Como homem que está driblando 'sentença' de Alzheimer pode ajudar a ciência

Ler resumo da notícia
Doug Whitney, um ex-militar da Marinha americana de 76 anos, intriga a família e os médicos há décadas: ele tem uma mutação genética fortemente associada à doença de Alzheimer. Mas, apesar de ter recebido a "previsão" de que adoeceria como o irmão e a mãe, ele se mantém saudável até hoje.
O que aconteceu
A família de Doug tem a mutação Presenilin 2, cuja origem estaria em um grupo de imigrantes alemães que se fixaram em dois vilarejos próximos ao rio Volga, na Rússia, no século 18. Outros parentes dele, cujas raízes estão em uma área rural de Oklahoma, começaram a ter perda de memória e raciocínio entre os 44 e 53 anos.
Esta mutação, na maioria das pessoas, causa a doença de Alzheimer por volta dos 45 a 55 anos. Eles morrem cerca de uma década depois. Na família de Doug, sua mãe e nove dos 13 irmãos dela tiveram Alzheimer precocemente e morreram devido à da doença. O mesmo aconteceu com seu irmão e outros familiares de gerações anteriores —sua família é a maior nos EUA cuja mutação é conhecida pelos cientistas.
Quando ele chegou aos 50 anos, sua esposa, Ione, e seus dois filhos começaram a procurar sintomas. Ione se preparava para ver o marido adoecer desde os anos 70, quando ainda estava grávida do primeiro filho do casal e a mãe dele começou a esquecer receitas que fazia para as festas de família.
Os médicos da mãe de Doug foram responsáveis por identificar, há 50 anos, que o Alzheimer dela era hereditário —e que Doug adoeceria um dia também. Ao jornal The New York Times, Ione lembrou que passou por um período de revolta com a notícia. "Eu fiquei com tanta raiva do Doug, do mundo, de como tudo era injusto." Mas a atitude do marido em relação à notícia mudou sua forma de encarar a "sentença".
Nós temos algumas escolhas. Você pode ficar com raiva a sua vida inteira. Você quer não ter este filho? Ou queremos aproveitar a nossa vida e ter uma família?
Doug Whitney à sua esposa, Ione
Quando Doug completou 55 anos, a idade que sua mãe e irmão morreram, o filho e a filha dele começaram a ligar para a mãe e perguntar do estado do pai. Foi quando um primo que escrevia um livro sobre a família, Gary Reiswig, contou que pesquisadores procuravam mais membros de famílias com casos de mutações que causam quadros precoces de Alzheimer para estudar.
O ex-militar concordou em participar do teste genético, acreditando que não teria a mutação por ser saudável; no seu 62º aniversário, recebeu a notícia de que tem o gene para a doença. "Fiquei sem palavras. Quer dizer, eu tinha passado 10 a 12 anos de quando eu deveria ter adoecido", contou ao jornal.
O neurologista responsável pelo estudo de Doug, Randall Bateman, também não acreditou no resultado —e o testou três vezes. Bateman coordena a DIAN (Dominantly Inherited Alzheimer Newtork, ou rede do Alzheimer dominante herdado) na Universidade de Washington, e passou a acompanhar seu caso, ano após ano.

Doug continua organizando a manutenção de submarinos para uma empresa contratada das Forças Armadas e espantando médicos que agora procuram respostas para o motivo de a doença não ter aparecido. O ex-militar já é estudado pelo time de Washington há 14 anos; eles acreditam que descobrir o que protege o americano pode levar a tratamentos novos e até uma cura para a doença.
Seu DNA é esperança para pacientes com Alzheimer
Em 1% dos casos, o Alzheimer é produto de uma de três mutações genéticas que levam a quadros precoces, em que o paciente adoece bem antes da terceira idade e piora rapidamente até morrer. Já na maioria, a causa é desconhecida e o quadro se desenvolve depois dos 65 anos.
Como os quadros precoces são muito parecidos com o estágio final daqueles pacientes que desenvolvem a doença depois dos 65, a maioria dos avanços é obtida a partir do estudo dos pacientes com mutações. Por isso, o material genético de Doug e de sua família pode ajudar a alavancar as pesquisas sobre o tema.
A doença de Alzheimer é caracterizada pelo acúmulo anormal de duas proteínas no cérebro: a amiloide e a tau. Elas começam a formar placas pelo menos 20 anos antes do início dos sintomas.

