'Senti a pálpebra tremendo por dois anos e descobri um tumor no cérebro'

A veterinária Luiza Mosqueira, 41, começou a perceber que um tremor em sua pálpebra a estava incomodando. Às vezes, ele vinha e passava rápido; em outras vezes, permanecia por um longo período. Nenhum médico, no entanto, achava que era algo grave. Ouviu que era burnout, fadiga muscular, estresse. Mas não era.

Um dia, seu olho embaçou muito. Ao notar que a pupila também estava dilatada, procurou o pronto-atendimento. Lá veio o baque: não era estresse, era um tumor inoperável no cérebro.

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Após o tratamento, Luiza está curada, mas ficou por muito tempo nervosa com a possibilidade de a doença retornar. A VivaBem, ela contou sua história.

"Achava que era estresse"

"Eu fazia até brincadeiras nas redes sociais, comemorando o 'mesversário' do sintoma. Durante dois anos, para os médicos, não era nada.

Luiza se assustou quando recebeu o diagnóstico
Luiza se assustou quando recebeu o diagnóstico Imagem: Acervo pessoal

Sou veterinária e natural de Uberlândia (MG), mas me mudei há seis anos para o Rio de Janeiro. No início, tinha pouco trabalho, mas logo comecei a atender como cirurgiã veterinária ortopedista em cinco hospitais.

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Foi nessa época que meu olho começou a tremer. Às vezes, passava rápido; em outras, ficava o tempo todo. Me incomodava, mas eu achava que era estresse.

Procurei diversos oftalmologistas e ouvi vários diagnósticos: estresse, burnout, fadiga muscular. Além da pálpebra tremendo, minha visão começou a ficar embaçada. Diziam que eu forçava muito os olhos devido às cirurgias que eu realizava nos animais e também por ficar tempo demais no celular —já que, além da veterinária, eu mantinha um e-commerce de joias. A recomendação era reduzir o tempo de tela e a carga de trabalho.

Reduzi minhas cirurgias, parei de atender, mas a visão continuava embaçada. Em seis meses, os sintomas não melhoraram. Um novo oftalmologista me receitou fisioterapia. Não melhorei —só piorei. Continuei tentando diminuir o ritmo, mas isso afetava meu salário e precisava equilibrar.

Outro médico chegou a indicar o uso de óculos, mesmo sem eu ter problema de visão. Disse que meus olhos estavam cansados e que eu precisava de uma lente específica. Não funcionou.

"Você tem um tumor no cérebro"

Isso durou dois anos —indo a médicos, sem solução.

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Até que um dia, durante uma cirurgia que eu fazia, meu olho embaçou demais. Percebi que havia algo errado.

Ao chegar em casa, lavei o rosto e vi no espelho que minha pupila esquerda estava bem dilatada. Como veterinária, sabia que isso podia indicar algo no sistema nervoso central, então fui para o pronto-socorro.

Na emergência, expliquei que estava enxergando embaçado e que minha pupila estava dilatada. Me colocaram em uma cadeira de rodas e me levaram para avaliação, acreditando que eu estava tendo um AVC. Ninguém me explicava nada —percebi sozinha a suspeita pelo comportamento dos médicos e pelos exames solicitados.

Fiz uma tomografia de emergência e fiquei aguardando na sala com outros pacientes. O médico voltou e, no meio de todos, sem nenhum cuidado, deu o diagnóstico: 'Você não tem fadiga muscular, tem um tumor na cabeça'.

Resultado do exame que mostrou o tumor de Luiza
Resultado do exame que mostrou o tumor de Luiza Imagem: Acervo pessoal

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Todos na sala olharam para mim. Fiquei em choque. A única coisa que consegui perguntar foi: 'É grande? Tem que operar?'. Ouvi que era do tamanho de um limão e que eu poderia conversar com o neurologista de plantão. Tudo isso na frente das outras pessoas da emergência.

O neurologista me explicou que o tumor estava em uma área muito ruim, atrás do olho esquerdo, na base do crânio. Estava comprimindo a carótida e o nervo responsável pela pupila e pelos movimentos do rosto. Por isso minha visão estava embaçada.

Foi um baque. A cirurgia, segundo o neuro, não era uma opção —o risco de sequelas era alto. Como o tumor era benigno, tentaríamos outros tratamentos.

Naquele momento, eu estava tão desgostosa da vida que nem vontade de lutar eu tinha. Minha mãe veio de Minas para ficar comigo e sugeriu que eu fizesse um post nas redes sociais contando o diagnóstico.

Luiza fez 27 sessões de radioterapia para diminuir o tamanho do tumor, que era inoperável
Luiza fez 27 sessões de radioterapia para diminuir o tamanho do tumor, que era inoperável Imagem: Acervo pessoal

Uma mulher de Portugal viu minha publicação e me indicou o médico Paulo Niemeyer, diretor do Instituto Estadual do Cérebro, no Rio de Janeiro. Consegui marcar uma consulta com ele.

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Niemeyer explicou que esse tipo de tumor é mais comum em mulheres e que só faria cirurgia se houvesse risco para o nervo óptico. Ainda bem, não havia. Minha indicação foi fazer radioterapia.

