Não são poucos os percalços que passamos para nos identificarmos como indivíduos e nos constituirmos como sujeitos da própria existência. Envolve uma série de frustrações, aprendizados, construções e desconstruções. Além de nos diferenciarmos a partir dos outros, esse entendimento muitas vezes exige que a gente se desfaça de uma série de certezas para sermos tolerantes e compreensivos com aquilo que nos distancia.
Tarefa nada fácil, ainda mais para quem no processo de individuação foi bastante influenciado por ideias egoístas, pontos de vista individualistas e autocentrados no próprio mundo. Na atualidade, são noções intimamente relacionadas com o espírito de competição disseminado em diversos meios e organizações, baseado principalmente na meritocracia, tido como o melhor impulso para o desenvolvimento da sociedade e para a realização pessoal.
Vale destacar que a individualidade nada tem a ver com uma postura individualista. O individualismo é forma consciente (ou não) de se colocar como o centro e a finalidade última de suas ações e de seus valores éticos. O pleno desenvolvimento da individualidade requer o movimento constante de se voltar e reconhecer o outro, e internalizar o fato de que somos todos integrantes de um grande coletivo que é a humanidade —uma percepção bem comum entre os ocidentais, inclusive.
Se houve um bom legado da Copa do Mundo de 2014 no Brasil foi o exemplo dos torcedores do Japão que recolheram o próprio lixo produzido nos estádios. A prática também chamou atenção no Mundial da Rússia, quatro anos depois, e inspirou torcedores brasileiros e senegaleses a imitarem a ação.
A iniciativa tem explicação nos valores culturais japoneses, de que o grupo é mais forte que o indivíduo, e que cada um pode contribuir para a harmonia do coletivo, que está acima das necessidades individuais.
Tanto o egoísmo quanto a solidariedade são invenções humanas. Somos nós os responsáveis por criar ideias, teorias e argumentos em defesa desses valores, que hoje são aceitos e naturalizados nas várias formas do sujeito. Da mesma maneira que alguns defendem o esforço individual para ser bem-sucedido, outros acreditam que a cooperação é o caminho para uma realidade melhor.