Os cientistas conhecem apenas o caso de outros dois pacientes que tinham mutações do Alzheimer e não adoeceram. Duas pessoas colombianas (uma mulher e um homem) da mesma família não tinham a mesma mutação de Doug, mas a Presenilin 1. Elas morreram na casa dos 70 anos, sem Alzheimer.
No caso dos colombianos, ambos tinham muita proteína amiloide acumulada, mas pouca tau nas regiões do cérebro associadas ao Alzheimer. A mulher colombiana pode ter sido "protegida" por ter duas cópias de um gene que passou por uma mutação. Já o homem colombiano pode ter tido outra mutação que o "protegeu". No entanto, outros cientistas veem estas explicações como insuficientes, pois não há muitos casos para comparar e comprovar a proteção oferecida por estas mutações.
O cérebro do Sr. Whitney é cheio de amiloide, provavelmente muito mais do que outras pessoas com a mutação em sua família porque ele já viveu mais. Mas ele tem muito pouca [proteína] tau. Ele é resistente ao acúmulo da tau e ao seu espalhamento. É onde está a sua resiliência.
Jorge Llibre-Guerra, neurologista da Universidade de Washington que estuda o caso de Doug Whitney, ao Times
O acúmulo da proteína tau em Doug está em apenas uma região, o lobo occipital esquerdo, responsável por funções visuais-espaciais e sem um grande papel no Alzheimer. A colombiana também tinha acúmulo da tau na mesma área. Estes casos, segundo relatou ao NYT Yakeel Quiroz, neuropsicóloga da Universidade de Boston, indicam que "a amiloide não é suficiente para criar um declínio [cognitivo] de verdade".
Determinar como o acúmulo da proteína amiloide leva à aglomeração da tau —e como este processo pode ser interrompido— pode ser a chave para novos tratamentos. O DNA de Doug pode ajudar nesta missão, já que ele tem diversas mutações que seus familiares doentes não têm. Pelo menos três delas estão relacionadas a neuroinflamações e ao acúmulo da proteína tau.
O sistema imunológico de Doug também pode ser útil para desvendar o caso, já que ele tem respostas inflamatórias mais brandas que outros pacientes com as mutações do Alzheimer. Ele recebeu a notícia do seu neurologista, Llibre-Guerra, na última consulta em março.
Além disso, Doug tem um excesso de proteínas de choque térmico —o que impede o acúmulo incorreto de outras proteínas e o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. Na última avaliação deste ano, ele não demonstrava nenhum declínio cognitivo ou sinal de demência significativo em relação aos resultados de seus exames de quatro anos atrás. Em alguns quesitos, houve piora muito leve, mas, em outros, ele teve até melhora de desempenho.
As proteínas de choque térmico de Doug podem ter se acumulado com uma década de trabalho na sala de máquinas de um navio a vapor da Marinha. Os cientistas acreditam que este processo também possa ter um papel na proteção do cérebro de Doug em relação ao Alzheimer.
Pesquisadores já estão interessados no estudo do cérebro do filho de Doug, que herdou a mutação ligada ao Alzheimer, mas não tem sinais da doença aos 53 anos. Brian Whitney não tem, contudo, as mesmas mutações no seu DNA que supostamente protegem o pai. Ele também não foi exposto ao calor por anos, como Doug foi.
É possível que ele tenha sido protegido por drogas anti-amiloide que teria recebido em um estudo clínico da universidade, o que contrariaria a hipótese de que a tau fosse mais importante para causar o Alzheimer. Dos 73 pacientes que participaram do mesmo estudo de Brian, os 22 que tomaram estes medicamentos por mais tempo (oito anos, em média), demonstraram ter apenas metade do risco de adoecer.
No entanto, os pesquisadores não podem revelar se Brian recebeu a droga ou o placebo nas primeiras etapas do estudo. Só há a certeza de que ele recebeu o remédio nas fases seguintes do ensaio clínico. Atualmente, ele ainda recebe injeções de outra medicação experimental, ainda em avaliação.


























Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.