Ai, como dói!

Dor de cabeça não é normal nem precisa ser incômodo constante; conheça tipos, causas e tratamentos

Samantha Cerquetani (texto) e Laurindo Feliciano (Ilustrações) Colaboração para VivaBem

Um desconforto tão incapacitante que tira o sossego, o bem-estar e atrapalha a rotina. Quem nunca teve uma dor de cabeça que não passava? O problema, também conhecido como cefaleia, é muito comum —estima-se que cerca de 95% das pessoas terão o sintoma pelo menos uma vez na vida— e mais complexo do que costumamos imaginar.

Existem mais de 150 tipos de cefaleias que variam bastante nas causas, intensidade e sinais. Por isso, as dores de cabeça não são iguais. E, na maioria das vezes, há um subdiagnóstico, já que as pessoas não procuram ajuda médica e recorrem à automedicação.

"As cefaleias primárias são a própria doença. Já as secundárias são sintomas de variados problemas de saúde que afetam o cérebro e o corpo. E a enxaqueca, que é uma das mais conhecidas, também tem a questão genética envolvida", explica Marcelo Ciciarelli, coordenador do departamento científico de cefaleia da ABN (Academia Brasileira de Neurologia).

Mas ninguém precisa viver com dor! Conhecer melhor o tipo de cefaleia que acomete cada pessoa ajuda a encontrar caminhos para aliviar as crises. A seguir, entenda os principais tipos de dor de cabeça, como tratar e a importância de manter bons hábitos.

'Perdi as contas do que já deixei de fazer por ter enxaqueca'

No início da vida adulta, Raquel Ribeiro, 31, começou a ter crises de enxaqueca. "A minha dor de cabeça sempre foi um tormento. Tirava a paz e o bem-estar. Além disso, afetava o meu humor e a minha produtividade", conta a empreendedora.

Ela percebeu que a dor era traiçoeira e atrapalhava sua rotina. "Tinha dias que já acordava mal, vomitando e com sensibilidade à luz. Em outros, não tinha ideia de que passaria mal."

Certa vez, a enxaqueca foi tão intensa que a impediu de trabalhar em um evento. Por mais que tentasse, a dor era limitante e não a deixava sair do hotel. "Peguei um táxi e tive de retornar. Foi um dia muito frustrante. Muitas vezes fui ao hospital porque os medicamentos que tomava em casa não ajudavam."

Com o tempo, para se livrar da dor, ela conheceu mais seu corpo, suas emoções e os gatilhos da enxaqueca. Além disso, criou "rituais" que amenizam as crises, e se atenta para situações que provocam estresse e preocupação.

Quando percebo que a cefaleia pode surgir, já tomo os medicamentos adequados e um banho quente, além de ficar longe do celular e do computador. Vou para um lugar silencioso e escuro. Tem funcionado.

Para ganhar mais qualidade de vida, ela também reduziu o ritmo de trabalho e mudou de emprego. "Sempre tive uma longa relação com a dor de cabeça, mas hoje busco uma rotina mais regrada para evitar o problema. É fundamental ter apoio de um neurologista e até de um psicólogo para trabalhar as questões emocionais."

Vários tipos de dor de cabeça, diferentes causas

Cefaleia tensional

É o tipo mais comum e não costuma ser intensa ou incapacitante. A dor tem intensidade leve e moderada. Atinge toda a cabeça e pode gerar sensação de peso, pressão ou aperto na frente, na nuca ou no topo. Geralmente, passa com uso de analgésico e repouso.

Em salvas

É uma dor bastante intensa, que surge como se fossem "facadas" ou pontadas penetrantes. Acredita-se que ocorra devido a uma disfunção do hipotálamo (estrutura cerebral). Costuma ser unilateral, perto de um olho, na fronte, na têmpora e face do mesmo lado. As crises podem ser previstas: com duração de 15 minutos a 3 horas, em dias alternados.

Enxaqueca

Ocorre em quem tem predisposição genética. Dura de quatro a 72 horas e a intensidade da dor varia de moderada a severa. O problema gera dor pulsátil ou latejante nas regiões da fronte e da têmpora. Geralmente, ocorre em mais de um lado da cabeça. É comum que a dor seja incapacitante: é progressiva e piora com esforços físicos. A enxaqueca com aura provoca distúrbios visuais e dormências no corpo. Em alguns casos, surgem enjoos, vômitos, intolerância à claridade e ruídos.

Dores secundárias

Representam 10% das dores de cabeça e ocorrem devido a outras doenças, como tumores, trombose e traumas gerados por pancadas. Geralmente, acontecem em situações que provocam alterações na estrutura cerebral. Nesses casos, há uma pressão que comprime ou pressiona algumas áreas do cérebro.

Saiba identificar

As dores de cabeça primárias, como é o caso das enxaquecas e das cefaleias tensionais e em salvas, geralmente são diagnosticadas durante uma consulta médica. Sendo assim, o especialista avalia a história clínica da pessoa e as características do incômodo: frequência, intensidade, duração e gatilhos.

Para identificar se a dor de cabeça é primária ou secundária, avalia-se também se há aparecimento de febre ou outros sintomas, se a dor teve início repentino, se o desconforto atrapalha a rotina e se chega a acordar o indivíduo —- todos esses são fatores que podem indicar que o problema é secundário.

Podem ser solicitados exames de sangue e imagens como tomografia computadorizada para descartar hemorragia e tumores. Em alguns casos, a ressonância magnética e outros exames verificam se há o risco de aneurismas ou trombose venosa cerebral.

