'Autismo é só uma palavra'

Apresentadora Amanda Ramalho conta que ser diagnosticada recentemente preencheu muitas lacunas em sua vida

Luiza Ferraz Colaboração para o VivaBem Rogério Fernandes/UOL

Amanda Ramalho sempre se sentiu diferente dos outros. Durante a infância, tinha poucos amigos, gostava de ficar no seu próprio canto e chorava muito. Mas essas "peculiaridades" só fizeram sentido décadas depois, mais precisamente, agora em 2022, quando a jornalista foi diagnosticada com TEA (Transtorno do Espectro Autista), aos 36 anos de idade.

"Faz 10 anos que tenho um terapeuta e ele já desconfiava. Porém, eu sempre ignorava o assunto. Ele dizia para eu mudar de apartamento, mas eu não gostava de mudanças. Aí, nesse ano, ele disse que discutiu com o supervisor dele e que existia uma possibilidade de eu estar no espectro", conta Amanda.

A descoberta assustou, mas não mudou muita coisa. "Foi chocante e ao mesmo tempo não foi. No fim das contas, é só uma palavra, mas uma palavra carregada de muito preconceito. Passei por um luto durante alguns dias e chorei bastante", diz.

Amanda construiu uma carreira de sucesso como jornalista. Ela ganhou notoriedade no programa de rádio "Pânico", na Jovem Pan, que mais tarde foi para a televisão como "Pânico na TV" e, depois, "Pânico na Band". Também é a idealizadora do premiado podcast "Esquizofrenoias", que fala sobre saúde mental.

A apresentadora foi diagnosticada com autismo de nível 1, considerado o mais leve dos quadros. Nesses casos, as pessoas têm as mesmas dificuldades que os indivíduos com outros níveis do espectro, mas conseguem controlar melhor as emoções, enquadrando-se ao ambiente social de quem é neurotípico.

Por essa razão, muitas vezes esses adultos são diagnosticados com outros transtornos psiquiátricos antes de descobrirem que têm autismo —é o caso de Amanda, que tem depressão e ansiedade social.

'Falarei até vocês calarem a minha boca'

A principal característica de pessoas com autismo é a dificuldade em se comunicar socialmente —o que pode parecer irônico, já que Amanda é uma comunicadora profissional. Mas ela diz ser muito difícil conversar sobre assuntos que não a interessam. Diálogo espontâneo é sinônimo de sofrimento para autistas.

"Se, em uma festa, a gente falar de Kardashians, por exemplo, eu vou conversar. Agora, se mudam para um assunto que realmente não me interessa, eu não me forço, só vou ficar em silêncio, não vou fingir", diz.

Isso também está relacionado ao hiperfoco, que é um dos elementos do espectro, quando uma pessoa tem uma forma intensa de concentração em determinado assunto ou tarefa. Por exemplo: se ela gosta de dinossauros, esse tema vai se tornar uma parte muito importante da vida dela.

"Eu falo sobre o assunto de saúde mental, que é uma coisa que gosto. Esse é o meu hiperfoco, eu falarei até vocês calarem a minha boca", brinca Amanda.

Dessa forma, muitas das pessoas com TEA são vistas como "excêntricas" ou até "egoístas". "É como se os autistas tivessem um software diferente. Isso gera uma sensação de não pertencimento, porque parece que os neurotípicos estão entendendo o mundo de uma forma, e eles não", diz Annelise Júlio, doutora em neurociências pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia.

'Eu não conhecia a vida sem estresse'

Existem outros sinais do TEA, como a adesão muito rígida a uma rotina, aversão a mudanças e sensibilidades sensoriais —como à luz intensa, ao tato e, especialmente, a barulhos e informações em excesso.

"Há uma coisa chamada sobrecarga sensorial, que é quando acontecem muitas coisas ao mesmo tempo e não é possível armazenar tudo. Ocorre uma desorganização mental", explica a especialista.

Amanda sente essa sobrecarga:

Se a gente tiver uma reunião importante de duas horas, vou falar bem, ter ideias. Mas, depois desse tempo, a minha cabeça vai ter um 'apagão'. Vou precisar ficar deitada no chão por horas para que eu volte. É como se meu cérebro precisasse de um reset"

Quando questionada sobre os anos trabalhando na rádio e na televisão, um ambiente de muitas informações a todo momento, ela responde: "Era estressante, mas eu não conhecia uma vida sem estresse, então, para mim, o trabalho estava atrelado a isso".

Depressão e ansiedade social

Devido a essa sensibilidade aos estímulos, Amanda foi diagnosticada, ainda adolescente, com ansiedade social, que é uma espécie de fobia de lugares públicos e do contato com outras pessoas.

Quando jovem, ela tinha poucos amigos, gostava de ficar isolada e passou por diversas escolas. Teve fases de excelência acadêmicas e outras de um "absurdo desinteresse".

"Todo mundo tem memórias boas da infância e da adolescência. As minhas são péssimas. Odeio lembrar na minha infância. Na terapia, não falo disso, pois sempre vem carregado de coisas chatas e tristes", diz.

Nos relacionamentos amorosos, algumas experiências também foram difíceis. "Acho que eles não me compreendiam, por falta de informação ou sensibilidade. Até hoje tenho a impressão de que as pessoas não têm muito interesse pela saúde mental, pela terapia."

A jornalista namora há cinco anos com o diretor de animação Vinícius Kahan, com quem divide o apartamento, três gatos e uma cachorra, além de alegrias, angústias e desafios. "Quando fui diagnosticada com autismo, saí do quarto chorando e contei pra ele, que apenas disse: 'Você sempre foi diferente, né? Agora, só mudou o nome.' E foi isso."

'A história continua a mesma'

Segundo Annelise Júlio, existe um atraso no diagnóstico de pessoas socializadas como mulheres. Um dos motivos para isso é a questão cultural, já que elas são criadas para serem "comportadas e quietas", o que pode interferir na análise.

Além disso, houve um aumento no diagnóstico de autismo nas últimas décadas. Um estudo realizado no Reino Unido mostrou um crescimento de 787% nos diagnósticos do transtorno entre 1998 e 2018. Esse salto foi observado justamente nos diagnósticos em adultos, mulheres e indivíduos com maior funcionalidade.

A explicação estaria no fato de que muitas pessoas enquadradas no espectro leve do autismo não foram diagnosticadas quando crianças. O quadro era menos conhecido entre os médicos e havia uma dificuldade de identificar casos de nível 1. Mas informações sobre o tema passaram a ser mais difundidas recentemente.

"Os casos dessas pessoas tendem a ser menos severos. O nível é menor e acaba sendo mais difícil de identificar o espectro, porque acaba passando como um jeito, a personalidade da pessoa", diz Júlio.

O diagnóstico, mesmo que tardio, é importante para que o indivíduo possa ressignificar a própria vida e se entenda melhor.

"Saber que tem autismo não vai mudar quem a pessoa é ou sempre foi. Mas, com essa informação, ela pode se respeitar mais e diminuir um sentimento de culpa, que pode existir por ser diferente dos outros", explica a doutora em neurociências.

Para Amanda, nada mudou no dia a dia, mas sua trajetória ganhou um novo sentido. "Existiam algumas lacunas na minha vida e, agora, elas estão preenchidas com novos motivos e justificativas. Mas a minha história continua a mesma."

Topo