Chineses pagam R$ 1.400 para 'tatuar' os dentes; dano pode ser permanente?

Inscrições prometem sorte, amor e prosperidade. Alguns usuários escolhem caracteres que significam "riqueza", "sucesso" ou o nome de um parceiro.

Uma mulher em Shandong contou ao site chines que mandou gravar o ideograma "shen" (cuidado) em uma coroa e que o desconforto inicial desapareceu após um ano de uso. O preço médio do procedimento varia entre 1.000 e 2.000 yuans — cerca de R$ 700 a R$ 1.400.

Um dentista de Xangai ouvido pela reportagem do South China Morning Post, alertou que o desgaste causado nas coroas pode comprometer sua resistência e não recomenda a prática. Mesmo assim, a tendência segue em alta, impulsionada por vídeos de jovens que mostram "tatuagens temporárias" nos dentes e pequenos adesivos com corações, estrelas e outros desenhos coloridos.

Quais os riscos da tatuagem no dente?

Desgastar o esmalte pode fragilizar o dente de forma irreversível. Segundo Rafael Carpinetti, professor de Estética e Ortodontia da Estácio e especialista em dentística, o principal risco é o desgaste da camada protetora do dente. "Quando a gente fala em tatuagem ou adorno no dente, o grande problema é que, para fixar esse tipo de coisa, normalmente é preciso desgastar um pouquinho o esmalte", afirma.

O esmalte é aquela camada bem dura que protege o dente por fora. Só que, se a gente perde, não volta mais. Diferentemente da pele, que cicatriza, o esmalte não se regenera.
Rafael Carpinetti, professor de Estética e Ortodontia da Estácio e especialista em Dentística

A sujeira e as bactérias encontram um ambiente ideal. De acordo com Carpinetti, o adorno aumenta a rugosidade da superfície dental (perda da proteção natural do dente) o que facilita o acúmulo de placa bacteriana e pode causar retração gengival. "Esses enfeites facilitam o acúmulo de sujeira e bactérias, o que pode causar inflamação na gengiva e até retração gengival", explica o especialista.

Prática é permitida no Brasil? Existe algo semelhante?

Aplicações estéticas nos dentes só podem ser feitas por dentistas. O CFO (Conselho Federal de Odontologia) determina que apenas cirurgiões-dentistas podem realizar intervenções como piercings, grillz (joias dentais) ou adornos dentários. "Não existe norma federal específica para tatuagens dentárias, mas o Código de Ética proíbe procedimentos puramente estéticos que causem danos sem necessidade clínica", explica Carpinetti.

Práticas semelhantes já foram moda. De acordo com Sérgio Brossi Botta, presidente da Câmara Técnica de Dentística do CROSP (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo), modificações estéticas nos dentes existem há séculos. "Civilizações antigas, como a Maia, já utilizavam incrustações de pedras preciosas nos dentes como símbolo de status", afirma. Hoje, as tendências incluem grillz, piercings e até adesivos plásticos colados sobre os dentes. Segundo ele, se a aplicação for feita por pessoas não habilitadas, configura exercício ilegal da profissão.

Dano pode ser permanente?

Desgastes sucessivos enfraquecem o dente e aumentam o risco de fraturas. Carpinetti alerta que o prejuízo pode se acumular com o tempo. "Por mais que se desgaste pouco agora, depois, na hora de trocar ou substituir essa tatuagem, será necessário desgastar de novo. E de maneiras consecutivas, podemos fragilizar bastante o dente desse paciente", afirma.

Botta complementa que coroas e facetas aplicadas sem preparo adequado podem alterar a oclusão (encaixe da mordida), causar dores na articulação, inflamação gengival e até mau hálito. Ele ressalta que a durabilidade das resinas usadas nessas tatuagens é baixa, o que pode resultar em quebras e manchas. "Se esta transformação dental permanecer por muitos dias, as consequências podem ser drásticas e de difícil recuperação total, causando danos permanentes", explica.

Mesmo sem estudos específicos sobre tatuagens dentárias, Carpinetti lembra que a literatura sobre piercings e adesivos bucais mostra consequências semelhantes. "Há riscos reais de dano ao esmalte e aos tecidos moles, tanto imediatos quanto progressivos", resume o professor.