Já os exames de líquor [retirada de um líquido da coluna por meio de punção lombar] descartam infecções e outros distúrbios que provocam dor de cabeça.

Para Li Li Min, chefe do Departamento de Neurologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), como há vários tipos de cefaleias, em alguns casos o diagnóstico costuma ser desafiador.

"A investigação da dor de cabeça depende do quadro clínico do paciente. Se for suspeita de doença secundária, são realizados exames para checar a saúde do cérebro e descartar doenças mais graves. É importante trabalhar a questão física, psicológica e o grau de percepção da dor da pessoa", completa.

'A dor era tão intensa que acabava com meu dia'

Convivendo com a dor de cabeça desde criança, Maria Cristina Miguez, 56, detalha uma das suas crises. "Quando era adolescente, fui para a aula de natação no colégio e saí da piscina com um desconforto imenso. O sol refletia na água, ofuscando a minha visão e não conseguia mais enxergar devido à enxaqueca."

A jornalista percebeu que tinha fotofobia, ou seja, uma sensibilidade à luz que aumentava a dor. Ela perdeu as contas de quantas vezes pensou que enlouqueceria durante as crises.

"Às vezes, sentia uma dor no topo da cabeça. Também era comum a sensação de que meu cérebro estava sendo esmagado ou latejando. De qualquer forma, quando surgia a crise, já sabia que perderia dois dias da minha vida para me recuperar", completa.

Para amenizar o desconforto, ficava trancada em um quarto escuro. Geralmente, ela sentia enjoos e não conseguia comer. Também buscou ajuda de diversos especialistas como neurologistas e oftalmologistas.

Sem respostas, acreditou que a dor de cabeça a acompanharia para sempre. No entanto, depois dos 40 anos, as crises ficaram bem espaçadas.

Também comecei a fazer acupuntura e vi que a técnica me ajudava. Hoje, evito me estressar e antes de deixar que a dor se instale, tomo logo os medicamentos para não piorar.

Quais são os tratamentos indicados?

Os tratamentos variam de acordo com a intensidade e causa da dor de cabeça. Vale destacar que, sempre que houver mais de três dias de dor ao mês, há a necessidade de uma avaliação médica.

Na maioria das vezes, durante as crises são indicados medicamentos como analgésicos, anti-inflamatórios e mudanças de hábitos. Além disso, a atividade física regular, a acupuntura e a alimentação saudável são medidas eficazes.

Também são prescritos remédios para o tratamento preventivo da dor em casos de crises frequentes. Isso contribui com a qualidade de vida de quem sofre muito com a cefaleia. Indicam-se antidepressivos, ansiolíticos e anticonvulsivantes. Ainda é possível fazer a aplicação da toxina botulínica (botox) para aliviar o mal-estar.

Os especialistas consultados por VivaBem reforçam a importância de evitar a automedicação. Por mais que seja tentadora, essa atitude quase "inofensiva" é bastante perigosa e aumenta a dor, causando o "efeito rebote". Há ainda o risco de toxicidade para rins, fígado e problemas cardiovasculares.

"O tratamento precisa ser individualizado, já que alguns medicamentos provocam efeitos colaterais. Usar analgésico por conta própria aumenta o risco de a pessoa começar a exagerar na quantidade e frequência, o que piora as crises de dor de cabeça", explica Ciciarelli.

Alimentação como aliada

Mudanças na alimentação são recomendadas para quem sofre com dores de cabeça crônicas. Alguns alimentos diminuem a inflamação do organismo e aliviam os desconfortos.

"Uma dieta balanceada e rica em frutas e fibras contribui com a prevenção da cefaleia, principalmente nas pessoas predispostas", explica Rafael Andrade, neurologista do Hospital Universitário Lauro Wanderley, da Universidade Federal da Paraíba.

O QUE COMER E BEBER

Invista em itens com propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes: peixes "gordos" como salmão; frutas e legumes; oleaginosas; chás; água; sementes; carnes magras; leguminosas e ovos.

O QUE EVITAR

Evite alimentos gordurosos e com poucos nutrientes (fast-food, por exemplo); café; chocolate; carnes processadas; frituras; queijos envelhecidos; glutamato monossódico; álcool e adoçantes.

Mude os hábitos e livre-se da dor

Algumas mudanças simples no dia a dia já fazem a diferença e reduzem as crises de dor de cabeça. "É muito importante que a pessoa diminua o ritmo e controle o estresse. Tomar cuidado com a saúde mental e as emoções costuma ser benéfico", destaca Aline Vitali, neurologista e coordenadora do Ambulatório de Cefaleia da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

Além disso, é fundamental dormir bem (cerca de 8 horas por noite) e realizar atividade física com regularidade (ao menos de três a quatro vezes por semana). Outra recomendação é evitar consumir álcool ou permanecer longos períodos sem se alimentar.

É fundamental manter um peso saudável, uma vez que a obesidade aumenta as crises. Uma forma de reduzir o desconforto é investir em autoconhecimento para reconhecer os gatilhos. E incorporar algumas atitudes no cotidiano como medidas preventivas.

Os especialistas consultados reforçam que, quando a dor é frequente e atrapalha a rotina, um neurologista especialista em cefaleias deve ser consultado. O médico vai indicar os medicamentos adequados e técnicas complementares que controlam o sintoma.

Existe intrinsecamente nas pessoas um conceito de que dor de cabeça é normal ou frescura. Por isso é comum que as pessoas não procurem atendimento médico e não se previnam das crises. No entanto, as mudanças na rotina, muitas vezes, são tão importantes quanto usar medicamentos. Aline Vitali, coordenadora do Ambulatório de Cefaleia da PUC-PR

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