Emagrecer com músculo e sem picada: como serão os remédios contra obesidade

O momento atual do tratamento da obesidade é revolucionário, mas o futuro parece ainda mais promissor. Nos laboratórios das indústrias farmacêuticas e das universidades, pesquisadores investigam novas formas de usar substâncias já conhecidas ou novos caminhos para potencializar os resultados. Em paralelo, querem aumentar a segurança dos pacientes e evitar efeitos colaterais indesejados.

A próxima geração de medicamentos deve atingir perda de peso média superior a 30%, algo especialmente útil para quem tem obesidade extrema (IMC acima de 40). Estima-se que os medicamentos atuais não funcionam suficientemente para 10% a 30% das pessoas que os tomam.

Outras vantagens serão prevenir a perda de músculos e incrementar benefícios adicionais, como maior proteção cardiovascular e diminuição do risco de comorbidades. A obesidade está relacionada a mais de 200 problemas de saúde, como gordura no fígado, doenças cardiovasculares, infertilidade e demência, além de reduzir a expectativa de vida.

Com esses novos tratamentos, a gente não fala só em perda de peso, mas em mudar a trajetória de saúde do paciente a longo prazo. Diana Sá, endocrinologista e professora da Afya Educação Médica em Porto Velho

Outro ponto é que a obesidade é causada por diversos fatores, não é igual para todos, então opções terapêuticas variadas significam personalizar cada vez mais o tratamento, conforme necessidades e preferências do paciente. É dar aos profissionais de saúde um menu de possibilidades.

Essa busca incessante tem o intuito de buscar moléculas inovadoras que vão trazer benefícios para diferentes perfis de pacientes. Marília Fonseca, diretora médica da Novo Nordisk no Brasil

A seguir, veja o que esperar do futuro do tratamento da obesidade, com base no que está em estudo:

Sem picadas

Laboratórios acreditam que medicamentos orais (e não injetáveis) podem fazer aumentar adesão ao tratamento
Laboratórios acreditam que medicamentos orais (e não injetáveis) podem fazer aumentar adesão ao tratamento Imagem: Getty Images
Continua após a publicidade

A farmacêutica Eli Lilly, do Mounjaro, estuda uma versão em comprimido. O orforglipron imita o hormônio GLP-1 e é para ser tomado uma vez ao dia. Ele foi testado em pessoas com diabetes por 40 semanas, com redução significativa da hemoglobina glicada. De forma secundária, os participantes tiveram uma perda média de 7,3 kg (7,9%) com a dose máxima (36 mg), sem parecer atingir o platô. Assim, é possível que mais tempo de uso leve a mais perda de peso. Um estudo em andamento focado no tratamento da obesidade trará resultados mais específicos.

A dinamarquesa Novo Nordisk, fabricante do Ozempic, também busca medicação oral. A farmacêutica estuda a amicretina na versão em comprimido, para tomar uma vez ao dia, e subcutânea semanal. O medicamento combina agonistas dos receptores de GLP-1 e amilina. Um estudo indicou perda de peso de 24,3% na dose máxima (60 mg) em 36 semanas. Para especialistas da área, o comprimido pode aumentar a adesão, principalmente de pessoas que evitam injeções.

Combinação e mais alvos

CagriSema, da Novo Nordisk, combina duas substâncias. Em estudo apresentado em junho, o remédio feito de semaglutida e cagrilintida (um análogo da amilina) fez 40,4% dos pacientes alcançarem redução de peso corporal igual ou superior a 25%. Teve quem perdeu mais de 30% do peso. A pesquisa foi feita em pessoas com sobrepeso ou obesidade, tendo uma comorbidade e sem diabetes. Metade (50,7%) dos participantes com obesidade atingiu o limiar de não obesidade (IMC menor do que 30) ao final do tratamento.

Retatrutida, desenvolvido pela Eli Lilly, é um triplo agonista. É uma única composição que se liga a três receptores hormonais: GLP-1, GIP e glucagon. Em estudo, o remédio promoveu perda de peso média de 24,2% após 48 semanas de uso semanal.

Remédio "4 em 1" é estudado nos EUA. Ainda sem nome, ele imita quatro substâncias naturalmente produzidas no corpo: GLP-1, GIP, glucagon e YY, outro hormônio que reduz o apetite e o ritmo do esvaziamento gástrico. Cientistas estimam que futuros pacientes poderão perder até 30% do peso.

Continua após a publicidade

Manutenção dos músculos

Novos tratamentos miram a manutenção do crescimento muscular
Novos tratamentos miram a manutenção do crescimento muscular Imagem: iStock

Eli Lilly detém o bimagrumabe, que evita a perda de massa magra. Ele bloqueia a miostatina, uma proteína que limita o crescimento muscular. Com isso, a perda de peso se dá mais em cima da gordura do que dos músculos. Um estudo avaliou a ação de bimagrumabe e semaglutida (juntos e separadamente) em comparação ao placebo e viu que a terapia combinada resultou em 92,8% de perda de peso total proveniente da massa gorda em comparação com a semaglutida isoladamente (71,8%) e uma redução de 22,1% no peso corporal.

