Gordura ou carbo de menos?

Dietas sempre pregam retirar um ou outro desses nutrientes, mas será que alguma é mesmo eficaz?

Chloé Pinheiro Colaboração para o VivaBem

Depois que a dieta low carb ganhou fama, é difícil encontrar adeptos de planos alimentares que focam na redução de gordura, uma estratégia mais antiga e tradicional. Mas a dúvida fica: afinal, é melhor diminuir carboidratos ou gorduras para perder peso e ter saúde?

Os estudos mais robustos sobre o tema mostram que a resposta não é tão simples assim. Em janeiro deste ano, uma pesquisa comparou dados de mortalidade e alimentação de mais de 35 mil norte-americanos colhidos entre 1999 e 2014, e descobriu que elas são seguras quando são feitas levando em conta escolhas nutricionalmente saudáveis. Agora se as fontes de carboidrato ou gordura eram de má qualidade, tanto a dieta low carb quanto a low fat estavam associadas a uma maior mortalidade.

"Ou seja, mesmo a pessoa que provavelmente perdeu peso, mas se alimentou mal, morreu. Esse trabalho é ótimo para mostrar que que não é de qualquer maneira que se emagrece", explica o endocrinologista Bruno Geloneze Neto, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Os achados foram publicados no JAMA Internal Medicine (Journal of the American Medical Association), da Associação Médica Americana, e assinados por pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e da Universidade de Ciência e Tecnologia Huazhong, na China.

Entenda a seguir as principais diferenças das duas abordagens e seus impactos no organismo.

A melhor dieta é a que funciona para você...

...E não a que funcionou para seu vizinho, amigo ou parceiro. Entram na conta fatores como idade, metabolismo da glicose, peso atual e nível de atividade física. Os mais ativos e praticantes de exercícios de alta intensidade, por exemplo, podem se ressentir mais da falta de carboidrato, que é a principal fonte de energia do corpo.

O quesito gosto também entra na conta. Uma pessoa que adora pão terá dificuldades em manter uma alimentação onde ele é praticamente banido. Já quem precisa controlar os níveis de glicose em circulação até se beneficia da diminuição de carboidratos.

Vale dizer que elas promovem a perda de peso por mecanismos bioquímicos diferentes. Ao reduzir carboidratos, o corpo passa a utilizar os estoques do nutriente no músculo e, junto, bastante água vai embora —daí o emagrecimento rápido nas primeiras semanas. Para que comece a mobilizar a gordura estocada, contudo, o corte deve ser seguido à risca e mantido. Mas isso não significa necessariamente que o corpo está "queimando" gordura.

"Ela é mobilizada para fabricar energia, mas não chega a oxidar totalmente, e pode voltar a ser armazenada depois", explica Antonio Herbert Lancha Junior, doutor em nutrição pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (Universidade de São Paulo). "Para que o processo seja eficiente, é preciso haver o déficit calórico".

Ao retirar gordura da dieta, o processo é mais óbvio: o corpo deixa de armazená-la. Ora, a gordura é o nutriente com mais potencial para fazer crescer o tecido adiposo, pois não é preciso gastar energia para estocá-la —os outros nutrientes precisariam ser transformados em gordura para então serem armazenados. Independente da escolha, a restrição calórica acaba sendo o mais importante para mudar os ponteiros da balança.

Ficha técnica

A hipótese da insulina

Um dos pontos mais polêmicos da comparação entre reduzir carboidrato ou gordura é o chamado "modelo da insulina" de emagrecimento. Ele diz que, ao reduzir os níveis de glicose em circulação, reduzimos também os picos de insulina, hormônio que inibe a "queima" de gordura. Lembrando que a glicose é o produto da quebra do carboidrato durante a digestão —por isso dietas low carb causam menor circulação desse nutriente no corpo.

A insulina é responsável por armazenar a gordura e impedir seu uso como fonte de energia. Então, do ponto de vista metabólico, a low carb seria mais benéfica para liberar a gordura que está armazenada como fonte de energia Rodrigo Bomeny, endocrinologista

Explicamos: a insulina, hormônio responsável por colocar o açúcar dentro das células, tem uma ação anabólica, o que quer dizer que está envolvido na construção de moléculas, e não na quebra delas —processo necessário para a perda de gordura corporal. Quando o consumo de amido e açúcares é elevado e frequente, pode haver um aumento crônico da quantidade de glicose em circulação e, consequentemente, de insulina.

A lógica até faz sentido, mas a importância dos picos de insulina para o ganho de peso é questionável. "Na low carb, você de fato tem picos menores depois da refeição, mas a importância disso para o ganho de peso é mínima ou nenhuma", aponta Geloneze. De acordo com ele, é o estado elevado de insulina crônico que interfere mais no ganho de peso. Quando você tem uma dieta hipercalórica, começa a engordar e cria resistência a insulina, passando a estocar mais gordura ainda.

