é multifatorial: tem a ver com a confiança das pessoas nas vacinas e devido ao distanciamento social, com elas deixando de ir ao médico e ao posto de saúde. Na medida em que há essa queda na proteção vacinal, pode haver uma reemergência e um aumento no número de casos de pneumonia e de infecções invasivas pelo pneumococo na população, especialmente nas crianças mais jovens", explica Luiz Vicente Silva Filho.

Se não enfrentarmos o problema agora, a tendência é que o número de casos de pneumonia só aumente, comenta Márcio Nehab, infectologista pediátrico e consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).

"Quando temos altas coberturas vacinais fazemos um escudo contra a invasão de agentes infecciosos que já estávamos livres. Somente fazendo campanhas maciças nos meios de comunicação, vacinação em dias e horários estendidos em parques, praças, clubes e escolas para aumentarmos novamente as coberturas e voltarmos a estar protegidos como antes", diz Nehab, que cita o risco do retorno de doenças já erradicadas como sarampo, meningite, poliomielite, coqueluche, entre outras.

Vale ressaltar que crianças que não receberam a vacina na época ideal ainda podem ser imunizadas de acordo com a idade e vacina específica. Procure um posto de saúde para atualizar a carteira de vacinação do seu filho ou da sua filha.

Além da vacinação: formas de prevenir a pneumonia em crianças

  • Na gravidez

    Fazer um acompanhamento pré-natal adequado, buscando-se evitar que o bebê nasça com baixo peso

  • Amamentação

    Promover o aleitamento materno exclusivo por seis meses e mantê-lo até os dois anos de vida, pois o leite materno possui anticorpos e é importante para a imunidade da criança

  • Dieta saudável

    Assegurar uma nutrição adequada. A desnutrição afeta aspectos da imunidade, favorecendo pneumonias

  • Passe longe do cigarro

    Evitar o tabagismo passivo. A exposição à fumaça do cigarro aumenta o risco de infecções respiratórias

  • Evitar multidões

    Postergar aglomerações para crianças pequenas sempre que possível. A ida precoce às creches e escolas aumenta o risco de infecções respiratórias em geral e de pneumonias

  • Reduza o contato

    Se a criança estiver com sintomas respiratórios, evite mandá-la para a escola, casa dos avós etc. Procure também evitar o contato de crianças com pessoas com doenças respiratórias agudas

  • Higiene

    Lavar as mãos com sabão e fazer disso um hábito

  • Máscara

    Usar máscaras, principalmente em ambientes fechados, algo que a pandemia nos ensinou

  • Poluição

    Evitar a permanência em locais muito poluídos. A poluição atmosférica interfere na imunidade e contribui para as infecções respiratórias

  • Movimento

    Praticar esportes regularmente. O exercício melhora aspectos da imunidade e ajuda a evitar o acúmulo de secreções nos pulmões

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