Doses mais altas

Farmacêuticas também testam doses mais altas. A semaglutida com dose de 7,2 mg deu mais resultados. Em estudo, a dosagem mais alta promoveu perda de peso média de 20,7%, sendo que um em cada três participantes perdeu mais de 25% do peso inicial.

Injeção mensal

MariTide, da farmacêutica norte-americana Amgen, é administrado uma vez ao mês. No estudo, o medicamento reduziu de 12,3% a 16,2% o peso corporal dos pacientes em um ano. Aplicações mensais também podem facilitar a adesão dos pacientes à rotina estabelecida, segundo os autores da pesquisa.

Continua após a publicidade

Novos mecanismos de ação

O tratamento atual da obesidade atua na redução do apetite —outro caminho de ação na mira da pesquisa é aumentar o gasto energético por meio do tecido adiposo marrom, ou gordura marrom. Ele tem muitas mitocôndrias, componentes da célula responsáveis por produzir energia. Mas existe uma proteína ali que faz com que parte dessa energia seja liberada em forma de calor, o que pode favorecer a perda de peso.

Se a gente conseguir ativar bastante o tecido marrom, a gente aumenta o gasto energético.
Licio Velloso, coordenador do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da Unicamp, onde a proposta é estudada

O desafio é ativar a gordura marrom sem causar efeitos colaterais graves. Hoje, existe um medicamento para tratar um problema na bexiga que aumentaria o gasto energético, mas somente em doses muito altas, o que levaria a problemas cardiovasculares. Pesquisadores estudam algumas substâncias, como um derivado de um antibiótico, canela e capsaicina, um composto das pimentas. "Todos esses aumentam um pouco [o gasto energético], mas não é o suficiente para garantir uma perda de peso. Agora, a gente está procurando ajustar doses."

Na hora que essas drogas estiverem disponíveis, vamos alavancar mais ainda a perda de peso do paciente. Se você soma as duas, talvez chegue a uns 40%, aí você já quase resolve o problema de quase todo mundo.
Licio Velloso, pesquisador

Outro alvo de estudo é o hipotálamo, região do cérebro que controla fome e saciedade. É ali que os análogos de GLP-1 e GIP atuam, mas o que se busca agora são outros receptores para também ativar o gasto energético. Em estudos, Velloso e outros cientistas identificaram dois alvos: o GPR-40 e o GPR-139. Outros candidatos estão em investigação, e o pesquisador está confiante de que, em breve, algum deles será testado em humanos.

Continua após a publicidade

É um consenso hoje na literatura, entre os pesquisadores nessa área, que o cérebro é o melhor alvo para tratar a obesidade.
Licio Velloso, pesquisador

Especialistas acreditam que é preciso mirar o cérebro ao propor novos medicamentos para obesidade
Especialistas acreditam que é preciso mirar o cérebro ao propor novos medicamentos para obesidade Imagem: Getty Images/Science Photo Libra

Desafios

Mesmo com novas medicações a caminho, o estigma é uma barreira. Deve-se reforçar cada vez mais que obesidade é uma doença crônica multifatorial —não é uma escolha— e, por isso, precisa de tratamento constante. Também, entender que os remédios não são milagrosos, e os resultados vêm com mudança no estilo de vida: alimentação equilibrada e prática de exercício físico. "A liraglutida foi lançada há mais de dez anos e isso não mudou em nada a prevalência de obesidade no mundo, que continua crescendo", observa Velloso. Segundo ele, as razões são o alto custo dos medicamentos, que limita o acesso, e a interrupção precoce do tratamento que leva ao reganho de peso.

No Brasil, os remédios não estão no SUS. Em agosto, a Conitec decidiu não incluir medicamentos à base de semaglutida (Ozempic e Wegovy) e liraglutida (Saxenda e Victoza) no Sistema Único de Saúde devido ao alto custo deles.

A OMS considera medicações como essenciais. No começo de setembro, a Organização Mundial da Saúde incluiu os análogos de GLP-1 e GIP (semaglutida, dulaglutida, liraglutida e tirzepatida) na lista de medicamentos essenciais para tratar diabetes tipo 2 e obesidade. Disse, porém, que os altos preços limitam o acesso.

Continua após a publicidade

Priorizar aqueles que mais se beneficiariam, incentivar a concorrência de genéricos para reduzir os preços e disponibilizar esses tratamentos na atenção primária —especialmente em áreas carentes— são essenciais para expandir o acesso e melhorar os resultados em saúde. Organização Mundial da Saúde

Acesso aos medicamentos ainda é um desafio
Acesso aos medicamentos ainda é um desafio Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

Espera-se que, com mais medicamentos no mercado, a concorrência faça os preços caírem. Outra possibilidade é que, um dia, os planos de saúde cubram o custo da medicação.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.