Fora que, ao aumentar muito o nível de gorduras consumidas, como pode ocorrer nas dietas low carb, o corpo também acumula mais gordura. Diferente do que se pensa, ela não é imediatamente utilizada como energia na falta dos carboidratos. Primeiro, é transportada para os tecidos adiposo e muscular para só então ser recrutada pelo organismo. Mesmo que o corpo queimasse mais gordura pela ausência de carboidrato, o que depende de uma série de fatores para ocorrer, se a ingestão de gordura não for controlada de perto, é possível que o efeito seja o oposto do esperado.

Olhar para a insulina isoladamente é um erro, primeiro porque, apesar do pico, que pode nem ocorrer dependendo da combinação do carboidrato e do nível de atividade física, seu nível cai muito rapidamente. Depois, porque precisamos deste hormônio também para preservar a massa muscular Antonio Herbert Lancha Junior, doutor em nutrição pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP

Embora a diminuição de carboidratos de fato promova um metabolismo melhor da insulina e da glicose em curto prazo quando ambos já estão elevados, o ideal é que ela seja uma estratégia curta, apenas para arrumar a casa. "A tendência do excesso de lipídios e de proteínas em longo prazo é acentuar o quadro de resistência periférica a ação de insulina, quadro que abre caminho para o diabetes", aponta Lancha.

E tem mais: ao reduzir progressiva e moderadamente a quantidade de calorias e aumentar o gasto energético (o que mais importa no fim das contas para perder peso), o metabolismo da insulina se equilibra não importa qual ingrediente seja o alvo de seu programa de emagrecimento. Isso porque o tecido adiposo influencia no funcionamento deste e de vários outros hormônios. Um estudo de 2018, publicado no JAMA, acompanhou por um ano —tempo considerado longo no mundo das dietas — cerca de 600 adultos divididos entre versões pouco restritivas da dieta low carb e low fat. Ambos perderam peso na mesma medida e tiveram melhora no padrão de secreção da insulina.

Erros que tornam as duas dietas inviáveis

Na low carb

Quando se segue uma low carb, é comum --mas não recomendado -- aumentar o consumo de gordura saturada (pode levar ao aumento do colesterol) como as do bacon, queijos amarelados e carnes vermelhas. Outro problema é tirar frutas do cardápio, pois apesar dos carboidratos, elas são fontes de fibras, vitaminas e minerais. Fazer restrições severas demais por tempo prolongado também não é indicado

Na low fat

Não adianta muito reduzir a quantidade de gorduras da dieta, se você aumenta o consumo de grãos refinados (como arroz branco e massas feitas com farinha refinada) e também consome uma quantidade grande de açúcar. Afinal, todos esses itens estão relacionados ao ganho de peso. Além disso, tente não cortar as gorduras boas, como o azeite, as oleaginosas e os peixes de águas profundas

Para ambos

Não importante o método escolhido, tanto a low carb quanto a low fat aceitam que você consuma vegetais e contraindicam os alimentos ultraprocessados em grandes quantidades --aliás, qualquer dieta segue esses dois preceitos. Além disso, não adote nenhum plano sem supervisão adequada de um nutricionista ou nutrólogo, ou você pode até perder peso, mas a saúde pode ir embora junto

Qual das duas promove mais saciedade?

Dietas com redução de carboidrato e ajustes no nível de proteínas e gorduras realmente podem promover a saciedade, pois os dois nutrientes demoram mais para serem digeridos e estão envolvidos na secreção de hormônios que controlam o apetite, prolongando a sensação de barriga cheia.

No entanto, a saciedade pode ser atingida na dieta low fat, desde que ela seja feita direitinho. Teoricamente, a pessoa dentro desse modelo está escolhendo carboidratos integrais e comendo (assim como na low carb) frutas, legumes e verduras, que são fontes de fibras, composto também envolvido na saciedade. Como são pouco calóricos, os vegetais ainda permitem ingerir um volume maior de alimentos —outro fator importante para a saciedade.

Ou seja, no geral, o que parece melhor mesmo para a saciedade é realizar uma refeição equilibrada, com todos os macronutrientes. Ao trocar os alimentos ultraprocessados e carboidratos refinados, como o açúcar, por grãos integrais e comida de verdade, com uma mudança verdadeira de hábito, a tendência será comer menos de qualquer maneira.

Aliás, cabe reforçar que qualquer aumento —como por exemplo, comer mais proteína para ter menos fome — não pode ser feito por conta própria e os desequilíbrios podem trazer riscos à saúde. Fora que não comemos estas substâncias isoladas. Se a "proteína" em questão é um bife, pode esperar mais gordura saturada na conta final do dia, no caso do ovo a mesma coisa, e por aí vai...

Então no final das contas, qual escolher?

Entre os especialistas ouvidos pela reportagem, a low carb é a abordagem que mais suscita dúvidas quanto à segurança e saúde a longo prazo. Mas todos fazem questão de ressaltar que o pior mesmo é considerar a comida uma mera questão de nutrientes, realizando cortes por conta própria sem levar em conta o alimento em si. Lembram-se do estudo que citamos no começo dessa repostagem?

Ora, de que adianta cortar carboidrato e passar o dia comendo bacon? E de que adianta reduzir gordura se o seu fraco é o refrigerante diário? Moral da história: com acompanhamento nutricional e boas escolhas à mesa, tanto low fat quanto low carb podem te ajudar a perder peso e ter mais saúde.

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