Vida durante o tratamento

Antes de começar as sessões, me apeguei à espiritualidade. Passei a meditar, me conectar com Deus e me alimentar de forma 100% natural. Queria deixar meu corpo preparado. Durante as meditações, visualizava minhas células destruindo o tumor.

Em certo momento, cheguei a desejar morrer. Reclamava com Deus que tinha um tumor que era benigno. Eu não aguentava mais aquele sofrimento, mas isso passou. Compartilhei minha jornada na internet e recebi muito carinho.

Comecei a radioterapia no dia de São Francisco de Assis —o protetor dos animais—, uma ironia do destino. Após sete sessões, minha pupila voltou a reagir e recuperei a visão. Fiz 27 sessões ao todo e, três meses depois, um novo exame mostrou regressão do tumor: de um limão para o tamanho de uma azeitona, uma redução de 64%.

Não tive sequelas e minha pálpebra voltou ao normal. Mas enfrentei o impacto psicológico do diagnóstico. Fiquei inchada pelo corticoide, desenvolvi ansiedade e estresse pós-traumático, além do medo constante de o tumor voltar. Passei um ano e meio tratando a ansiedade.

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Uma vida mais leve

Luiza terá que acompanhar para sempre o tumor
Luiza terá que acompanhar para sempre o tumor Imagem: Acervo pessoal

Preciso acompanhar meu caso para sempre e não posso tomar hormônios. Mas aprendi a desacelerar e colocar as prioridades em ordem. Antes, vivia em um ritmo frenético e nem via a vida passar. Hoje sou mais leve, aprendi a dizer 'não' e a fazer o que me faz feliz.

Voltei a acreditar na humanidade. Passei a dar aulas voluntárias para crianças da comunidade.

Hoje eu agradeço ao tumor. Se tivesse continuado naquele ritmo, nem sei do que teria morrido. Sempre dizia: 'Obrigada, tumor, mas pode ir embora —já aprendi a lição'.

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Espero que minha história sirva de alerta para que os médicos não fiquem presos apenas a diagnósticos de estresse ou burnout e peçam exames quando necessário.

Tenho 41 anos. Recebi o diagnóstico aos 38. Esse tumor estava na minha cabeça há muito tempo, mas só começou a dar sinais aos 38.

Hoje estou bem, me sinto curada, mas sigo acompanhando. Converso com todos que me procuram, ajudo, troco experiências. Entendi que, apesar de tudo, existe amor, existe companheirismo e existe cura."

Tremor na pálpebra, na maioria dos casos, não é tumor

Você não precisa se preocupar com o risco de um tumor se, às vezes, sente a pálpebra tremendo: o caso de Luiza é extremamente raro. Mas, se o sintoma for persistente por vários dias, o ideal é investigar. Guilherme Olival, neurologista da Beneficência Portuguesa, em São Paulo, reforça que casos de tremor na pálpebra decorrentes de um tumor não são nada comuns —especialmente se a pessoa apresentar apenas esse sintoma.

Se o tremor permanecer por sete a dez dias, vale procurar um médico -- principalmente se vier acompanhado de sintomas como dor de cabeça persistente, visão turva, fraqueza corporal ou formigamento.
Guilherme Olival, neurologista da Beneficência Portuguesa, em São Paulo

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O tremor na pálpebra que atinge boa parte das pessoas em algum momento da vida tem nome: chama-se miocimia. A sensação de tremedeira é isolada, sem afetar outras áreas do rosto. Suas principais causas são estresse, tensão, noites mal dormidas e excesso de álcool.

Cerca de 90% das pessoas terão essa condição ao menos uma vez na vida. Essa é uma das regiões que primeiro reage em situações de estresse -- é quase um alerta de que você precisa fazer uma revisão no corpo, que está no limite.
Guilherme Olival, neurologista da Beneficência Portuguesa, em São Paulo

Situações como fadiga, estresse e secura nos olhos estão por trás desse sintoma na maioria das vezes. No caso da fadiga, pode ser causada pelo uso contínuo de computadores ou monitores; já quando estamos estressados, liberamos hormônios que vão para o sistema nervoso autônomo e levam estímulos para a região, que passa a ter contrações involuntárias.

Sintomas neurológicos devem ser investigados

Qualquer sintoma neurológico novo, sem histórico desde a infância e sem diagnóstico definido, precisa ser investigado, diz o neuro-oncologista Marcos Maldaun, do Hospital Sírio-Libanês. "Cefaleia com padrão diferente da enxaqueca comum, formigamentos, fraqueza, alterações de linguagem e cognição, por exemplo, exigem avaliação especializada com exame de imagem adequado para o diagnóstico", explica o médico.

Visão dupla, tremores na pálpebra e outras alterações oculares se encaixam nesses sinais de alerta.
Marcos Maldaun, neuro-oncologista

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O tumor de Luiza, um meningioma, é comum em adultos jovens e mais frequente em mulheres, atingindo a meninge, camada protetora do cérebro. "Esses tumores benignos são, muitas vezes, descobertos por acaso. Dependendo do tamanho, idade, localização e sintomas, definimos o tipo de tratamento", diz Maldaun.

Em alguns casos, é possível realizar cirurgia; em outros, o tratamento é feito com radioterapia, como no caso de Luiza. O acompanhamento deve ser feito para o resto da vida.

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